Capítulo 2 Introdução

Eu sempre me enxerguei como uma estranha. A eterna sensação de desencanto perante a vida, talvez até os mais sombrios sentimentos sobre minha pessoa. A menina esquisita no canto da sala de aula, solitária com seus assuntos de interesse, livros empoeirados e poesias particulares. Eu, definitivamente, me considerava um fardo na vida de todos que me conheciam. Quando chegava à noite, precisava pensar em coisas boas, mas nem assim dormia. Lembrava sobre aquela garota da turma tal que me xingou ou tentou me prender na sala, lembrava sobre aquela conversa em que eu parecia um completo ET e causava risadas alheias, talvez daquela professora que me acha uma chata por interromper sua aula fazendo perguntas questionadoras. Recordava com tristeza sobre todas as maldades que sofri na infância, algumas bem piores do que o bullying e difíceis de engolir. Todos esses pensamentos me atormentavam, tanto que às vezes pensava em suicídio, mesmo amando intensamente meus sonhos e minha trajetória. E por que eu não me matava? Por que, então, tinha e tenho tanta fé na vida?

A resposta é muito simples para quem sabe sobre minha história. Eu sabia que não era estranha. Eu sabia que meu desencanto era passageiro e que a esquisita no canto da sala, por fim, deixaria a sua marca em alguém. Sabia que a solidão é apenas um estágio humano, às vezes muito benéfico para mim. E mais do que nunca: sabia que precisava do meu diagnóstico. A certeza de que eu tinha algo era muito real, não era uma simples paranoia de adolescente. Eu era e sou diferente, não é birra ou rebeldia, muito menos rótulo ou qualquer outro termo que queiram utilizar. Qual seria, então, meu suposto problema? E se não fosse um problema?

Não era um problema, era um transtorno espectro. Eu sou autista? Pensei, então, muito assustada após receber o laudo. O que eu faço, então? O que fazer agora? O que será da minha vida? Será que perderei meu trabalho? Será que perderei amigos? Será que vão rir de mim? Tudo isso me atormentou no ano de 2019, tanto que eu escondi de muita gente, contando apenas para a família e alguns amigos próximos. Acontece que, naquele momento, nunca poderia imaginar que eu estava me escondendo de mim. Que eu estava, ironicamente, fazendo o que sempre disse que jamais faria! Sempre jurei que jamais esqueceria a minha verdadeira essência, muito menos faria algo com medo do que os outros pensariam a meu respeito. Nunca segui grupos, padrões ou panelinhas de amizades vazias. Sempre fui eu mesma, mesmo que fosse completamente insano para meus colegas, mesmo que eu de fato sentisse dor emocional ao ouvir julgamentos. E sabe o que mais? Eu sempre me orgulhei disso.

Resolvi pesquisar. Eu pesquisei tanto, mas tanto que virou um hiperfoco. Eu me hiperfoquei no assunto, fiz vários textos pessoais sobre autismo, fiz postagens em diversas redes sociais. Eu gostaria mesmo de avisar que este livro não é um livro técnico. Não é a proposta dele! É uma obra baseada em fatos reais, escrita cuidadosamente e relatando minha experiência como autista. Tudo dito aqui pode ser aproveitado, talvez não de forma técnica, pois são palavras muito sensíveis, capítulos repletos do drama real que é viver com autismo, mas também todo lado bonito que há em nosso dia a dia, tudo que nos faz ter aquela vontade enorme de passar por todas as dificuldades, comorbidades e vivências negativas. Já sabendo disso, espero que você, leitor, aproveite a leitura com muito carinho.

Um recado aos autistas, pais de autistas, mães de autistas e demais profissionais que fazem de tudo por nós: vocês nunca estarão sozinhos! Estou aqui. Estamos aqui e nós existimos por uma só causa, por uma só ideologia que é o orgulho autista. Não deixemos que alguém nos desmereça! Somos de carne e osso. Nosso coração pulsa como o de todos. Nós respiramos.

Com muito afeto,

Letícia Mariana, autora

            
            

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