/0/9328/coverbig.jpg?v=20230827005831)
A criança chorava e eu com muito cuidado o balançava, mas nada nem mesmo depois de dá a ele leite quente acalmou, Já estava prestes a chamar o médico quando a doce Amélia apareceu e como se fosse milagre ao segurá-lo ele se aquietou.
- Ver essa criança ingrata não gosta de mim. - Falei me sentando em uma cadeira, já não tenho mais idade para isso.
- Ora madrinha mais é claro que gosta, mas ele gosta que o balance mais devagar, acho que a mãe dele fazia assim. - Amélia fala o balançado como se ele fosse um passarinho, sua delicadeza com a criança me faz acreditar que um dia seria uma boa mãe.
- Que mãe mais adorável, pena que o deixou sobre a minha porta. - Falei de mal-humor, eu não merecia mais dor de cabeça, não sei porque Deus continuava a me punir.
- Sabia que tu é uma boa alma e não maltrataria a criança. -Claro que não a maltrataria.
- Colocasse em frente a um orfanato, sendo ele da cor de jabuticaba sei que há muitos deles por lá. - Uma criança preta foi isso que me deram, o que eu faria com uma criança preta?
- E o que te impede de entregá-lo ao orfanato? - Eu puxei o ar, não tinha tanta amargura no coração para tamanha maldade.
- Não gosto da Gertrude, sabe a diretora não me é de confiança, já vi algumas vezes dando cascudos nas crianças. - A mulher de fato era um ser horrível, usava as crianças para sobreviver, aquilo era bem óbvio.
- Se a senhora que não é mãe não o dá para o orfanato logo se espera que a mãe pense o mesmo. - Amélia tem se tornado uma mulher muito sabida.
- Pois saiba que o dilema dela agora é o meu, pensa Amélia que eu tenho idade de criar uma criança dessa? - Eu não o tenho, a idade já chegou e meus cabelos uma vez negros se tornaram brancos, minhas costas doem, e minhas juntas doem, a velhice estava proxima.
- Ora madrinha pense que é um presente de Deus.- Amélia fala e eu sabia que ela já tinha amor pela criança, e só fazia dois dias que ele entrou em nossas vidas, mas ela já o amava.
- Não questiono as decisões de Deus, mas Amélia poderia ter me enviado uma criança da nossa cor. - De fato seria mais fácil de criar uma criança branca nesta cidade do que uma de cor, ainda mais com meus status, poderia dizer se um sobrinho, o pobre menino mesmo não entenderia como ele seria de um status quando os demais de sua cor eram de outro.
- Mas se é essa a criança que precisa da senhora madrinha. - Amélia me fala, abrindo seu largo sorriso, ela pouco se importava com a cor dele, Amélia com toda a certeza é alguém melhor que eu.
- Veja agora se está tu achando que pode me dar algum conselho. - Falei dando ombros, mas não consigo conter o sorriso de orgulho, tínhamos a criado bem.
- Posso ajudá-la se é isso que lhe preocupa, assim como ajudou minha mãe me criar, podemos fazer isso de maneira madrinha. - Ela disse entusiasmada, ela é tão inocente, não entende a maldade ainda.
- Não sei Amélia, por enquanto vamos deixá-lo ficando até que eu me decida o que devo fazer com ele.
E o menino foi ficando e ficando e hoje tem 12 anos e agora por circunstâncias que não sei me vejo sentada olhando para a diretora do colégio, a mulher estava devidamente mal-humorada, o menino tinha por certo essa habilidade, irritava a todos, as vezes por sua culpa às vezes apenas por existir da cor errada.
- Ele fez de novo. - Ela disse e como se o que ela estivesse me dizendo fosse algo banal apenas sorrir, eu desistir de me estressar com ele, não é um garoto mal é travesso, mas tudo sobre ele ganha um exagero que ao meu ver é desnecessário.
- O que exatamente?- Perguntei de forma paciente.
- Deu um soco no menino do senhor João. - Isso era algo a se resolver, já lhe expliquei que não deve resolver os problemas com socos e pontapé.
- Do filho do farmacêutico? - O homem era gentil, não daria muito problema.
- Sim,eles vivem brigando. - O menino é um valentão, meu menino já me falou sobre ele.
- Está me chamando por algo assim? - Eu tinha tanto o que fazer, aquilo era uma perda de tempo.
- Algo assim?! - Ela fala de maneira ofendida.
- Brigas de crianças, perda de tempo discutimos isso, até porque quando ele chega com o corpo roxo nada é feito sobre isso. - Ela me olha como se eu estivesse perdendo a sanidade.
- Octávio é um menino que vive para socar as outras crianças. - Tudo sobre ele era exagero, discutir era perca de tempo.
- Porque tiram sarro dele. - Falei me levantando, não iria me estressar com ela.
- Acha que por essa razão ele tem direitos? - Ele tinha, quem seria a alma virtuosa que suportaria tantos insultos, calado?
- Pois como pretende que eu diga para ele se calar enquanto é ofendido?
- Os pais estão pedindo a expulsão do menino. - O mesmo jogo, mas eu faria a cidade ir ao chão antes de tirar Octavio da escola, se o menino queria estudar ele iria estudar e ninguém deste mundo falava o contrário.
- Vejo que os senhores pais pagam tão bem quanto eu? - A mulher arregalou os olhos, eu sabia onde apontar, o dinheiro era minha arma mais gentil.
- Sabe que de forma alguma concordo com que eles falam,porém sabemos que as coisas não devem ficar dessa forma. - Ela sabia que eu seria ainda mais generosa.
- Vou conversar com ele.-Ao me virar acrescentei. - Darei um acréscimo no pagamento nos próximos meses, assim será mais fácil de se esquecer desse pequeno incidente.
- É muito generosa.
- Sei que sou.
A verdade era que eu praticamente bancava a escola porque o fato de Octávio ser diferente das crianças de cor de leite me fazia ter que redobrar a contia e sempre que ele aprontava era outra quantia generosa e o pequeno Octávio vivia por aprontar.
Quando saí da sala da diretora ele estava sentado feito um anjinho,muito sereno e com um olhar inocente, Octavio tinha olhos negros muito espertos, seus cabelos erolados negros tinha toda a rebeldia que podia, era um garoto bonito, eu imagino que será muito cobiçado por mais que a cor não seja a mais desejada pelos pais das garotas. E ele sempre foi sabido, uma inteligência que não vejo em pessoas com mais que dobro da sua idade.
- Sabe que está reduzindo minha fortuna. - Ele deu um leve sorriso, estava chateado com algo.
- Então poderei ficar madrinha? - Ele ama aprender e eu não o privaria disso, e não deixaria que ninguém o fizesse.
- O dinheiro que gasto aqui daria para abrir uma escola só para você. - Ele sorriu, como se soubesse que gastava minha fortuna por motivo algum.
- Sabe que gosto dessa aqui. - Nunca entenderei o porquê imagino que em si a vontade de ser como os outros prevaleça, mas mal sabe ele que é bem melhor que todos aqueles moleques juntos.
-Sabe que boa parte das pessoas não gostam de ter você aqui. - Ele deu de ombros.
- Você disse uma vez que tem dinheiro suficiente para calá-los. - Eu sorrir, devia parar de dizer esse tipo de coisa, ele facilmente decorava tudo.
- E por isso que vive para socá-los? -Ele dá de ombros
- Te ofenderam madrinha, não vou deixá-lo te ofender. - Ele parecia certo disso, devo admitir que minha vaidade fez meu coração aquecer com suas palavras.
- E o que o falaram? - Ele baixou os olhos, por um momento achei que não diria, obviamente era algo que o magoou.
- Disseram que é uma velha gagá e por isso que me criou e que eu sou filho de uma das suas criadas. - Quando decidi que ele ficasse sabia que isso aconteceria, as pessoas são cruéis.
- Sabe que só tenho duas criadas e ambas têm idade para ser a sua vó. - Eu falei sabendo que não é esse o motivo de sua mágoa, o abandono dói.
- Sei madrinha, mas eles não podem ofendê-la.
E eu queria colocá-lo de castigo porém, sem bem como é proteger quem amo, e imagino que ele esteja na fase da vida em que nos perguntamos quem somos, e ele talvez nunca terá essa resposta.
- Não lhe dou permissão para atacar ninguém, espero que se lembre que não é um animal e que leva sobre si o peso do meu nome.
- Sei disso madrinha, sei disso. -Ele disse se levantando. - Mas se voltarem a ofendê-la, voltarei a bater neles.
E o menino não era de todo mau, de fato era muito prestativo e educado,mas tinha um gênio e tanto algo que devo admitir tem muito da minha culpa, jamais o deixaria baixar a cabeça perante aos demais, e quando se é diferente precisa se ainda mais soberbo e talvez um pouco mais cruel, Amélia não aprendeu isso, a doce Amélia seria totalmente carregada pela maldade, mas Octávio era diferente, ele jamais deixaria que alguém se fizesse em cima dele, e de certo isso me dá paz.
- Sabe Octávio, usar a força não é algo apreciado pela sociedade. - Eu tinha que dar bons exemplos, logo ele estaria fora do meu alcance.
- Eu sei madrinha,mas como posso eu ferir alguém sem socá-lo? - E inocência dele ainda me comove, se ele soubesse que as pessoas são capazes de destruir alguém apenas com as palavras, se ele entender que tem nele em sua inteligência esse poder, talvez Octavio seria ainda mais fatal com as palavras do que com os punhos.
- A outras maneiras, muito mais civilizada de ganhar uma discussão. - Apenas falei, o melhor é que ele ainda não entenda totalmente seu poder.
- Mas socá-los deve ser mais rápido. - Ele disse pensativo. - Com toda a certeza deve ser mais rápido.
- Vamos embora, ficará trancado em seu quarto por no mínimo duas semanas. - Ele não ficaria sequer dois dias, ambos sabíamos disso, mas eu precisava fingir ter alguma autoridade.
- Não exagere, nem foi um soco bem dado, vale no mínimo um ou dois dias de castigo. - Ele fala abrindo um sorriso.
- Se reclamar muito ficará até o verão.
- Não seja maldosa madrinha, apenas estou dizendo que podemos reduzir os dias de castigo, já que com toda a certeza Joãozinho não ficará com os olhos tão roxo.
-Sabe que teremos que ir à casa dele para que peça desculpas.
- Não irei. - Ele fala mal-humor.
- Mas é claro que irá.
E mais tarde naquela noite me vi oferecendo um jantar para o farmacêutico, sua esposa e com o filho que estava com o olho esquerdo um pouco escuro.