Capítulo 2 2

Ocupado...

O meu marido não estava querendo saber como eu estava porque continuou na comemoração da empresa. E Clarice não sabia como cuidar de duas mulheres chorosas, uma porque perdeu os filhos e outra porque perdeu a bolsa. Beatriz estava no meu quarto analisando as minhas próprias bolsas porque eu disse que pagaria, então ela achava que tinha direito de se apossar de algumas delas.

Algumas mais caras do que a bolsa que eu tinha estragado.

Às vezes as pessoas ignoravam a sua humanidade para se tornarem insensíveis, e aquela senhora era o exemplo de um ser humano egoísta da alta sociedade. Eu estava farta disso, sentia que minhas asas foram cortadas e que eu não poderia voar para lugar algum. E até mesmo Clarice percebeu que eu não estava dando importância alguma para aquelas bolsas.

Meu quarto, que tive o prazer de decorar, aliás a casa inteira, e era muito boa com essas coisas porque vivia pesquisando como agradar os outros, mas essa decoração foi feita para me agradar. O meu closet, minhas coisas... Eu trabalhei duro para ter cada uma delas e algumas eram presentes, outras eram frutos do meu trabalho.

Eu era uma organizadora de eventos bem requisitada porque, na alta sociedade e dentro da bolha que a família milionária do meu marido pertencia, eu era simplesmente a melhor.

Depois de pegar uma bolsa cujo preço tinha achado compatível com a que eu tinha destruído, ela saiu com um sorriso de satisfação. Desejei que algo material fosse tirado de mim porque eu poderia ter substituído também.

Fazia tempo que não visitava os meus pais porque não queria que eles vissem a filha deles nesse estado e mantinha sempre a imagem que estava tudo perfeito e da forma como eu saí de casa. Eles me criaram para ser feliz e sempre diziam que Berenice Queiroz tinha que ser a pessoa mais feliz do planeta Terra porque eu merecia. Eram os melhores pais do mundo, simplesmente os melhores.

Eu apertava os meus punhos com força porque a presença de Clarice no meu quarto não estava me acalmando, e com certeza o meu marido tinha a deixado ao meu lado para servir como um cão de guarda e evitar que estragasse mais ainda a sua imagem.

As batidas na porta fizeram o meu coração descompassar, pensei ser o meu marido demonstrando nem que fosse um pouco de preocupação comigo, porém era o meu sogro.

Andrew era um retrato mais jovem do seu pai.

Tomei um pouco de ar antes de me levantar do divã em que estava sentada, mas o meu sogro fez sinal para que eu me sentasse.

- Está tudo bem, minha filha, tudo bem... - disse, olhou de soslaio para a secretária, que abriu um sorriso assim que ele entrou. - Como você está, minha flor?

- Foi... Foi apenas um surto, passou - garanti.

- Não passou, querida, você perdeu um filho e não uma bolsa - disse, parecendo bravo.

Tudo o que eu menos precisava era deixar o meu sogro bravo com o próprio filho. Andrew não iria me perdoar.

- Você vai ficar aí parada? - perguntou para Clarice, que fez uma cara de que não estava entendendo nada. - Você é a secretária, não é? Peça para trazerem um pouco de água, um chá ou uma bebida forte para ela.

Olhou-a com superioridade, como se estivesse a colocando em seu lugar, e eu desejei ter o pulso firme que o meu sogro tinha. Ele tinha um carinho enorme por mim, e isso já era o suficiente para não querer deixar as coisas como estavam.

Eu queria a minha família perfeita de volta.

Mas como, se eu nunca tinha me sentido tão miserável?

Tão sozinha...

Sem ninguém do outro lado da linha para me ouvir e me entender, e o único que poderia fazer isso por mim estava me ignorando na maioria do tempo.

- Sim. Perdão.

Clarice nos deixou a sós, e Silas sentou-se ao meu lado no divã. Bem diferente de Andrew, que estava com terno e gravata na maioria das vezes, o seu pai achava que estava na hora de se vestir de uma maneira mais informal e hoje estava com uma camiseta azul com estampa floral e uma bermuda, porque ele se vestia assim quando nos visitava e não se importava mais com os convidados.

- Boa parte da culpa é minha, sempre venho aqui pedir netos - declarou.

- Não é...

- Ah, minha querida, todos somos culpados por alguma coisa, e minha culpa foi não ter criado o meu filho direito. O homem que ele se tornou me envergonha.

Segurei a sua mão.

- Andrew é um bom homem. Eu vou superar.

- Leve seu tempo, se quiser sair de férias, pode sair. Eu estou de férias desde que passei a empresa para ele. Sabe, minha querida, você é a melhor coisa que o meu filho tem.

- Obrigada.

- Então, por favor, se cuide. Eu estarei viajando por um tempo, mas pode me ligar quando precisar.

- Sim.

Eu queria ficar sozinha porque me sentia envergonhada e queria fugir dos olhares de pena, embora o meu sogro fosse uma das poucas pessoas que me olhava assim. O seu filho não me olhava com pena também, mas sempre me incriminava e desprezava tudo o que me tornei. Desprezava a minha fragilidade e minha incapacidade de seguir em frente como ele fez.

Meu sogro limpou as minhas lágrimas antes de sair e beijou a minha testa com carinho.

O seu filho nunca mais tinha sequer me tocado. Eu sentia falta dos seus toques, seus abraços e queria sentir que ainda estava aqui com ele e não tinha me tornado um fantasma que o assombrava. Quando Andrew entrou no quarto mais tarde, ele cheirava a whisky e a perfume de mulher que não era o meu.

Fazia dias que ele não tinha mais cuidado em esconder o seu caso, parecia que queria que soubesse, e isso estava me matando. O meu coração sempre ardia, mas quando me deitava era mais forte, então acabava vagando pela casa. Eu o deixei no quarto sozinho e fui para a cozinha procurar alguma coisa que me fizesse apagar.

Muito vinho.

Quando acordei, eu estava no sofá da sala com o meu marido ainda de roupão de banho me olhando com aquele olhar crítico.

- Você tem uma cama.

- Eu apaguei.

- Ah, apagou. - Estava com uma xícara de café na mão.

- Eu sinto muito por ontem.

- Sente. - Sentou-se na sua poltrona favorita, escolhemos juntos. Fazíamos muitas coisas juntos, e ele tinha tempo para mim. - Precisamos conversar sobre ontem.

Eu estava de camisola e com certeza com o rosto inchado em vários ângulos diferentes, ele jamais tinha me visto tão sem compostura como nos últimos dias.

Era vaidosa. Era organizada e cheia de paranoias para manter as coisas de uma forma que o agradasse.

- Eu sinto muito...

- Você sente, mas eu já cansei, Berenice. Você já é uma mulher de trinta e três anos e ainda não aprendeu a lidar com suas emoções? Os seus problemas?

- Não.

- Você está bebendo. Você está derramando champanhe nas pessoas, e o pior, você está horrorosa! - explodiu. Eu sabia que estava horrível nessa manhã, e as lágrimas vieram junto com a vontade de vomitar, então corri para não vomitar no nosso tapete, um vaso no canto da sala foi a vítima. - Meu Deus! Olhe só para isso!

- Des-desculpe.

- Para mim já chega, eu quero o divórcio! Precisamos de um tempo!

Mas divórcio não servia para dar um tempo, e sim para um término.

- Não... - Passei a mão na minha boca e ele me encarou com mais nojo ainda. - Você me ama. Nossos votos... Nosso felizes para eternidade...

- Eu sei. Eu sei, porra! E eu te amo. Berenice, você é a mulher da minha vida, mas do jeito que está não dá mais, e eu não sei mais o que fazer por você.

- Não. Você sabe. Você sabe muito bem!

Eu não tinha coragem de gritar com ele, minha voz permanecia baixa e trêmula.

- Sei? Me diga... Me diga! - pediu, gesticulando as mãos como se estivesse esbofeteando o ar à sua volta.

Ele estava com muita raiva.

- Você sabe...

Eu estava sendo sufocada pelo meu choro angustiante e constrangedor. Meus lábios tremiam e sentia frio em cada parte do meu corpo. Eu escondi o meu rosto dele porque eu me achava horrível quando tinha crise de choro.

- Me conte! Eu faço tudo para você ser como antes. Tentei te dar outro filho, mas adivinha? Você perdeu! - Essas palavras me deixaram horrorizadas, mas eram verdadeiras porque me sentia culpada por perder o meu filho. - Podemos tentar barriga de aluguel, posso pagar a outra mulher e até a Clarice tem potencial...

- Ai, meu Deus! - berrei. - Você quer que a sua amante carregue um filho nosso?

Ele não sabia que eu sabia que estava me traindo, as minhas palavras o pegaram desprevenido e o seu pomo de adão se moveu, seu olhar tinha ficado perplexo por alguns segundos.

- Foi ela que te contou? Como ela ousa?

- Não. Qualquer... - Respirei. Contei cinco segundos na minha mente antes de encará-lo novamente. - Qualquer pessoa percebe isso.

- Eu sinto muito, Berenice... Eu... fui fraco. Merda! Como posso não querer outra se a gente não funciona mais na cama?

- Em lugar nenhum... Não funcionamos mais em lugar nenhum.

Era apenas isso que ele tinha a dizer? Ele quebrou os nossos votos! Ele me traiu, me traiu... Seus olhos carregados de culpa evitavam encarar o chão.

- Bê... Eu estou com muitas coisas na mente, muito trabalho e responsabilidade na empresa. Você sabe.

- Eu sei.

- O meu pai precisa saber que estou indo bem lá.

Eu assenti e não queria mais discutir.

- O que eu tenho que fazer? Eu não sei...

Só precisava que ele me guiasse, porque eu não sabia mais o que fazer e apenas sentia que seguir a minha rotina não estava mais funcionando. Precisava dar um tempo de tudo.

- Merda, Berenice... É isso que não está dando mais certo, você sempre soube exatamente o que fazer e o que dizer e agora parece... Parece que está morta por aí. Às vezes, me pergunto se é tudo para chamar atenção.

- Claro que não.

Andrew deixou a xícara em uma das muitas mesas da sala que serviam para decoração. Ele não conseguia mais me amar porque conheceu esse meu lado, que nem eu mesma sabia que tinha, não estava conseguindo lidar com aquela minha versão e com as minhas fraquezas. Andrew queria uma mulher perfeita ao seu lado, e eu não estava mais sendo e eu nunca tinha sido perfeita, apenas me esforçava para ser para ele.

- Não está dando certo. Você sempre será meu amor, mas... Não. Preciso focar no trabalho, melhor fazer uma visita aos seus pais e buscar se tratar. Quando estiver pronta, voltaremos a conversar sobre o divórcio.

- Não... Não... Eu não quero me separar de você. Você é tudo o que eu tenho.

Ele foi o meu primeiro homem e não me lembrava mais de quem eu era antes de conhecê-lo. Não sabia mais como ser eu ou como agir. Antes do Andrew... Quem eu era? Uma garota que tinha saído de uma cidade pequena para conquistar suas ambições ou porque não suportava mais viver com um irmão mais novo e pais que me criaram para ser feliz, e eu dizia que era feliz, mas sempre quis conquistar uma família porque sentia que faltava algo na minha vida. Foi o Andrew por muito tempo, e foram os meus filhos por pouco tempo, e perdi tudo.

Eu perdi...

O que me tornei?

Quem era Berenice antes disso tudo? Antes da riqueza, do luxo, desse homem que me fazia feliz e me deu coisas que nenhum outro me deu, para depois tirar tudo de mim de uma maneira tão cruel?

- É melhor assim. Sabe que é. Tenho certeza de que estou sendo um cafajeste agora e você está me fazendo ser um.

- Me dê mais uma chance. Vou mudar.

- Não, Bê... Não vai. Você precisa de ajuda e não posso ajudar. Pague psicólogos ou sei lá o quê. Só arrume suas coisas e leve o que precisar. Pegue os seus cartões e use o quanto quiser. Mas, por favor, v¬¬á. Eu não aguento mais ver a mulher que mais amei um dia assim, não suporto mais, Berenice.

Não teve coragem de olhar nos meus olhos. Ele disse que eu o tinha transformado em tudo que ele se tornou. No fundo, achava que isso era injusto porque, se fosse dessa forma, ele tinha me transformado em tudo o que eu me tornei e odiava.

            
            

COPYRIGHT(©) 2022