Entro às pressas no hospital, minha mãe corre ao meu
lado. Meus olhos estão turvos, não sei se choro ou se seguro as
lágrimas. As palavras da minha mãe martelam em minha mente. A
informação é que meu irmão está ferido e o homem que eu amo
está em estado grave.
Enrico, oh, o meu Enrico!
Nem ao menos paramos na recepção, seguimos direto ao
setor reservado para a nossa família.
A Cosa Nostra tem comando sobre esse Pronto-Socorro,
meu pai sempre diz que nossos homens e suas famílias precisam
do melhor.
Quando nos aproximamos, o soldado que aguarda na
porta de espera abre a porta. Minha mãe é a primeira a entrar, e eu
a sigo. Verena corre até o marido, que tinha um semblante tenso.
Nunca vi meu pai nesse estado, petrificado, como se tivessem lhe
tirado o chão.
- Tommy - mamãe sussurra seu nome, como se
estivesse buscando por algo que ele falasse.
Meus olhos encontram com Santino. Ele está sentado em
um sofá, cabisbaixo, com o cotovelo apoiado nos joelhos enquanto
a mão lhe tampa o rosto, seus pés batem incessantemente ao chão.
Busco por notícias, mas parece que ninguém nota a minha
presença ali.
Meu pai abraça minha mãe e sussurra palavras que soam
desconexas para mim. Quando ele a solta, segura em seus ombros
e passa a mão por baixo de seus olhos, secando suas lágrimas.
Mordo meu lábio ainda reprimindo minhas lágrimas.
Sempre fui boa em segurar minhas emoções e agora não vai ser
diferente. Tento, ao menos, colocar isso na minha mente.
A porta é aberta novamente e entra Aldo, o consigliere do
meu pai.
- Que porra aconteceu? Será que alguém por aqui fala o
que houve? - o homem vai logo explodindo em palavras.
- Foi um acidente - Santino se levanta do sofá, seus
olhos vermelhos, porém sem lágrimas - vimos o caminhão subindo
e chegamos a cogitar que eles não iriam colidir até ver tudo diante
dos nossos olhos...
Mamãe coloca a mão em sua boca reprimindo um soluço.
- Meu filho, meu filho... - Verena repete balançando a
sua cabeça.
- Valentino está bem, ele teve apenas um deslocamento
em seu braço e vários arranhões no corpo. Está passando por
exames e precisará colocar uma tala de gesso em seu braço para
manter o braço imobilizado - papai puxa minha mãe para o seu
peito ao terminar de falar.
Solto um longo suspiro imaginando que o mesmo teria
acontecido com Enrico.
- E quanto a Enrico? - pergunto com a voz vacilante.
- Ainda não sabemos nada dele - Papai me olha
apoiando o seu queixo na cabeça da minha mãe - tudo que sei é
que ele chegou aqui e foi direto para o centro cirúrgico. Ele está,
bem...
Tommaso não consegue falar, fechando os seus olhos,
como se estivesse nos poupando dos verdadeiros fatos.
- Porra, Tommaso, como está o Enrico? - parece que
Aldo leu os pensamentos que gritavam em minha cabeça.
- Não sei como aconteceu exatamente. Quando a moto
desceu o barranco os perdemos de vista. A moto colidiu contra uma
árvore, mas, pelo estado em que os encontramos, tudo indica que
Enrico serviu de escudo para proteger Valentino. Com o impacto,
Valentino caiu por cima de Enrico e foi arremessado para o lado. Já
Enrico foi encontrado com a cabeça apoiada em uma pedra, sem
consciência. Não sabemos se ele rodou e bateu na pedra. Não tem
como saber. Valentino não estava falando nada com nada, e Enrico
não estava mais acordado.
Tapo minha boca, esperando pelo pior. Como isso foi
acontecer? Estávamos todos nessa manhã tomando café, quando a
minha preocupação maior era o que eu iria cursar, e agora estamos
em uma sala de espera, esperando por notícias. Uma notícia ruim
pode chegar a qualquer momento.
- E Valentino? Não posso ir ficar com o meu filho?
- Não, ele será liberado para visita em breve, mas ainda
não está apto. Ao que tudo indica, se os exames dele estiverem em
ordem, será liberado amanhã - papai passou a mão nas costas da
sua esposa, enrolando o seu dedo em seus cachos loiros.
Aldo começa a andar de um lado para o outro.
- Se o desgraço do Enrico morrer, eu o mato! - o homem
urrou - Tiro o desgraçado de um caixão e faço eu mesmo o serviço
por completo.
Todos sabemos que a relação dos três homens é bem
mais que algo profissional, é uma irmandade. São anos trabalhando
e vivendo todas as situações juntos. Tommaso, Enrico e Aldo se
tratam como irmãos.
- Enrico é sangue ruim, não vai morrer. Não antes de nós
- papai olha na direção do seu consigliere.
Bem nesse momento a porta é aberta, e um homem passa
por ela, varrendo seus olhos por todos os presentes. Ele engole em
seco ao direcionar o olhar na direção do meu pai. Não julgo o
homem, Tommaso tem esse efeito a qualquer mero mortal, ainda
mais quando deixa visível a sua arma no coldre da sua cintura.
- Senhor Vacchiano - o homem pigarreia, como se
estivesse literalmente com medo.
- Fala de uma vez - papai declara, mamãe muda a sua
posição olhando para o homem de vestimentas brancas.
- Sou Doutor Otávio e estou cuidando de Valentino
Vacchiano. O jovem já está no quarto, seu quadro é estável, não
teve nenhuma alteração em seus exames, está acordado e pediu
pela presença da mãe. Disse que o senhor não precisa ir até ele se
tiver problemas maiores, pois está bem.
Isso é bem a cara do Valen, ele nunca quer ser um fardo e
sempre se mostra forte, mesmo estando com dor.
- Vou até ele, preciso ver o nosso garoto - mamãe ergue
o seu rosto em direção ao marido.
- Vá junto com a sua mãe, Pietra - papai vira o rosto na
minha direção.
- Não saio dessa sala até ter notícias do tio Enrico -
murmuro. Sei que meu irmão está bem e estou angustiada pela
saúde de Enrico.
Chamei-o de tio, pois, assim, não deixarei transparecer
nenhum sentimento que não seja familiar. Tommaso não argumenta,
apenas arqueia uma sobrancelha e deixa claro que não desaprova a
minha decisão.
Mamãe sai acompanhada pelo médico e pelos soldados
que cuidam de sua segurança.
Viro meu corpo para me sentar em um dos sofás.
Fechando meus olhos, sinto que meu corpo inteiro está tenso.
Como posso perder o que nunca tive?
Tudo que eu sempre sonhei viver estava ali, junto com
aquele homem, nenhum outro tinha graça, como se o brilho
estivesse todo em Enrico.
Os minutos se passam, fico mordendo a ponta da minha
unha de ansiedade. Sem prestar atenção no que os homens falam,
a todo momento olho para a porta à espera de alguma notícia.
Quando ela finalmente se abre, rapidamente me levanto do
sofá para ouvir o homem de trajes azuis, que tira a sua touca
cirúrgica da cabeça e começa a falar:
- Família do senhor Ferrari? - meu pai assente. Esse
médico não se intimida com a presença do meu pai, como se
estivesse acostumado a ver mafiosos - Tivemos uma cirurgia sem
complicações, o senhor Ferrari fraturou a perna direita e precisou
passar por uma cirurgia, pois o osso saiu do lugar. O braço precisou
ser imobilizado. À princípio, os exames neurológicos não
apresentaram alterações, mas o doutor Mark, neurologista da
equipe, continuará observando seu estado. Enrico será direcionado
ao seu quarto na UTI e, em alguns minutos, liberaremos um
acompanhante. O estado dele ainda é delicado e ele ainda está sob
efeito da anestesia. Pedimos a compreensão de todos os familiares.
O homem aguarda alguns instantes e, como vê que
ninguém falará nada, balança a cabeça deixando claro que logo
uma enfermeira passará para encaminhar o acompanhante até o
paciente.
Volto a me sentar, soltando um longo suspiro de alívio.
Quase agradeci aos céus pela vida dele, mas não o fiz para que não
percebessem o quanto eu estava apreensiva com a situação.