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Golden Valley foi fundada devido à mineração de carvão e extração de madeira e atualmente tinha pouco mais de dez mil habitantes. Embora fosse conhecida historicamente pela mineração de carvão, os moradores sempre se orgulharam dos seus vales dourados, especialmente na estação de outono. Os fundadores da cidade diziam que eles mineravam ouro, e não apenas carvão. Cada árvore derrubada era um dourado a menos na paisagem de outono.
Frederico era o nosso motorista e ele estava deslumbrado com a paisagem montanhosa e com o vale. Fizemos uma viagem com o jato e depois ele alugou um carro para me trazer à cidade.
- É incrível! A senhora cresceu aqui?
- Sim!
- Simplesmente lindo, encontrei um lugar tranquilo para passar as minhas férias.
Eu não disse nada, pois não queria conversar porque tinha receio de falar sobre o assunto do divórcio, que não saía da minha cabeça.
- Obrigada, mas acho que não vou voltar por um tempo.
Tinha quase certeza de que o meu marido mandaria um dos advogados cuidar dessa situação, porque ele não queria mais lidar comigo.
Era verão quando o motorista parou na porta da casa da minha família, e eu não queria incomodá-los em absolutamente nada, porém sabia que era inevitável não causar comoção com o meu retorno.
A minha mãe e o meu pai estavam me esperando na porta e, além do barulho do motor, entre nós havia um silêncio e uma troca de olhares que durou até a minha mãe correr até mim e me abraçar com lágrimas nos olhos.
Fazia pouco mais de seis anos que eu não pisava o pé em Golden Valley, e a minha família ia me visitar na maioria das vezes por causa de jantares promovidos por mim. Queria mostrar a eles o quanto eu estava feliz comigo e com o meu trabalho e não havia nada de mais em ser ambiciosa e sair dessa cidade pequena para conquistar novos rumos. O meu erro foi acreditar que eles não tinham que fazer parte da minha felicidade, e tudo isso porque achava que Ariel precisava mais deles, porque às vezes o ciúme do meu irmão mais novo por mim chegava a ser sufocante.
O meu pai me abraçou e beijou a minha testa, ajudou o motorista a pegar as minhas coisas, e minha mãe me encarou com tanta firmeza no olhar que me fez acreditar que tinha feito a escolha certa ao voltar para casa.
- Vai ficar tudo bem. Oh... Minha filha linda.
Essa era Cristina, que, assim como o meu pai, era a pessoa mais amável e positiva que conhecia. Eles eram lindos de alma e corpo, e o amor deles causava inveja em muitos outros casais. Eu sabia que tinha um porto seguro e alguém para me abraçar se eu voltasse para casa.
Diziam que nós éramos parecidas, mas eu não acreditava nisso, porque Ariel se parecia bem mais com nossos pais. A minha mãe tinha os cabelos castanhos e nessa manhã de verão usava um vestido e chapéu de palha, ela amava chapéus. Ariel puxou o cabelo loiro dos avós paternos, porque o meu pai tinha cabelos castanhos também.
- Oi - disse meu irmão.
Ele não saiu da varanda para vir até mim. Ele tinha aquele ar de que não queria mais ninguém invadindo o seu território e que eu não respeitava quase nunca, e Ariel me odiava por isso. Daquela vez não foi diferente, porque eu o abracei, e estranhamente o meu irmão retribuiu, mesmo que tivesse sido de maneira tímida.
Eu sabia muito sobre ele, sabia que tinha uma banda e a sua música favorita era Hotel Califórnia, mas ninguém sabia disso além de mim, porque ele dizia que era I Wanna Be Sedated da banda Ramones ou What's Up de 4 Non Blondes. Gostava de usar preto, meu pai o chamava de vampiro pelo seu estilo, e Ariel amava a Avril Lavigne, mas não cantava as músicas dela na banda porque os outros integrantes reprovavam. Às vezes, era cáustico, direto, seco e isso era dele, e ninguém podia tirar e olha que os meus pais tentaram muito.
Quando fez dezoito anos, fez uma tatuagem de uma boca com presas de vampiros na cintura e, mesmo não admitindo, sabia que era para homenagear o apelido de vampiro que o nosso pai lhe tinha dado. Ariel Queiróz era o meu irmão mais novo e eu amava tudo nele.
- Você continua tão lindo - elogiei com os olhos marejados.
- Não fale isso. - Coçou o piercing no nariz e estava constrangido comigo. - Você não mudou muito.
Dei um último abraço antes que ele ficasse mal-humorado com tanta demonstração de afeto.
- Vamos entrar, tem macarrão com salsicha e espero que continue gostando como antes - minha mãe disse com um sorriso acolhedor.
- Eu amo.
Novamente estava chorando. Estava tão emotiva e sentia que o peso que carregava era mais suportável. Eles entraram primeiro, e eu me despedi do motorista; segundo ele, ficaria no hotel da cidade e retornaria para a estrada no dia seguinte.
Eu inspirei o ar puro quando o carro saiu da porta da minha casa, fechei os meus olhos e encarei o céu azul.
Lindo.
Perfeito.
Era a minha cidade e, em quesito natureza em seu auge de beleza, nunca decepcionava. Quando abri os olhos, tinha um homem do outro lado da rua, na janela da sala da senhora Wilson, ela faleceu havia alguns anos e ele só podia ser o novo morador.
A senhora Wilson não tinha ninguém e eu gostava dela porque passava as tardes conversando e às vezes cozinhando para ela, cuidando da casa, porque eu dizia que estava ensaiando para quando tivesse a minha própria. Ela me ensinou a fazer biscoitos e, em troca, lia para ela, já que estava perdendo a visão para a diabete.
O homem me olhava como se o meu retorno fosse um erro, não o conseguia ver muito bem, porque ele estava atrás das cortinas, mas seus olhos eram de uma fera - como se fosse um tigre enjaulado que teve seu território invadido.
Eu recuei e me escondi na minha casa.
Lá dentro, tinha uma faixa de boas-vindas para mim com letras tortas e sabia que era coisa dos meus pais.
O hall era de frente para a escada que levava ao segundo andar. Ao lado, tinha uma sala, depois a cozinha e, ao fundo, o quintal.
Não era a maior casa da redondeza, mas era acolhedora, e os meus pais eram donos de uma livraria, que herdaram da minha avó paterna. Era para lá que eu ia depois da escola para ler histórias com finais felizes.
A casa tinha cheiro de macarrão com salsicha, incenso e livros velhos, os meus pais tinham uma biblioteca, onde guardavam as edições antigas e, com o tempo, os livros não cabiam mais nas prateleiras. Ariel chamava de quarto do inferno, porque era um amontoado de livros desorganizados.
Meu pai colocou as malas no meu quarto, que ficava ao lado do quarto do meu irmão, e estava tudo arrumado em perfeito estado, era como se nunca tivesse saído de Golden Valley, era como se eu ainda estivesse com vinte anos, e não trinta e três.
Ainda tinha minhas fotos coladas no espelho dos meus armários, o teto pintado com as estrelas e um baú debaixo da minha cama com todos os meus tesouros. Tudo o que a minha versão pré-adolescente e adolescente considerava importante.
O meu pai beijou a minha cabeça antes de sair. Todos nessa casa sabiam que eu precisava de um tempo e não iam me fazer perguntas até o dia que estivesse pronta para respondê-las.
Eu iria até eles... Eles sabiam disso.
Peguei o baú com cadeado. O meu pai tinha me dado, e antes era onde ele guardava suas garrafas de vinho caras. Abracei aquele baú e rezei enquanto chorava para que aquela velha Berenice pudesse ressuscitar.
Tinha que começar isso de alguma forma e não tive coragem de abrir a caixa de imediato, deixei sobre a cama e olhei à minha volta, à procura de algo que não conseguiria encontrar ali. Precisava respirar o ar puro de Golden Valley. Renovar as minhas energias o quanto antes porque eu estava sem forças, com o corpo dolorido e um pouco febril, mas precisava sair dali por alguns segundos.
Antes de sair pelo portão do quintal, o meu pai gritou por mim perguntando se estava tudo bem.
- Sim... Eu.. Hmm... Só vou dar uma volta e não demoro.
Adentrei a floresta, conhecia as trilhas e, sempre que podia, explorava sozinha.