Capítulo 5 Malditas lembranças

~Pedro~

Dois anos atrás eu aprendi severamente como cada ação tem uma consequência. Dois anos atrás, eu senti na pele todas as coisas erradas que eu havia feito, e estava na merda por conta disso. Aprendi que se sua vida é uma bosta, é porque você está cagando com ela. Eu não me refiro ao contra golpe que sofri dos meus rivais... eu me refiro a saber que ela estava fugindo de mim. Isso sim foi algo doloroso, tanto que quando cheguei em casa após deixar aquele bilhete em sua casa... pela primeira vez em muito tempo eu senti que havia perdido o rumo da minha vida. E perdi as estribeiras quando cai no chão pensando nela... tentando entender o porque ela tinha que significar tanto na minha vida para que a sua ausência fosse motivo de lágrimas.

Talvez eu também estivesse farto da vida que eu levava... quer dizer, minha irmã foi para longe por esse motivo e o coração de Emma estava quebrado pela merda do mundo em que eu vivo, e pior ainda... por mim mesmo.

Estava tão farto que em um momento... entrei em um estado completamente de insanidade e pensei que tudo poderia melhorar caso, se naquela abordagem policial, eu me entregasse de uma vez. Pensei que ficaria melhor caso eu me afastasse de tudo o que lembrava a minha garota e o motivo dela ter ido embora... e por um tempo, após eu ter confessado ter cometido alguns delitos, isso funcionou. Por um tempo eu parei de pensar nela e me odiar... mas isso foi só na primeira semana. Após isso não aguentei mais permanecer atrás daquelas grades pois até nela, aqueles olhos vazios me atormentavam.

Mas eu já havia feito a merda e tinha que cumprir a pena de um ano...

- Aqui estão suas coisas... - Diz Heitor me entregando uma bacia com todos os pertences e roupas que eu usava no dia que fui apreendido. - Eu estou surpreso, você saindo tão mansinho... pela forma como você era, eu pensava que faria coisas horríveis aqui dentro e no final a sua pena de um ano se triplicaria.

Dou risada, erguendo uma sobrancelha para o policial mais corrupto desse planeta fodido. Heitor... o mesmo que eu odiei de cara, e o mesmo que agora se tornou um amigo, quem sabe até mesmo fora das grades.

- Ah... nem vem com esse papinho. Minha pena só não triplicou porque você arrumou uma desculpa para aquele cara que eu afoguei na privada... - Lanço-lhe uma piscadela, tirando essa roupa nojenta do meu corpo.

Ele ri, dando um tapinha em meu ombro.

- Como você é engraçado! Graças a Deus que já está indo embora, eu não aguentava mais olhar para essa sua cara.

- Eu sei que você vai ficar entediado quando eu sair por aquela porta. Quer dizer, de quem mais você vai acobertar aquelas mortes estranhas?

- Você deveria falar mais baixo! Tá maluco, carai?

Meus lábios se curvam em um sorriso, e é quando eu pego tudo que estava na bacia, pronto para me trocar.

- Troque de roupa e vá embora, e eu falo sério quando digo que é para não voltar! Não faça nada que te traga aqui de volta.

Franzo o meu cenho, balançando a minha cabeça para os lados enquanto me pergunto se ele realmente acredita nisso.

- Você acha que eu estou por aqui porque vocês me pegaram? Muita audácia da sua parte... eu me entreguei e nem mesmo estou pagando por todos os crimes que cometi.

- Tá, tá! Para de se achar! Só vai logo! Eu vou ter que ir, minha esposa está me esperando.

Desvio o meu olhar para as minhas coisas, desconfortável por ele estar falando de sua mulher.

- Vejo você por aí...

É o que ele diz antes de ir embora, me apontando um lugar para eu tomar banho e trocar de roupa. E assim eu faço...

Um ano nesse lugar nojento... onde é que eu estava com a cabeça quando me entreguei? O que porra Emma fez comigo?!

Quando eu saio pela porta da frente, a claridade e o calor do sol em conjunto com a brisa fria me pega de surpresa. Tanto que eu fecho os meus olhos, sentindo o meu coração acelerar como se essa fosse uma nova sensação...

E isso é tão... estranho! É tão familiar e diferente ao mesmo tempo... porém é gratificante quando lembro que estava sem saber o que era isso durante muito tempo.

"Bi-Bi"!

Abro os meus olhos ao som de uma buzina, e instantaneamente um sorriso surge em meus lábios, contente de finalmente estar vendo pessoas familiares.

Enzo e Lucas estão dentro de um carro sem teto claramente importado, indicando o quanto estavam aproveitando a minha grana na minha ausência. Enzo que está como motorista, tem um sorriso nos lábios, como de quem quer aprontar, e Lucas ao seu lado está usando óculos e com um braço para fora do carro, batendo na porta, o que é um sinal claro de playboy que gosta de chamar atenção.

- Olha se não é o cuzão que resolveu abandonar a gente... - Comenta Enzo, fazendo Lucas rir enquanto eu reviro os meus olhos, sentindo algo em meu peito que há muito tempo eu não sentia.

Eu odeio esses dois... mas senti tanta falta de zaralhar pela cidade com esses manés.

- Então... vai ficar aí parado me admirando ou vai entrar?

Dou risada, me aproximando do carro onde jogo minha mochila no banco de trás.

- Eu dirijo!

- Ah, qual é! Vocês dois são muito zé manés! Fomos para uma festa cheia de drogas e mulheres gostosas e nem uma putinha vocês quiseram comer! Que porra aconteceu com vocês? Enzo eu até entendo... está namorando a irmã do melhor amigo, mas... Pedro, vem cá! - Diz Lucas se aproximando de mim no sofá, claramente bêbado após um dia agitado onde assaltamos uma rua como uma gangue e fomos para uma festa que durou horas. - Mas você nem mesmo quis participar daquela suruba com aquela gostosa no banheiro, ela estava doidinha para te dar... podíamos dar um belo trato nela se você quisesse.

Ele se joga no sofá e eu faço um biquinho, virando mais um copo de whisky quando percebo Enzo parecer inquieto, me lançando um olhar com certa graça.

- Não dá bola para ele. Lucas está chapado pra caralho, usou tanta droga que é capaz de ter uma overdose. - Ele diz e eu volto a olhar para Lucas, que está jogado no sofá como se estivesse morto, apagado. - Eu acho melhor levar ele para casa...

Ele suspira, e é quando eu dou risada. Enzo é mais compreensível, tem uma cabeça mais pé no chão sobre o que está acontecendo comigo, porém Lucas... não há como reclamar com ele quando o mesmo sequer entende... e nunca vai entender o que é gostar tanto de alguém ao ponto de ficar nesse estado em que estou... nunca vai entender como alguém pode continuar obcecado por outra mesmo após dois anos.

- Vou deixar meu lugar para vocês. - Digo de uma vez, fazendo Enzo que estava prestes a se levantar, paralisar no lugar e Lucas se levantar de rompante tossindo, assustados.

- Calma aí... você está dizendo que pretende largar a vida de crime? É isso mesmo que eu estou ouvindo? Ph... o seu pai deixou isso para você. Ele não vai surtar com a sua saída? - Enzo questiona seriamente enquanto Lucas apenas nos encara em choque, como se nem mesmo ele estivesse acreditando em seus sentidos.

- Foda-se... eu não quero voltar para lá e ficar dando ordens e me comprometendo como o cabeça de uma organização fodidamente grande e pesada... não estou dizendo que vou correr do mundo do crime, apenas... não quero mais isso. Eu não preciso disso, porra! Estou fodidamente entupido de grana e quero viver de verdade. Sei lá, viajar para lugares diferentes... - Sugiro e as expressões dos dois parecem um reflexo um do outro.

Ambos em choque... mas não é de se espantar! Antes de toda aquela merda acontecer na minha vida, eu jamais cogitaria deixar essa vida de lado pois amava fazer o que eu fazia, inclusive causar sofrimento nas pessoas. Mas isso agora parece tão difícil... tão nada a ver comigo!

- Você está ficando louco! - Lucas exclama e eu apenas lanço-lhe um sorriso, levantando o meu copo de whisky como num brinde.

- Quando é que eu fui normal? Aliás... essa porra aqui está realmente muito boa. - Comento encarando com satisfação o copo em minhas mãos.

- Cacete! Ficar preso deixou ele louco! - Lucas parece atônito, me encarando de olhos arregalados.

- Ele não está louco, talvez apenas não tenha pensado direito sobre o assunto. Você sabe como ele é impulsivo. - Discute Enzo, me fazendo revirar os olhos.

Por que eles estão conversando como se eu não estivesse aqui?

- Olha, eu estou ouvindo e não estou louco nem mesmo foi um ato impulsivo. Na verdade eu pensei muito sobre o assunto.

- Isso é o que um louco diria! - Lucas exclama apontando um dedo para mim e é quando Enzo se joga no sofá com uma mão na cabeça como quem está achando isso loucura demais.

- Puta que pariu! Eu nunca pensei que iria ouvir isso de você, mas porra! Eu te apoio! Eu já venho percebendo desde antes de você se entregar que você estava perdendo o gosto por estar ali com a gente fazendo aquelas coisas... e bem... mesmo sendo apenas cinquenta por cento a sua parte do dinheiro que conseguiu na organização, isso deve dar para umas vinte gerações suas como milionárias... você realmente soube trabalhar bem e multiplicar o que já tínhamos. - Diz Enzo, me fazendo sorrir ao bebericar mais do whisky.

A verdade é que eu nunca teria chegado a tanto sem eles, mas nunca vou admitir isso em voz alta.

- Vocês também... temos dinheiro o suficiente para nos afastar dessa merda toda, então... se por acaso vocês não quiserem assumir a liderança e quiserem se afastar comigo e viver apenas aproveitando... serão bem vindos.

Ambos se entreolharam, parecendo pensativos. E é quando Enzo se levanta, respirando fundo.

- Por que não conversamos sobre isso quando vocês dois estiverem sóbrios? Olha, eu vou levar Lucas para casa porque o estado dele está péssimo... você consegue ir sozinho?

Ergo uma sobrancelha, pensando em voltar para aquela casa... onde tive a minha última memória boa ainda com Emma... dias após ela ter ido embora eu comecei a ficar em hotéis porque não suportava olhar cada canto daquela casa e ainda sentir o seu cheiro e ouvir suas risadas...

Talvez hoje eu tenha que enfrentar isso e voltar para lá.

- Podem ir. Eu pego um táxi.

- Beleza. Te vejo amanhã... ah, e só mais uma coisa... avisa para sua irmã que você finalmente está solto. Como eu havia prometido, eu não contei a ela... mas ela vai gostar de saber que você finalmente está aqui com a gente de novo.

É o que Enzo diz com um sorriso nos lábios, carregando o corpo mole de Lucas para fora enquanto o mesmo murmura o quanto estou louco por querer me "aposentar". Com um sorriso nos lábios, eu apenas assinto fazendo um gesto com o copo em minha mão.

Quando eles se vão, após alguns segundos perdido em meus próprios pensamentos sem achar a coragem necessária para levantar e seguir o rumo que mais me deixa assustado, eu finalmente me levanto decidido a voltar para o lugar onde posso contar que vivi ótimos momentos com aquela que vem me fazendo sofrer de saudade desde o momento que foi embora.

E por mais que tenhamos passado pouco tempo nessa casa... apenas algumas semanas, eu posso afirmar que nosso momentos mais sinceros e íntimos foram vividos debaixo desse teto...

E foi por este motivo que eu congelei no momento que meus pés atravessaram a sala.

"- Você não tinha ido resolver assuntos urgentes que precisavam da sua atenção? - Questiona Emma após me flagrar na cozinha, fazendo um almoço para a mesma.

E quando eu me virei com um sorriso, me deparando com seu olhar curioso e bagunçado, eu senti todo o meu interior vibrar de satisfação.

- Eu ia, mas de repente eu senti uma vontade de aproveitar esse dia aqui com você... não sei porque, apenas... deixa para lá, não preciso te incomodar com meus pensamentos toscos. Mas fiz almoço para a gente, quer ver?

A verdade é que senti uma apreensão em meu peito quando estava prestes a deixar a casa e apenas senti uma enorme necessidade de aproveitar mais esse tempo com ela.

Mal sabia o que estava prestes a acontecer.

- Mas em que mundo eu estava vivendo que não sabia que você cozinhava? Isso tem cara de estar muito bom, eu estou morta de fome...

Dei risada, ajeitando as panelas na mesa enquanto Emma esfregava uma mão na outra, revelando a sua ansiedade para provar a minha comida.

Quando nos sentamos um de frente para o outro e eu comecei a montar o seu prato, ela não desviou o olhar de mim, me encarando de forma curiosa e surpresa, como se estivesse tentando me desvendar.

Ela pode até não acreditar, mas... estou apaixonado para porra por ela!

- Então... vai querer suco ou vinho? - Questiono já sabendo a sua resposta, porém quando vejo ela torcer o seu nariz como se apenas a ideia de beber vinho não lhe fosse agradável, realmente fiquei surpreso.

- Suco... CARAMBA! Isso está muito bom! - Ela exclama parecendo em choque enquanto me encara após levar um pedaço do bife à sua boca.

E isso me fez corar..."

Subo as escadas em direção ao quarto numa tentativa clara de deixar essas lembranças de lado, porém quando meus olhos pousam sobre a cama, todas as lembranças que me prendiam nela agora me envolvem como correntes.

"- Minha pequena... você faz ideia do quanto você é bonita? - Seguro o seu rosto tentando lhe passar mais confiança e aproveito para depositar um beijo em seus lábios. - Você confia em mim?

Ela assente vagarosamente, e eu sorrio internamente, louco para apreciar a sua deliciosa e calorosa pele, principalmente a do seu pescoço que logo ganha a atenção dos meus lábios. Sentindo a sua respiração mais pesada e percebendo esse mesmo efeito sobre mim, eu a deito sobre a cama com cuidado, cobrindo-a com beijos e me satisfazendo com o sorriso que surge em seus lábios.

Por que ela tem que ser malditamente perfeita para o meu coração?

Meus olhos vagueiam pelo seu corpo, fazendo o meu reagir instantaneamente. Não posso negar o quanto ela é linda... E fica mais ainda quando está relaxada e confortável, por isso...

- Quando eu toco aqui... você parece tremer. - Digo quando minha mão é guiada em direção a uma de suas cicatrizes na barriga, o que parece deixá-la momentaneamente surpresa. - Foi assim quando nos beijamos pela primeira vez na piscina. Você fugiu quando eu toquei na sua cicatriz.

Ela suspira tremendo quando eu não recuo em relação a tocar suas cicatrizes. Ela fecha os olhos com força, como se estivesse tendo uma memória ruim e eu sei o quanto meu toque pode ser incômodo para ela nesse momento, mas... não foi assim que ela conseguiu ganhar o meu coração? Transformou aquilo que era ruim em algo bom...

- Elas me lembram o porque estão em meu corpo... - Sua voz soa baixa, e eu não consigo desviar o meu olhar do seu, percebendo como isso é intenso demais.

Ninguém merece passar por isso aos dezessete anos, e eu só queria... retribuir um pouco tudo o que ela já fez em mim...

- Então deixa eu te marcar de beijos... Deixa eu marcar elas com meus beijos, daí quando você olhar para elas... vai poder lembrar de eu te amando.

Ela suspirou fortemente, como se minhas palavras fossem um baque, porém o sorriso que ela me lançou junto com seus olhos cheios de lágrimas foram o suficiente para eu não desistir.

- Eu deixo...

Foi o que ela respondeu antes de eu fazê-la suspirar mais uma vez, dessa vez com os meus beijos."

            
            

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