Capítulo 3 Uma criança diferente

- Letícia, você é especial?

Essa foi a pergunta que eu recebi de uma colega de classe, especificamente aos 10 anos. Não sabia como responder, pois na realidade, eu simplesmente não sabia. Respondi que não, claro, nunca me disseram que eu era. Nunca tive o diagnóstico e muito menos pensava em ter, mas já era vista como diferente pelas crianças ditas "normais".

Eu amava ler. A leitura era o meu refúgio, quase como uma salvação interior, pois as minhas dificuldades existiam. Mesmo que eu não soubesse do diagnóstico – pois eu realmente não sabia – todas as dificuldades estavam comigo. Eu amava poemas e histórias infantis, sempre levava algum livrinho para o colégio e as aulas que falavam sobre histórias eram as minhas favoritas!

Sempre fui a nerd da turma, totalmente CDF e querida pelos professores. Eu questionava, era uma menina curiosa e participativa nas aulas, isso encantava muitos e era um tormento para outros. Tive professores amigos, inesquecíveis e alguns que eram meu pior pesadelo, uma minoria que me via como uma inimiga, alguém que queria afrontar e tentar ocupar o lugar dela. Oras, mas eu só queria participar, pensava. Amava determinado assunto, precisava aprendê-lo e me focava tanto nele que sentia uma necessidade imensa de fazer algo que muitos pensavam ser uma forma de me intrometer. Nunca parava uma aula de forma deselegante. Era muito educada e todas as dúvidas que eu tinha, definitivamente precisava tirá-las. Alguns professores perguntam se os alunos têm algo a perguntar, mas isso nunca acontecia em minha turma, pois eu sempre tinha algo a perguntar. Era isso que eles queriam? Alguns, não. Pensavam: "Mas essa garota se acha!", só que eu realizava o desejo de todo docente. Eu participava de cada momento, pois queria aprender. Tinha sede de aprender. Não era para mostrar que sou inteligente, na verdade, era para tentar ser inteligente. Tentar saber mais, pois na minha visão de criança, aquele professor sabia bem mais do que eu ou qualquer outro ser humano. Eu realmente confiava na sabedoria da professora, mas o que eu não sabia é que existiam muitos professores despreparados e até cruéis, professores que preferem que o seu aluno não saiba, não fale, não pense e muito menos questione. Pobre de mim. Passei por poucas e boas, poucas e boas que pretendo relatar a cada capítulo, sem citar nome algum e com todo respeito que uma obra pede.

Por outro lado, muitos professores me amavam como uma verdadeira filha. Fiz realmente amizade, pois sabia conversar de igual para igual com qualquer adulto. Eram verdadeiros amigos de intervalos! Eram os meus únicos amigos de intervalos, aliás. O recreio era um tormento, mais do que isso, era meu inferno particular. Quase como se eu estivesse em outra dimensão, a dimensão real do castigo. Sinceramente? Se alguém tiver o poder de nos castigar após a morte, basta me levar para um intervalo que eu consigo pagar o que chamam de pecados. Era um horror!

Durante toda uma vida eu escutei a mesma coisa: "Letícia, você não tinha amigos porque se isolava!". Só me faz rir, pois quem me diz isso, realmente não sabe de nada do que se acontecia nos colégios em que estudei. Ainda na infância, sim, eu me isolei, mas era exatamente para que não me isolassem novamente ou pior: para que não me machucassem física e verbalmente. É melhor se isolar logo antes que outras crianças lhe empurrem, não acha? Eu tento explicar, mas existem pessoas que não compreendem, não conseguem visualizar o tamanho da maldade que eu sofria na infância e adolescência. Talvez este livro ajude. Talvez, relatando com detalhes reais, todas as pessoas que me dizem até hoje que "era só fazer amigos" compreendam tudo o que vivi na vida. Tudo o que vivi e não apenas no colégio. A maneira como a pessoa se comporta no presente, vai depender muito de como ela viveu no passado. Imagina para uma autista que já carrega várias dificuldades no cotidiano?

Sim. Ser autista não é nada simples. Eu era uma criança totalmente dependente. Minha avó me dava banho aos nove anos de idade, amarrava meu tênis e penteava meu cabelo. Eu demorei para aprender a pôr uma camiseta, acreditem! O pior é achar que você é uma completa incapaz. Sabe coisas tão incríveis, tira notas tão maravilhosas, escreve textos como adultos, lê um livro inteiro em um dia, decora o significado das palavras de maneira surreal, mas é incapaz de se lavar sem ajuda de um adulto. Como eu saberia? Eu não tinha o meu diagnóstico. Ou eu era incapaz, ou eu era uma retardada inteligente. Era possível ser retardada e inteligente? Isso tudo me confundia e, obviamente, confundia todos os meus responsáveis que não tinham respostas para isso.

Gritar não funcionava na minha infância, muito menos dar palmadas. Eu gritava ainda mais alto, reagia com agressividade e a pessoa não sabia como agir comigo, ficava completamente sem forças para corrigir meu erro. Quando alguém parava, conversava comigo e esperava minha crise nervosa passar, eu absorvia e aprendia tudo o que era dito. Eu só funcionava com carinho e ficava extremamente magoada, rancorosa e ferida se alguém gritasse, batesse ou usasse métodos ultrapassados da época da minha bisavó para me corrigir. Se esses métodos são bons ou não, realmente não estou aqui para julgar. Apenas não usaria com meus filhos, pois nunca funcionou comigo e ainda me fez ter um ódio mortal.

Eu ainda não controlo minhas crises facilmente. Hoje faço terapia e tento aprender a lidar com minhas fraquezas. Faço terapia desde criança, mas eu não me abria tanto com minha psicóloga, pois sentia que era apenas uma conversa normal e um divertimento. A criança não leva tudo tão a sério na hora das responsabilidades. Eu via brinquedos, livros e achava que era uma espécie de parquinho e não um divã. Aquilo me confundia na hora de me abrir.

Minha primeira terapeuta era no colégio. A única coisa que eu conseguia contar era sobre o bullying que sofria. Lembro que pisaram num cartaz lindo que fiz sobre Dom Pedro I, deu muito trabalho e minha mãe me ajudou em todo processo. Minha professora ficou com muito medo de estragar e quase estragou, então ela resolveu colocar num local seguro e longe das outras crianças. Eu não entendia o porquê só implicaram com meu trabalho perto de tantos outros. Hoje entendo que o meu era o que mais agradava a professora, então eles sentiam raiva. Crianças também sentem raiva.

Eu era muito inteligente, mas tinha dúvidas consideravelmente estúpidas. Alguns professores não entendiam isso e queriam me humilhar. "Mas Letícia, você é burra, isso é muito óbvio!". Lembro que eu sempre tinha a mesma resposta na ponta da língua, pois era sincera demais. Respondia: "Mas professora, a gente só aprende com a dúvida.". Eu aprendi isso com minha família que sempre me dizia que era para questionar, duvidar e buscar entender cada matéria, sem se envergonhar. Minha família é de educadores e ela leva muito a sério a educação.

Costumava perguntar coisas muito, muito simples em todas as situações, mas que naquele momento não eram nada simples para mim. E era por isso que eu me destacava nas provas. Não tinha medo algum de errar na frente da turma. Quando a professora me perguntava e eu não sabia a resposta, dizia simplesmente que não sabia, mas que gostaria de entender melhor do assunto e passar a saber. Alguns insistiam e eu era sincera, falava que poderia chutar alguma resposta, mas eu não seria honesta fazendo isso. Muita gente ria e apontava que era uma burrice, mas eu sempre dizia que, bem na realidade, era o oposto. Os burros são acomodados, ficam exatamente no mesmo lugar, estagnados eternamente. Eu buscava entender e mesmo com muita humilhação, não me apavorava nada errar e aprender algo novo. Isso incomoda tanta gente! Eu só pude perceber agora, adulta e com maturidade.

Depois de tantas e tantas perguntas supostamente estúpidas, na hora da prova, minha recompensa chegava. Mesmo nervosa, abalada emocionalmente e me cobrando dia e noite, tirava a tão esperada nota boa ou máxima. Ninguém entendia o porquê. Mas como? Ela fez uma pergunta tão ridícula semana passada e agora tira dez? Só pode ser para chamar atenção! E não era. Era uma real dúvida ridícula que me deu bons resultados. Mas a criança ou o adolescente julga demais, sempre pensa que aquele colega quer se sentir o melhor. Nem sempre é isso. E se algum adolescente está lendo esta obra, digo com propriedade que nem sempre é isso. Eu tinha dúvidas reais, bobas e reais e tirá-las era o que me dava bons frutos na hora das avaliações.

Eu era uma criança esquisita, sim. Lembro que colocava um CD educativo no rádio e lia um livrinho sobre trânsito, pois sonhava em dirigir e tinha uma coleção infantil sobre trânsito. Aprendia cada regra de trânsito e me imaginava já adulta, dirigindo um carro rosa, coisa de criança, não é? Minha mãe achava graça e ria. Lembro dela comentando com minha tia: "Olha que bonitinho, ela está lendo e escutando música infantil!". Eu pensava: "Mas ué, sou criança, estou brincando!", porque para mim a leitura era uma brincadeira e a música era de criança, então aquela música que me fazia aprender ou que contava uma história era para criança escutar, mesmo sendo educativa. Tudo para mim era uma grande brincadeira, mas os adultos achavam graça por ser algo que muitas crianças só faziam por obrigação.

Falando em obrigação, é hora de contar a primeira história surreal do meu colégio. Saindo um pouco da infância, preciso abrir um pouco da minha adolescência para vocês.

Ah, meus quatorzes anos! Eu era uma jovem bem solitária, e que carregava sempre um caderno e um livro de poemas. Era o primeiro dia de aula, e eu já comecei errado.

- Mãe, me ajuda a achar a sala de aula? – Eu disse, um pouco insegura.

- Quer passar vergonha no primeiro dia? – Minha mãe riu, sem entender. – Vá, Letícia, ainda não está na hora e eu vou embora.

Tudo bem! Eu estava com medo. Fiquei parada, e resolvi escutar a conversa das pessoas, talvez fosse uma boa ideia para descobrir qual era a minha sala.

- Amiga, vamos beber muito! – disse a fulana, rindo. – E sem falar no resto!

Beber muito? Resto, mas que resto? Oras! Eu nunca bebi, na verdade, nem frequento festas e bares! Parece que não vou me dar muito bem aqui.

- Filha, elas usam drogas! – disse a mãe de outra fulana. – Fique longe delas!

Ah. Esse era o resto. Parece que eu sou ingênua, não? Talvez isso seja um inferno!

Hora da aula. Eu, timidamente, perguntei para uma adulta que devia ter uns trinta anos:

- Senhora, por favor, cadê a minha sala?

- A senhora tá no céu, querida!

Tudo bem, não era a resposta esperada. Melhor que eu procure sozinha. Não foi uma boa ideia chamar uma moça de trinta anos de "senhora". Apenas pensei que seria uma forma educada de me expressar. Alguns autistas não são muito bons em socializar, eu era uma delas!

- Eu vou amar esse colégio! – pensei, apavorada.

É, meus amigos! E se eu já tivesse o meu diagnóstico de autismo? Seria mais simples? Nunca saberemos.

- Com licença, essa é a... – E não era! – Ah, desculpa, entrei na sala errada.

A escola era pequena, só podia ser a sala ao lado. Acertei!

Sentei na carteira da frente, assim eu evitaria muitos barulhos do fundão. Depois que recebi meu diagnóstico, reconheci que o que eu tenho é sensibilidade auditiva. Não suporto alguns barulhos! Isso me causou problemas que contarei posteriormente.

- Oi, menina, você é nerd? – Perguntou uma garota morena e magrinha.

Era um pouco estranho para mim. Estava lendo um livro, só isso. Todo mundo lê! Não era um livro infanto-juvenil, eram poesias do Carlos Drummond de Andrade. Eu não tinha como pensar muito o que responder, então fui o mais sincera possível, como sempre:

- Ah, não sei, não gosto muito de rótulos.

De fato, eu não pensei direito. Poderia não ligar e dizer que sim, responder com alguma piada. Eu não sou muito boa nisso! Ela riu e disse:

- Nerd, com certeza!

O ano seria longo!

            
            

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