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É estranho estar nessa rua deserta a noite... é ainda mais estranho quando eu olho ao redor e não consigo identificar nada como familiar. Nem mesmo como vim parar aqui.
Um calafrio percorre a minha espinha quando uma brisa fria passa por mim no meio da estrada, entre vários carros desconhecidos.
Eu não... estava com Melissa e Lisa? Como diabos vim parar aqui no meio da noite? E por que eu não consigo parar de andar para frente? É como se uma força estranha estivesse me atraindo para algum lugar... e eu apenas não consigo parar.
Acaricio os meus braços em busca de aquecê-los e é quando eu ouço um barulho logo atrás de mim. Eu me viro rapidamente, um pouco assustada pelo o clima que estar nessa estrada me traz e pelo fato de não encontrar absolutamente nada quando eu tenho certeza que ouvi algo...
Meus pés se interrompem e eu sinto o meu sangue gelar quando eu volto a olhar para a frente. A minha boca abre em surpresa e eu arfo, pondo minhas mãos sobre a boca à medida que o pânico começa a se alastrar a cada centímetro do meu corpo.
Essa imagem... não, por favor! Eu não aguento mais ver isso em meus pesadelos!
- Pai? - Questiono com a voz trêmula, sentindo minhas forças sumindo, assim como a minha coragem de continuar andando.
Ele está sangrando... o meu pai está bem na minha frente com uma expressão de clara dor e arrependimento. O meu coração desmancha de dor com essa imagem e o meu corpo treme automaticamente...
Por que? Por que a minha própria mente insiste em me fazer sofrer tanto com o meu passado? Toda vez que eu me sinto bem... que posso superar os meus traumas que foram ocasionados naquele fatídico dia... a minha mente volta para me lembrar o quão desgraçada são as minhas feridas.
Eu busquei ajuda contra a ansiedade e me afastei dela... mas não importa o quanto eu fuja disso, ela sempre volta para reabrir as feridas que já poderiam ter sido cicatrizadas...
- Minha filha... eu juro que gostaria de ter sido o pai que você esperava... eu só queria te tirar das mãos daqueles malditos... - Ele diz com os olhos cheios de lágrimas, com o corpo trêmulo, tentando caminhar com uma perna machucada em minha direção.
A sua aparência... ele não é nada parecido com o pai que eu tento me lembrar quando eu ainda tinha sete anos. É o mesmo homem barbudo, fedido que usa roupas rasgadas que trouxe a ansiedade até mim... é o mesmo que se drogava na nossa sala de estar e me culpava pela morte da minha mãe... a sua aparência é a mesma que a dele. E isso me faz recuar, assustada.
- Por que fez isso comigo? POR QUE TIROU A MINHA CHANCE DE SER O PAI QUE VOCÊ MERECIA?! - Ele grita aos prantos, fazendo-me tremer descontrolavelmente, sentindo que estou sendo abraçada, mais uma vez, pelo pânico. - Eu fui atrás de você... eu ia te tirar de lá... então por que você me matou?
Uma batida inesperada do meu coração falha quando de repente uma explosão aparece bem na minha frente, entre nós dois. Eu caio no chão por conta do impacto, com a boca aberta e lágrimas deslizando pela minha bochecha. Eu tento enxergar entre a fumaça, mas... eu daria tudo para não ter visto o que eu vi...
- Você me matou...
Foi o que ele disse antes de sua boca abrir de forma assustadoramente grotesca, me fazendo gritar de horror.
Meu Deus! Por favor, alguém me tira daqui! Eu não quero! Por favor... alguém me ajuda!
Tento gritar por socorro enquanto o monstro em que meu pai se transformou corre de quatro em minha direção, mas a minha voz simplesmente não sai, como se algo ou alguém estivesse impedindo. E isso é atormentante.
Fecho os meus olhos com força, gritando internamente em busca de ajuda, sentindo que o meu coração pode parar a qualquer momento.
E então de repente todo aquele barulho assustador vai embora... Como se tivessem ouvido as minhas preces...
Eu abro os olhos aliviada de finalmente ter acordado, porém quando assim eu faço, é o sentimento completamente oposto de alívio que toma conta de mim.
Meus olhos se abrem em surpresa quando em meu quarto, deitada sobre a minha cama está a minha mãe, e ao seu lado, o corpo morto do meu pai. Ambos têm uma expressão serena, mas algo assustador é comum entre eles... ambos estão com um buraco de tiro na testa...
Quando eu olho para as minhas mãos... aquela pistola que eu havia usado para atirar naquele homem que estava tentando matar Pedro está bem diante de mim! Minhas mãos estão sangrando e trêmulas, e quando me dou conta do que está acontecendo... eu tento buscar por ar, sentindo a minha cabeça girar enquanto ouço vozes em minha cabeça.
Todas elas dizem a mesma coisa...
"ASSASSINA!"
- Meu Deus, Emma! Acorda! Olha para mim... Emma!
- Ah! - Exclamo em lágrimas quando abro os meus olhos em desespero e são os braços de Lisa que estão me rodeando em um abraço. - Ahh!
Sinto uma forte pancada em meu coração enquanto eu busco por ar, não conseguindo conter os soluços que escapam pela minha garganta ao mesmo tempo que as lágrimas deslizam pela minha bochecha.
- Shh... Emma, meu Deus... você está suando frio. Respira fundo, por favor.
Ela me aperta em seus braços, esfregando minhas costas numa forma de me consolar. Porém eu simplesmente não consigo parar! Eu odeio esses pesadelos com todas as minhas forças, e enquanto eu não tenho Melissa para dormir em meus braços, os pesadelos vem para me assombrar.
- Ah... a minha M-Meliss... Melissa... - Consigo dizer ainda soluçando aos prantos, e é quando Lisa se afasta para olhar em meus olhos. - Por favor... me traz ela. Cadê a minha Melissa? - Suplico sentindo-me desesperada por não ter o meu anjinho em meus braços.
- Calma... eu vou trazer ela e um copo de água para você.
Lisa sai às pressas, enquanto eu pressiono o meu peito com a mão, sentindo-me fraca para aguentar uma pressão deste tamanho.
Isso pelo o que eu passo... não são apenas pesadelos! Não pode ser! Isso não é normal! É muito mais do que isso e eu me sinto amaldiçoada...
- Prontinho, aqui está. - Sussurra Lisa pondo Melissa dormindo em meus braços.
Quando eu a seguro... sinto uma parte de mim em alívio e alegre com a sua presença. E é desse conforto que eu preciso...
- Quando eu durmo com ela... sempre que ela está ao meu lado, eu consigo dormir tranquila. Eu não tenho pesadelos quando ela segura a minha mão dormindo ou agarra o meu braço... eu não sei porque, mas... ela é a única com quem eu me sinto confortável para fechar os olhos e acordar com um sorriso. - Explico quando finalmente consigo acalmar as lágrimas e as batidas incessantes do meu coração.
Ouço Lisa suspirar, se sentando na minha frente na cama.
- Desculpe, eu não sabia... você dormiu mais cedo e pediu para que eu levasse Melissa para a sua cama quando ela pegasse no sono, mas... nós duas acabamos assistindo muita coisa e pegamos no sono juntas lá no sofá. Se eu soubesse o quanto ela era importante para esses pesadelos malditos... eu teria deixado ela dormir com você desde o instante em que você avisou que iria dormir.
Faço um biquinho, levantando a cabeça para Lisa que tem um olhar cabisbaixo e um pouco assustado. Eu ficaria péssima caso visse ela tão assustada quando me viu quando acordei do pesadelo...
- Não foi culpa sua, e obrigada, Lisa... sou eu quem tenho que me desculpar por ter feito você ver isso. Deve estar achando que eu sou louca ou algo do tipo... - Digo brincando e é quando um sorriso finalmente surge em seus lábios.
- Na verdade não... o que me faz pensar que você é louca é quando rejeita os encontros a cega que combino para você.
Reviro os meus olhos, voltando a olhar para a minha Melissa que chupa o seu lábio inferior, como um bebê tem costume de fazer. E eu acho ela tão fofa quando faz isso com essa expressão serena...
- Você estava chamando por ele. - Diz Lisa atraindo a minha atenção, fazendo-me encarar seus olhos. - Você chamava pelo nome de Pedro... ele é realmente tão importante assim para você?
Baixo a minha cabeça, respirando fundo enquanto penso sobre a sua pergunta. A triste realidade é pensar em como não há o que pensar sobre isso, pois só há uma resposta possível...
- Ele é o grande amor da minha vida... - Respondo calmamente, ainda vagando em meus pensamentos. - E quando eu fui embora, eu pensei que poderia superar, que uma hora ou outra esse sentimento sumiria, mas... ele ainda está vivo em meu coração.
Por alguns segundos, tudo o que eu ouço é a respiração das duas, porém consigo notar o quanto Lisa está pensativa.
- Por que ainda não foi atrás dele? Quer dizer... você me disse que no fim ele demonstrou estar diferente de quem era antes. E ele é o pai da Melissa... então por que não pede ajuda para ele? Se você acha que não há chances de estar com ele mais uma vez, ao menos a Melissa tem o direito de ter um pai, não?
Olho em seus olhos, percebendo pelo seu tom de voz e olhar o quanto ela está tentando soar compreensiva. Mas não tem como... nada do que ela disse, eu poderia fazer.
- Porque no último dia em que nos vimos eu soube que ele matou o meu pai... - Ela arregala os olhos em choque quando eu finalmente revelo o que tanto martela em meu peito. Ela não sabia sobre o fato dele ser bandido... - Porque ele me sequestrou no dia que nos vimos pela primeira vez e cogitou fazer coisas horríveis comigo. Porque no último dia em que nos vimos... ele teve que escolher entre me deixar viva em troca de matar o meu gatinho... porque há milhares de pessoas que fariam de tudo para vingar as mortes e dor que ele causou, e porque quando eu deixo a minha Melissa com qualquer pessoa... eu sinto que uma parte de mim está se despedaçado por pensar que pode ser alguém que irá usar a minha filha para se vingar de Pedro.
- Emma...! - Mais uma vez, Lisa se aproxima para me abraçar quando eu explodo em lágrimas. - Eu sinto muito... sinto muito mesmo.
Ela tira Melissa dos meus braços apenas para pô-la deitada no meio da cama.
- Vem cá! - Ela me puxa mais uma vez para um abraço. - Eu não faço ideia pelo o que você teve que passar em meio a tudo isso que me contou, mas... você tem os seus motivos para tomar essa decisão. Não quero nem imaginar como é estar em uma batalha constantemente dentro de si... você o ama, mas ainda está magoada com tudo o que ele te fez. Você quer que Melissa o tenha como um pai, mas não pode pois sabe que isso vai significar a morte dela... pode chorar, você não está sozinha, Emma! Me desculpa por não ter notado antes a bagunça que acontece dentro de você.
Deito a minha cabeça em seu ombro, sentindo as suas palavras como um conforto direto para o meu coração.
Uma amiga de verdade... essa sensação é ligeiramente boa, pois sinto verdade em cada ação de Lisa. E eu não posso negar que amo essa mulher!
- Você não está mais sozinha...
E eu sorri... as suas palavras me fizeram sorrir, mesmo sem um grande motivo aparente.
E naquela noite em que nos deitamos na cama com sorrisos no rosto, com Melissa entre a gente na nossa festa das garotas... eu não tive pesadelos.
Nem na noite seguinte... pois eu ainda conseguia ouvir ela dizendo que eu não estava sozinha e sentindo a mão da minha Melissa segurando a minha...
Foi nesse instante que eu senti que isso era o suficiente, afinal... quando em minha vida eu poderia levar uma vida tão boa quanto a que estou levando... nem mesmo quando eu tinha sete anos e ainda sorria verdadeiramente eu sabia dar valor a pequenos momentos que me trouxesse felicidade como esse.
E por isso eu sigo em frente...