para o outro menino. As motos já são deles, mas Tommaso ainda
não tem confiança em deixar os filhos pilotarem sozinhos.
As árvores se movem ao nosso redor, denunciando que
em breve poderíamos ter uma das poucas chuvas que temos no
verão: a maldita chuva vinda do mar Mediterrâneo.
- Temos que ir logo - Tommaso olha para o céu e
imagina o mesmo que eu.
- Ainda vai demorar para chover - murmuro, com a mão
em meu bolso da calça.
- E por um acaso virou meteorologista agora? - meu
amigo zomba.
Descendo um pouco o morro, estavam dois carros. Eram
soldados que protegiam o Don da Cosa Nostra, seus filhos e a mim.
Um Subchefe da máfia nunca fica à frente do perigo, assim
como o Don, somos a peça principal.
O ronco da moto de Santino vai se fazendo mais presente
até ele pará-la na nossa frente.
O moleque tira seu capacete, revelando um dos seus
sorrisos zombeteiros, uma característica herdada de seu pai.
- E aí? Sou melhor que Valentino? Sim ou claro? -
Esses garotos viviam em competição constante.
- Você é convencido, o que tem uma grande diferença -
zombo, caminhando na direção dele, disfarçando ao dar um soco
em seu braço, em meio à brincadeira, vendo-o reclamar de dor.
- Porra, tio Enrico, tem a mão pesada - Por trás da mãe,
eles falam o vocabulário que aprenderam com o pai.
- Muito exercício - deixo um sorriso escapar.
- Sim, imagino os seus exercícios - Santino revira os
olhos, esfregando o ombro - onde está o Valen?
- Voltou a subir a curva - aponto com a cabeça vendo a
moto do outro moleque fazer a curva.
Ele fez a manobra com precisão, mas cometeu o mesmo
erro. Se ele quer adquirir mais estabilidade em uma curva, precisa
deitar mais a moto dele.
- Cometendo o mesmo erro - o pai deles murmura.
- O bunda frouxa ao invés de deitar mais a moto dele -
Santino declara orgulhoso, como se entendesse do assunto.
- O que você entende? Está cometendo o mesmo erro
que o dele - retruco o moleque - vocês dois estão tendo a
impressão de que estão fazendo certo, mas não estão.
Balanço minha cabeça. Tommaso sempre me deu total
liberdade com seus filhos, e, como sou padrinho dos gêmeos, tenho
abertura para lhes puxar a orelha quando é conveniente.
Talvez os filhos de Tommaso sejam o que terei mais
próximo de filho.
Eu vi os três crescerem e daria minha vida por cada um
deles. Até mesmo por Pietra, que, desde que se tornara mocinha,
passou a se manter mais distante de mim.
Agora ela já é uma mulher, não a mesma menininha que
eu pegava em meu colo e que adorava que eu brincasse de avião
com ela. Seus gostos mudaram, e os assuntos também. Tenho uma
boa relação com Pietra ainda, mas em nada se compara com os
irmãos dela. A liberdade que tenho com os gêmeos é mais forte.
Pela garota eu sinto um carinho, talvez algo entre pai e
filha? Sei lá, eu nunca tive uma filha para saber o que é isso. E
nunca vou ter.
Meu destino é morrer sozinho, assim como meu tio Fillipo.
Uma morte rápida e solitária e um longo legado de histórias na Cosa
Nostra.
O ronco da moto de Valentino vai se tornando mais lento
conforme ele se aproxima, balançando a cabeça. Ele para ao lado
do irmão, tirando o seu capacete.
- Mas que caralho, não estou conseguindo fazer essa
maldita curva - ele praguejou mil palavrões. Se Verena estivesse
aqui nesse momento, mandaria o filho morder a língua.
A forma como Valentino não desiste dos seus objetivos
deixa claro que ele será um bom Don caso ele herde a Cosa Nostra
em algum momento da sua vida.
- Estou percebendo que os dois estão fraquejando -
olho de um para o outro.
- Qual a dica tio? - Santino pergunta.
- Não tem dica, apenas prática.
Tommaso não é muito fã de motos, está apenas nos
acompanhando. A verdade é que dificilmente o Don pilota motos.
Essa sempre foi a minha praia, o meu passatempo depois que o
chefe da máfia se casou e tornou a sua esposa o seu passatempo.
Posso ter a mulher que quero todas as noites em minha
cama, mas isso é apenas algo corporal, não existe ligação. Durante
o dia não gosto de ninguém rondando a minha casa, muito menos
pernas femininas caminhando em meu assoalho.
Não gosto de precisar conversar com mulheres, muitas
vezes suas vozes me irritam, aquele timbre feminino me deixa
inquieto, por isso apenas as uso, meu prazer em troca dos dela, e,
assim, todos saem felizes.
- Vem, Valentino, vou pilotar a sua moto, fique na minha
garupa e verá o que é fazer uma curva - pego o meu capacete no
chão.
- Podemos deixar isso para outro momento? - Tommaso
pede, coçando a barba, sabendo que gostaria de estar em seu
escritório fechando outro negócio ilícito.
- Só mais essa tentativa e podemos ir, pai - Valen pede
animado.
O pai suspira confirmando. O garoto pula para o banco de
trás conforme me sento à sua frente.
Dou a partida na BMW M1000 RR, das duas, essa é a
mais potente. Pode deixar apenas o rastro de pó na rua.
Acelero subindo o morro fazendo a curva fechada,
praticamente encostando o meu joelho no asfalto da rua. No banco
traseiro Valentino dá um grito de satisfação.
- Porra, tio! - ele gritou admirado.
Vamos até o topo, dou a volta e refaço o percurso
descendo o morro. A curva é fechada e não podemos ver o que vem
no sentido oposto.
Tomo uma velocidade alta para fazer o ponteiro lamber o
último número do painel.
Um sorriso se faz presente em meus lábios. Essa
adrenalina aquece a minha alma e revigora meus instintos.
Faço a curva pronto para fazer tudo certo e ensinar ao
garoto que está atrás da moto sentado. Isso até ver um caminhão
vindo na nossa direção. Estou rápido demais para parar, ou até
mesmo frear.
Mas que porra!!! É tudo o que eu penso até agir e jogar a
moto contra o gramado, fazendo ela perder o rumo e descer o morro
curto.
Valentino não grita, não emite som algum, e, nesse
momento, só penso em salvar a vida dele.
Vendo que a moto em breve se chocará em alguma árvore,
aviso:
- Se agarre a mim! - berro e sinto os braços dele em
minha cintura, o que é o suficiente para me jogar e fazer do meu
corpo um escudo para proteger a vida do moleque.
Tudo parece acontecer em câmera lenta, e, de todas as
mortes que planejei para mim, de longe essa nem se passou na
minha cabeça.