Capítulo 5 Coragem! Faça amigos, Letícia!

- Não, eu não vou!

Essa era eu, tentando falar para o meu ex-companheiro, na época namorado, que eu não queria conhecer os amigos dele. Poxa vida, todos juntos num local só? Por que não convidar dois de cada vez? Eu não estou acostumada com um grupo de amigos. Não mesmo!

- Letícia Mariana, deixa disso! – Ele resmungou. – Eles vão adorar você!

Ah, claro. Pessoas de quase quarenta anos vão adorar uma jovenzinha de dezesseis, ainda mais uma que tem fobia social! Sem falar que meu assunto se resume a livros, estudos, estudos e livros. Perfeito! Creio que foi um erro namorar um homem tão mais velho. E realmente: foi um erro! Meninas autistas, peço que não caiam no conto do príncipe encantado!

- Tudo bem, eu vou.

Meu namorado tinha trinta anos e eu, bem, era uma adolescente que só pensava em fugir do bullying e em terminar de escrever o seu primeiro livro. Seria uma ótima aventura conhecer os amigos do meu namorado, isso se não fosse o caos!

Lá estava eu. Olhando para os lados, incomodada com o barulho e, claro, sem tocar na comida do prato. As piadas eram insuportáveis e incompreensíveis, eu deveria rir? Só pensava em ir pra casa, e olha que nem era uma festa estranha, mas tinha bastante gente esquisita! Ou será que eu era esquisita?

- Ei, psiu! – Cochichei para ele. – O que estão achando de mim?

- Para de bobagem, aja de forma natural!

O que seria isso?

Minha dificuldade em interação social se mostrou óbvia. Pelo autismo – que eu não sabia que tinha – era explicável. Não sabia como começar uma conversa, e só queria sair de lá. O que eu descobri mais pra frente é que, sim, eu sou boa em socializar. Apenas precisava conhecer as pessoas certas!

Nada de tão ruim que não possa piorar, não é mesmo? Passou um tempo, e eu fui convidada para uma festa no Leblon, casa de um dos amigos dele.

- Tem certeza que ele me convidou? – Eu perguntei.

- Claro, né, Letícia?

- Vai! – Disse minha mãe.

Era tudo que eu não queria. Infelizmente, fingi interesse. Eu estava, sem saber, cometendo uma coisinha chamada masking. Pretendo explicar essa coisa desagradável que muitas meninas autistas têm, tenham paciência.

- É, tá, parece chique. – Eu não estava nem aí se era chique.

E fui eu! Quando abri a porta, já falei para ele:

- Tem muita gente!

Ele riu, como sempre. Eu era uma companheira ou uma piada?

Os neurotípicos não costumam entender muito bem os autistas, e apesar do suposto amor, ele não estava acostumado com as minhas estranhezas. Eu percebi isso naquele dia, naquele extraordinário dia, para não dizer ao contrário. Será que eu era mesmo a pessoa certa para um relacionamento?

Todos se reuniram. Muito alegres! Eu? Bem, arrumei um cantinho para ficar só. Não queria, claro. Eu queria participar da conversa, mas o "bonito" pareceu me esquecer lá.

Mas o aniversariante não esqueceu, e me chamou.

O que fazer? Senti vergonha e permaneci quieta. Nem o conhecia direito, mas foi o único que notou a minha presença. Mandei mil mensagens para o meu companheiro, pois era ele o que precisava me chamar. E me chamou? Depois de muito tempo, sim.

- Vem cá Letícia, deixa de ser boba, senta com a gente!

- Oi... – Eu disse, gaguejando.

As conversas eram diversas! E eu? Calada. Nada daquilo me interessava, sendo sincera. E quase não falei a noite toda, até que me ofereceram bebida. Ah, não! Eu detesto bebida! O que dizer?

Uma pessoa não estranha, simplesmente diria que não bebe. Porém, me deu um pane na mente, e eu disse, convicta:

- Ah, não, não posso beber, tenho dezessete anos!

Letícia, sua maluca de pedra! Como assim, pessoas de dezessete anos não podem beber? Talvez, em seu mundinho autista, não. Às vezes eu sou dura comigo, percebem? Às vezes eu tenho, sim, a famosa literalidade. Todas as campanhas dizem: não bebam antes dos dezoito! Eu acreditei. Não era para acreditar?

A moça riu de leve e ficou bastante constrangida. Pelo menos eu era uma das únicas sóbrias.

Acabou, sobrevivi! Ufa. Será que eu fiz amizades? Talvez na próxima encarnação.

                         

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