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- Flora - disse em tom afável. - A deusa da Primavera.
Ela sorriu e desviou o olhar.
- Na realidade, é algo mais prosaico. Era o nome da minha avó.
- Diga-me, Flora, vai continuar a trabalhar depois de se casar?
- Naturalmente.
-Tem a certeza de que o seu marido não será mais ciumento quando for sua esposa?
-Isso é uma tolice - disse Flora, indignada. - O Chris não me controla.
-Melhor, porque já chegámos ao hotel e, portanto, não há nada que a impeça de
entrar comigo.
Flora esteve tentada a agradecer-lhe mais uma vez com muita dignidade e sair da sua
vida para sempre, mas o porteiro já estava a ajudá-la a sair do táxi e
tinha-lhe aberto a porta para que entrasse.
Ao entrarem na recepção, Marco Valante começou a dar ordens em voz baixa que os
empregados se apressaram a cumprir.
Flora já não tinha possibilidade de sair daquela situação e teve que reconhecer que a
única coisa que desejava era encontrar um lugar tranquilo e começar a chorar.
Nem sequer reclamou quando a acompanharam ao elevador que a levou ao primeiro piso.
Caminhou junto de Marco Valante até ao final do corredor e esperou que abrisse
a porta. Entrou a sua frente sem dizer uma palavra.
Não se tratava de um simples quarto, mas de uma suite ampla e luxuosamente
mobilada. Ele abriu as cortinas do salão para que entrasse a luz do sol.
- Sente-se - apontou-lhe um dos sofás e ela deixou-se cair sem resistir, porque
as suas pernas já não a sustinham.
- Pedi que viesse a enfermeira para que lhe cure as feridas - disse ele. - Também pedi chá e na casa de banho há um roupão para se cobrir enquanto lhe limpam o fato. Flora reclamou, nervosa:
- Você é muito autoritário para ser contabilista. Ele encolheu os ombros.
- Tento compensá-la pelo que passou antes.
- Não vejo necessidade disso - argumentou Flora.
- Não foi culpa sua.
- Mas quem sabe podia tê-lo evitado se tivesse sido mais rápido. Se tivesse obedecido
ao meu instinto e a tivesse seguido quando saiu do restaurante.
- E porque iria fazê-lo? - Flora começou a reagir. Sentia muito frio e rodeou-se
com os braços, cerrando os dentes para que não se ouvissem a tremer.
- Pensava - disse ele com doçura, - que não me era permitido fazer-lhe elogios.
Mas se quer saber, tinha muita vontade de conhecer uma rapariga linda com uns
cabelos ruivos naturais...
Afinal Hes tinha razão, pensou Flora. Ele tinha estado a observá-la durante o almoço.
-Ao que parece, você gosta de mulheres ruivas.
-Não, mas hoje, quando a vi com o sol reflectido no cabelo, não resisti, Flora mia.
Flora sentiu um arrepio na espinha e perguntou-se com quantas mulheres teria
funcionado esse truque.
"Não devia estar aqui", disse para si, e só se deu conta de que tinha falado em
voz alta quando ele lhe respondeu:
- Não tenha receio. Está completamente segura, porque de um momento para o outro começará a chegar gente e nunca mais estarei a sós consigo.
"Nunca",
lamentou-se uma vozinha na sua cabeça, "é um período muito grande e uma palavra muito triste".
- Talvez pudesse indicar-me onde fica a casa de banho-disse ela.
Ele fez-lhe um gesto para que o seguisse. Ao atravessar o quarto, ela tentou não
olhar para a enorme cama.
- Aqui é a casa de banho.
Flora olhou-se ao espelho e ficou assustada. Parecia um fantasma. O seu rosto, de tez
clara, estava muito pálido e os seus olhos cinzentos, estavam muito abertos e
esbugalhados. Tinha a cara suja e a blusa manchada e desalinhada, deixando ver
vários centímetros do soutien. "Certamente que Marco Valante reparou", pensou enquanto se despia e limpava os joelhos. Lavou a cara e
as mãos, e pôs um pouco de maquilhagem e lápis de lábios para dissimular a sua
palidez. Tinha saído com o cabelo apanhado num laço preto, mas estava despenteada e tinha o cabelo solto sobre os ombros.
Enquanto punha um enorme roupão, pensou que nada era normal nesse dia. Ainda que o
roupão a cobrisse por completo, sentiu-se aconchegada quando voltou ao salão.
Ali estava a enfermeira, disposta a curá-la.
- Ninguém espera que aconteçam estas coisas comentou a enfermeira enquanto lhe
punha creme anticéptico e lhe cobria as feridas maiores. - Claro que não,
principalmente numa rua com muito trânsito e em pleno dia, e por quê precisamente
você? Não usava um Rolex, nem jóias de ouro...
Flora tinha-se perguntado o mesmo. Supunha que tinha
sido uma casualidade; estava no sítio e na hora errados.
E continuava no sítio errado, e sem escapatória. Marco Valante tinha tido o bom
senso de se retirar enquanto a curavam, mas tinha chegado o empregado do
serviço de quartos com o chá e, sem dúvida, voltaria a qualquer momento.
E ela teria que lhe agradecer mais uma vez, visto que, juntamente com o chá,
tinha chegado um saco com o nome de uma loja famosa; no seu interior havia umas
meias novas e uma camisa de seda branca, também nova. O que mais a intrigava
era que o tamanho era exactamente o seu, o que confirmava que se tratava de um
homem que sabia muito sobre as mulheres.
Quando ele regressou ao salão, ela sorriu-lhe com cortesia.
- Sente-se melhor? - Os seus olhos verdes envolveram-na com um olhar como se o
grosso roupão não existisse. "Como se conhecesse cada centímetro do meu
corpo", pensou Flora enquanto o seu coração começava a acelerar-se numa
mistura de excitação e pânico.
- Com certeza que sim. Como nova! - exclamou.
- O serviço do hotel assegurou-me que a sua roupa vai ficar igual - sentou-se em
frente a ela. Estão a limpá-la com urgência - fez uma pausa, mas pareceu-me que
a sua blusa não tinha solução.
- Sim... - respondeu Flora, perplexa, consciente de ter sido convincente. -
Passe-me a minha carteira. Permita-me que o reembolse.
-Com muito gosto - disse, deixando cair o casaco e acomodando o seu esbelto
corpo no sofá. - Jante comigo esta noite.
Flora
ficou atordoada.
-Não posso.
-Porque não?
-Já lhe disse. Estou noiva e vou casar-me. Ele encolheu os ombros.
-Sim, já me disse, e que mais?
-Você não se importa?
-Porque haveria de me importar? Talvez eu também esteja comprometido...
-E está?
-Não. Estou solteiro, bella. Mas não me importaria
-olhou-a com ironia. - Para além disso, não estou a sugerir que jantemos na
cama... - depois de uma pausa, acrescentou: - Sente-se suficientemente segura
para servir o chá?
-Claro - Flora procurou mostrar dignidade. Leite e açúcar?
-Só limão, obrigado.
Foi um milagre que tivesse conseguido servir o chá nas chávenas de porcelana e não
sobre a bandeja e a toalha. E o pior era que Marco Valante se tinha dado conta
do embaraço que estava a sentir e sorriu divertido.
-Obrigado - disse ele quando ela lhe entregou a chávena. - Já ligou aos seus
clientes?
-Sim. Aceitaram as minhas desculpas e marcaram um novo encontro.
-Pensa que o seu noivo não se importará de cedê-la para um jantar?
-Sei que não o faria.
-É estranho - disse ele, pensativo. - Não pode ser tão possessivo.
- Porque diz isso?
- Porque nunca... a possuiu, bella.
- Como se atreve a dizer isso? - protestou Flora, abismada.
- Sempre que me é possível, prefiro dizer a verdade. E digo que você está...
intacta.
- Você... você não pode saber isso - disse Flora, indignada. - E, além disso, não
é assunto que lhe diga respeito.
- O destino fez com que os nossos caminhos se cruzassem, Flora mia - disse ele
com doçura. Penso que tenho direito a sentir-me um pouco intrigado quando olho
nos seus olhos e não detecto experiência de mulher, nem lembrança de desejo.
Ela pousou a sua chávena com tal força que a bandeja caiu.
- Você não tem nada com isso - disse, indignada,
- e gostaria de me ir embora agora, por favor.
-Assim? - disse ele, arqueando as sobrancelhas. Causará sensação, cara.
- Preferiria sair à rua nua - disse Flora com voz irritada, - a ter que suportar
as suas suposições humilhantes e erradas sobre a minha vida privada.
Marco Valante sorriu.
- Sinto-me tentado a deixá-la demonstrar isso, mas hoje não me apetece. Pedirei
que a coloquem noutro quarto enquanto espera que lhe tragam a sua roupa - pegou
no telefone, marcou um número e falou brevemente. - Uma empregada do hotel virá
buscá-la e acompanhá-la-á ao seu novo refúgio -
disse-lhe em tom amável. Rabiscou algo sobre uma folha de papel e entregou-lha. - Se
mudar de opinião acerca do jantar, pode encontrar-se comigo neste restaurante a
partir das oito.
Flora amarrotou o papel e atirou-o ao chão, dizendo-lhe clara e friamente:
- Só quando o inferno congelar, signore.
Ele
respondeu-lhe num tom doce e pensativo:
- Bem! As chamas não estão só no seu cabelo. Bravo.
- Enviar-lhe-ei um cheque para pagar isto - disse ela, agarrando na blusa e nas
meias e colocando-as na sua mala.