Seguro no corrimão da escada e desço um degrau por vez,
sentindo o cheiro do café da manhã impregnado no ar. O calor do
café acalenta meus instintos.
Viro o corredor e entro na sala de café da manhã, onde
vou logo encontrando com os olhos do meu pai. Ele, que segura
uma xícara, arqueia uma sobrancelha na minha direção como se
estivesse esperando um parecer meu, um bom motivo para ter
largado os estudos.
- Bom dia, família - e isso é tudo que eu falo.
- Sente-se aqui, Pietra - papai fala, esticando-se um
pouco e puxando a cadeira ao seu lado.
Contive-me para não revirar os olhos, pois sei que
ninguém vai contra uma ordem de Tommaso Vacchiano, a não ser
minha mãe.
Sentei-me na cadeira de frente para minha mãe, Verena,
dona de lindos cabelos loiros, que são a perdição do Don da Cosa
Nostra.
- Quais são seus planos, filha? - papai deixa a xícara
que estava na sua mão sobre a mesa, me concentro na fumaça que
sai do líquido fumegante.
- Não sei, papai, preciso de planos? - pendo a cabeça
um pouco para o lado e solto meu sorriso que sempre funciona para
deixar Tommaso comovido.
- Planos servem para nos manter focado - Tommaso
segue.
- Posso pesquisar alguns cursos que me interessem...
- Qual era o problema com Design de Moda? - Mamãe
pergunta com sua voz doce.
- Não sei, nunca vou poder atuar nisso - dei um breve
chacoalhar de ombros.
- Quem lhe disse tal atrocidade? É minha filha, pode tudo!
- Papai ergue sua mão, colocando o meu cabelo atrás da orelha.
- Eu sei, eu sei, o problema é que eu quero fazer algo
que seja útil ao nosso clã, não somente ser a esposa de um homem
- murmuro sentindo repulsa disso pelo simples motivo que o único
homem que eu quero nem me vê como mulher.
Papai rosna, minha mãe sorri.
- Por mim, nenhum homem poderia encostar em você. Se
quiser, pode até mesmo envelhecer solteira - ele sempre repete
isso.
Tommaso não pode nem sonhar que não sou mais virgem,
na mente dele sou a imaculada Pietra. Bem, eu fiz dois anos de
faculdade. Foram dois anos podendo dar minhas escapadas e ir a
festas clandestinas. Não me manteria pura para um homem que sei
que não vou amar.
Sou boba? Se algum dia terei que me casar com alguém
que nem ao menos amo, por que vou manter minha virgindade para
ele?
Mamãe sempre me ajudou a esconder minhas escapadas
do meu pai, ela sempre deixou claro que não queria que eu
repetisse os seus passos, em se manter intacta ao meu pai e ser
tratada igual verme quando chegou à casa dele. Foram longos
meses até papai aceitar que ele era somente mais um homem
apaixonado.
- Pai... - bufo erguendo a minha mão para pegar o bule
de café.
- E estou mentindo? Filhas não deveriam se casar -
Tommaso em seu modo protetor chega a ser assustador.
- Lembre-se que tem dois filhos e eles vão precisar se
casar - zombo, lembrando meu pai dos meus irmãos gêmeos.
- Posso abrir exceção para as amadas dele - papai
responde.
- Amadas? - bem nesse momento Valentino entra na
sala.
- Papai deve ter batido a cabeça ao acordar - Santino
entra ao lado.
Ambos vão logo puxando cadeiras para se sentar. Franzo
meu rosto diante do barulho que eles fizeram, já que são típicos
bagunceiros.
- Garotos, por favor, ergam as cadeiras - Verena os
repreende.
- Relaxa, mãe - San fala do seu modo despreocupado.
Pelo menos, com eles ali, papai esquece de me pressionar.
- Tio Enrico já apareceu por aqui? - Valentino pergunta.
- Ainda não - papai responde sem olhar nos olhos do
filho, mantendo a sua atenção em algo no seu celular.
- Deve estar traçando alguma gostosa - Valen murmura
com um sorriso um tanto estranho nos seus lábios, o que me faz
revirar os olhos.
- Valentino Vacchiano, tenha modos! - Mamãe olha de
cara feia para ele.
Até mesmo quando Verena tenta fazer uma das suas
caretas não se torna assustadora. Valentino não falou nada, apenas
se calou. Ele sabe que, se falar, papai dará uma dura nele.
Se tem uma mulher que todos respeitam na Cosa Nostra é
a minha mãe, e, claro, de mim, ninguém chega perto. Sabem o
quanto Tommaso é extremamente possessivo com a única filha
mulher dele, e eu, em muitos momentos, me aproveito dessa
situação.
- Não terminamos a nossa conversa - papai volta a
chamar a minha atenção.
- Prometo que vou pesquisar outros cursos - pisco
algumas vezes e ouço meus irmãos bufarem, pois sabem que eu
tenho muitas táticas para convencer Tommaso.
- Tudo bem - papai finalmente fala em meio ao seu
suspiro - mas enquanto isso não acontece, eu a quero sob os
meus olhos.
Assinto sabendo que os olhos dele se estendem aos da
minha e sabendo que ela sempre encoberta.
Levo minha xícara de café à boca, dando um pequeno
gole. Ao devolvê-la para a mesa, sinto aquele cheiro masculino que
já me fez até mesmo comprar o mesmo perfume e não surtir o
mesmo resultado.
Ao virar o rosto, avisto Enrico Ferrari, o motivo dos meus
sonhos mais impuros. Ah, como eu já me imaginei nos braços dele
de diversas maneiras...
Seu caminhar é decidido e tem olhos esverdeados com
aquele brilho ladino de quem acabou de acordar com uma mulher
em sua cama.
Maldição! Odeio o simples fato de saber que ele
compartilha a cama com diversas mulheres.
- Fala, tio, é hoje que vamos treinar? - San vai logo
falando.
- Sim, seu pai deixou? - Enrico coloca a mão no seu
bolso da calça social.
- Ainda acho isso uma idiotice - Verena bufou - não
podem ter hobbies normais igual a qualquer garoto de 17 anos?
- Isso não tem graça, mãe - Valen responde um tanto
alterado, levantando-se da sua cadeira sem terminar de comer -
imagino que já tenha comido, Enrico. Podemos ir?
- Ele sempre come bem - Santino leva a frase para o
duplo sentido, fazendo mamãe olhar para ele de cara feia.
- Sim, eu já me alimentei. De comida. - ele frisa a última
parte de sua resposta, piscando um olho para Verena, que é como
uma amiga para ele.
Enrico nem ao menos olhou na minha direção desde que
chegou. Estava com a sua atenção em meus irmãos. Os três vão
para a pista de pilotagem, Enrico está ensinando os dois a pilotarem
motos. Porque lidar com armas não é perigo o suficiente, agora
querem viver sobre duas rodas.
Enrico é o subchefe do meu pai, seu braço direito, ambos
são como irmãos, e papai confia nele cegamente. Sabe que o
subchefe nos vê como sobrinhos. O problema é que eu não o vejo
assim. Desde que completei quinze anos, os garotos da minha
idade já eram sem graça para mim, como se não tivessem o brilho
necessário.
Em muitos momentos me vi analisando Enrico, sua
desenvoltura, os primeiros botões da camisa que, às vezes, ele
usava abertos, os cabelos dourados às vezes bagunçados. Ah,
como eu queria ser a pessoa que bagunça o cabelo dele!
Mas a nossa idade sempre será o muro que nos divide, e o
fato dele me ver como uma sobrinha torna o muro maior ainda.
Solto um longo suspiro e viro meus olhos para frente
encontrando os olhos da minha mãe na minha direção, recebendo
um chute de baixo da mesa que me fez morder o lábio com força.
Arregalo meus olhos para ela, e Verena deixa explícito no
seu olhar que eu precisava disfarçar mais, ou, então, papai
perceberia.
- Pai? - Valentino chama.
- Sim, já estou indo - ele se levanta da sua cadeira -
mas, lembrem-se, é apenas no período da manhã. Enrico e eu
temos muito para resolver à tarde, e vocês dois vão participar.
- Espero que tenhamos ação - Valem esfrega uma mão
na outra.
Tommaso se abaixa na direção da minha mãe, segurando
no queixo dela, e dá um selinho de despedida. Ele nunca foi de
disfarçar seu amor por ela, o que me faz revirar os olhos.
Enquanto os homens saem da sala, fico olhando para as
costas do subchefe que estava ao lado do meu pai.
- Precisa disfarçar mais, Pietra - mamãe me chama.
- Papai nunca vai perceber...
- Seus irmãos também nunca iriam perceber e
perceberam. Você sabe que os dois agem sempre no impulso e
podem acabar falando sem querer.
- Nada vai acontecer, afinal, Enrico ainda me olha como
se eu tivesse dois anos - murmurei desanimada.
- Precisa entender que ele tem idade para ser seu pai.
Ali estava o maior empecilho.
- Relaxa, mãe...
- Só vou relaxar quando vê-la de vestido branco se
casando, assim terei completa certeza de que seu pai nunca vai
descobrir o seu amor pelo subchefe.
- Prefiro morrer solteira a me casar com um homem que,
com certeza, babará o ovo do meu pai. Enquanto isso, sigo
enrolando.
- O que me faz lembrar que precisamos decidir sobre a
sua faculdade - Verena volta a focar no assunto.
- Podemos dar uma volta no shopping enquanto
conversamos sobre isso, o que acha?
- Pietra, Pietra, é uma bela trapaceira - mamãe sorri.
Nossa relação sempre foi muito maleável, além de mãe e
filha, somos ótimas amigas.