Era o aniversário de 22 anos da Mia e eu estava mais ansioso para vêla do que gostaria de admitir. Nos anos anteriores algumas coisas
aconteceram e me impediram de vir ao seu encontro e ela não fez a mínima
questão de ir até a Pensilvânia me ver, e isso me deixou irritado e até
desconfiado.
Uma semana antes de a mulher fazer 19 anos, eu fui baleado.
Estávamos em um confronto com outra máfia ou gangue. Sinceramente,
ainda não entendo como aquela organização funcionava, porém os filhos da
puta eram organizados e fui baleado pelo líder deles.
Daemon Blackwood.
Ou Quimera, ou Demônio.
Para mim, Demônio soa bem melhor. O desgraçado me deu o tiro no
banheiro de um salão em que acontecia um evento de caridade, como se não
tivesse conversado comigo amigavelmente durante a hora anterior.
Ele e sua esposa se sentaram à nossa mesa, dois advogados
conceituados. Eu senti algo diferente neles, mas estava ansioso por notícias
de um carregamento de armas que receberíamos e deixei meu sexto sentido
de lado. O contrabando viria por contêiner, e estava preocupado, pois tinha
consciência de que nosso esquema de fachada não era dos melhores, e perder
aquela carga significava perder muito dinheiro, além de credibilidade com
meu pai, já que seria eu a ocupar sua cadeira.
O homem entrou na porra do banheiro e mal tive tempo de pensar
antes de levar um tiro no ombro. Foi de raspão, intencionalmente, então ele
se apresentou como líder dos Falcões da Noite do estado de Louisiana e tirou
um isqueiro do bolso, se oferecendo para cauterizar a ferida, pois precisava
conversar comigo.
Foi ousado, porra. Precisava admitir, ele era louco, mas conseguiu
minha atenção. Nós tivemos uma conversa interessante e por conta disso e de
um negócio lucrativo para ambas as partes, não estive presente quando Mia
fez 19 anos.
O tempo passou e seus 20 anos chegaram.
Eu estava em uma convenção de tecnologia. Para todos, estava lá
como investidor de criptomoedas, mas a verdade é que precisava de um álibi
público diante de um carregamento que roubaríamos dos russos, caso isso
chegasse até a polícia.
Tráfico humano.
Essa porra ia contra o que pregamos. Temos cassinos e casas de
entretenimento, porém todas as mulheres e homens que trabalham conosco o
fazem por escolha própria. A Blood Skul repudiava todo e qualquer negócio
que envolvia tráfico humano.
Além disso esse tipo de negócio no mercado negro chamava atenção
da organização nacional e isso não era nada bom para o submundo.
Nossa operação teve êxito, porém arrumamos uma guerra com os
russos que durou um ano, e então chegamos aos 21 anos de Mia. Quando
enfim achávamos ter disseminado o problema, um infiltrado assassinou
minha avó na clínica onde estava internada há dois anos. Ela tinha Alzheimer
e foi uma crueldade do caralho matar uma pessoa que sequer tinha
consciência do que estava acontecendo. Isso acionou um alarme na minha
cabeça e precisei, por motivos de segurança, acabar com planos que eu
mesmo havia sugerido para o aniversário de Mia.
Como não a via há dois anos, pensei que poderíamos viajar juntos
para nos conhecermos melhor, já que nosso noivado estava longe de ser
normal. A garota aceitou e arrisco dizer que até gostou da ideia, conforme
minha mãe me contou. Iríamos para as Maldivas, seriam apenas três dias,
pois eu não poderia ficar ausente por muito tempo e ela tinha a faculdade.
A viagem precisou ser cancelada nas vésperas e acho que isso a
deixou irritada. Pela primeira vez tentei contatá-la, e quando percebeu que era
eu ao telefone, desligou na minha cara. Não desisti e enviei mensagens que
nunca foram respondidas.
No dia seguinte, a garota faria 22 anos e esse era o motivo de eu estar
no jatinho, voando para Nova York. Ryan não confiava na famiglia de Luigi
e obviamente, eu também não. Porém, achava difícil que ele tentasse algo
contra o futuro genro dentro da sua propriedade, o homem sabia das conexões
que a Blood Skull possuía e seria muita burrice ferrar com nosso acordo e
ainda tentar me ferir no processo.
Por isso eu entraria em seu território mostrando o quanto me sentia
seguro, mesmo com poucos homens. Eles deveriam temer a mim e não aos
meus soldados, até porque, era muito pior que eles.
Desbloqueei meu celular olhando novamente a rede social que Mia
mais usava, ela era discreta, porém frequente em suas postagens. No feed,
apenas poucas fotos, a grande maioria com a irmã e nunca mostrando o rosto
da pequena, que deveria ter uns quatro anos. Já nos stories ela postava às
vezes o que estava comendo, algo sobre o que estava estudando ou até fotos
com colegas de aula.
Ela mantinha intacta sua fachada de garota rica, estudiosa e
comprometida com a ética da nossa sociedade.
Mia era linda.
Conforme amadurecia, ficava ainda mais bonita e, porra, cada vez
mais gostosa. Nossa única interação foi em nosso noivado e suas atitudes e
até a falta delas, deixava claro que a mulher era o total oposto do que
imaginava.
E isso era bom, porra. Quer dizer... era bom até se tornar ruim.
Meu sexto sentido dizia que Mia Coleman seria o maior blefe da
minha vida.
•
- ... e por isso decidi que o mais sensato seria acabar com nossos
negócios.
Arqueei apenas uma sobrancelha para um dos capos de Luigi.
- Você foi impulsivo e burro - declarei, fazendo com que os
homens à nossa volta me encarassem, surpresos com minha possível afronta.
- Espero que esteja aposentado quando eu assumir a famiglia, porque se
fizer algo do tipo quando eu estiver no comando, te mato.
Dimitri, o capo desprovido de inteligência, me encarou sem saber o
que responder. Levei o copo de uísque à boca, tirando os olhos do babaca e
fitando seu filho que olhava fixamente além de nós.
Mia.
Disfarcei uma respiração profunda, precisando recuperar o fôlego ao
vê-la em um vestido verde muito justo.
Caralho!
Ela estava ainda mais linda do que por foto e, porra... que corpo.
Puta que pariu!
Engoli a saliva e voltei meus olhos ao garoto, tocando seu ombro. Ele
virou o rosto em minha direção e empalideceu um pouco quando percebeu
que era eu a tocá-lo.
- Nunca mais olhe para minha noiva como se quisesse fodê-la,
moleque. - Minha expressão era controlada e a voz estava em uma altura
normal, mas sei que todos sentiam que minha raiva não estava nada
controlada. - Caso contrário, vou arrancar seus olhos com minhas próprias
mãos e fazer você engolir seus globos oculares, e então, nunca mais vai poder
cobiçar a minha mulher. - Devagar, tirei a mão do ombro dele e passei meus
olhos por cada homem presente à minha volta. - Isso vale para todos vocês.
Novamente, ninguém respondeu.
Irritado, saí de perto deles. Tomei o restante do conteúdo do meu
copo e o descartei sobre a bandeja de um dos garçons que passavam por mim.
Troquei um olhar com Ryan, meu segurança pessoal, vendo que ele me
observava e percebia minha tensão. Dei um leve aceno de cabeça
demonstrando que estava tudo bem, e voltei minha atenção à Mia, que
naquele momento estava acompanhada.
Ela conversava muito alegremente com um idiota vestido em um
terno malfeito azul-marinho.
É, muitas pessoas estavam merecendo levar um tiro naquele dia!
À medida que me aproximei, observei a mulher que em alguns anos
iria se tornar a minha esposa, uma parte significativa da minha vida e isso
gerava uma inquietação dentro de mim. Ela estava rindo com outro homem,
compartilhando gestos que demonstravam proximidade entre os dois.
Não disfarcei minha expressão, pois me sentia extremamente
incomodado com a situação. Cada vez que via um sorriso genuíno cruzar o
rosto dela enquanto conversava com ele, uma pontada de ciúmes passava por
mim. Era como se uma pequena voz dentro do meu interior começasse a
questionar se um dia seria capaz de ter um daqueles sorrisos direcionados a
mim.
Todos os sorrisos dela deveriam ser meus.
Minha mente começou a criar histórias e cenários hipotéticos nos
quais eles tinham uma conexão mais profunda do que eu estava vendo. Esses
pensamentos eram como um turbilhão de emoções fodidas que me irritavam.
À medida que avançava em sua direção, sentia a tensão irradiar pelos meus
poros.
- Mia - falei, atraindo sua atenção.
Enquanto nossos olhares se encontravam, podia sentir a eletricidade
no ar. Cada segundo que passava parecia carregado de antecipação, como se
o mundo inteiro estivesse desaparecendo ao nosso redor e só restássemos nós
dois. Perdi a compostura, enlaçando sua cintura e levando a outra mão à sua
nuca. Um leve rubor coloriu suas bochechas enquanto apoiava suas mãos
contra meu peito.
Nossos lábios estavam a centímetros de distância e podia sentir a
pulsação acelerada do meu coração reverberando em todo meu corpo. Minhas
mãos instintivamente impunham mais força, mostrando uma pegada mais
bruta, pouco me importando se parecia deselegante e até mesmo rude. Aquela
mulher era minha e era bom que tal fato estivesse claro para todos os
presentes.
Quando finalmente nossos lábios se tocaram foi como se uma faísca
tivesse sido acesa. A sensação era suave, quase hesitante no início, como se
estivéssemos explorando a profundidade daquela conexão que
compartilhávamos sem ao menos sabermos.
Minha respiração se misturou com a dela, e aceitei de bom grado o
calor do seu corpo contra o meu.
Era apenas um simples toque de lábios, e quase me perdi ao sentir a
textura suave da sua boca, porém aquele não era um beijo gentil ou uma
demonstração de afeto, era a porra de uma marcação de território e foda-se se
soou grosseiro.
Mia percebeu meu showzinho e subiu uma das mãos para meu
pescoço, fincando as unhas longas e afiadas em minha pele. Afastei um
pouco nossos rostos apenas para puxar seu lábio inferior com os dentes e o
morder com força ao ponto de ela resmungar. Então deixei um beijo casto,
carinhoso em seus lábios e sorri.
- Estava com saudades, amore mio
[3] - falei e em resposta ela me
devolveu um sorriso sarcástico.
- Claro! Posso imaginar - ironizou. Ela forçou as mãos contra meu
peito, claramente tentando me afastar e até permiti, mas meu braço continuou
firme contra sua cintura, deixando nossos corpos lado a lado. - Esse é
Johnnie, meu primo.
Johnnie estendeu a mão em minha direção, mas não aceitei seu
cumprimento, apenas acenei com a cabeça. Ele pigarreou sem jeito, levando a
mão do gesto patético até seu bolso, visivelmente constrangido. Primo é o
caralho, porra! Sei de vários primos que se comem e eu definitivamente
queria o pau daquele filho da puta longe da boceta da minha noiva.
- Venha. - Tirei a mão da cintura dela, segurando seu braço de leve
e a empurrando em direção ao jardim.
Podia sentir os olhares daquele bando de abutres em nossas costas, e
ignorei a todos eles, inclusive de Luigi. O Don
[4] da famiglia devia estar
querendo me matar naquele momento por estar levando sua filha para um
lugar privado, longe de todos os olhares.
Quando já estávamos em um lugar afastado, Mia puxou seu braço
com brusquidão.
- Nunca mais me beije dessa forma!
- Qual forma? - perguntei, arqueando uma sobrancelha.
Ela abriu a boca, então fechou. Abriu e fechou de novo, respirando
fundo, buscando calma. Minha noiva aparentemente estava tão irritada e
impaciente quanto eu, e isso me levou a uma pergunta.
- Já imaginou como será nosso sexo com raiva? - questionei, e a
expressão surpresa dela me fez sorrir.
Caramba, que boca linda!
Um dia eu ainda iria foder estes lábios e fazer esta mulher engasgar
com meu gozo.
- Tenho coisas melhores para imaginar do que o quão entediante
seria transar com você.
Balancei a cabeça em negação, meu sorriso se tornando ainda maior.
- Mentir desse jeito é o mesmo que zombar do meu treinamento,
Mia, e fui muito bem treinado.
Ela empinou o nariz, a expressão séria tentando demonstrar uma
indiferença que eu sabia que não existia.
Queria transar com aquela mulher tanto quanto ela queria transar
comigo.
- Seu celular tem algum problema? - perguntei, mudando de
assunto, e dessa vez foi ela quem arqueou uma sobrancelha. - Quando eu te
enviar uma mensagem, você deve me responder - ordenei, e ela balançou a
cabeça em negação.
- Não sou um de seus soldados, vita mia
[5]
. - A voz transbordava
ironia.
- Aprenda a me responder ou vou colocar uma mulher de segurança
na sua cola, te acompanhando até o banheiro!
- Isso tudo é medo de levar um chifre? - zombou, e respirei fundo.
- Vamos mesmo fingir que você não trepa com todas as garotas dos seus
cassinos?
- Não sou celibatário, mas sou discreto.
- Eu também.
Senti todo o sangue do meu corpo subir para minha cabeça, a raiva
invadiu cada célula do meu ser e eu tinha vontade de jogar aquela mulher nos
meus ombros e amarrá-la na minha cama para sempre.
- Espero que isso não envolva transar com seu primo - esbravejei,
e ela riu, balançando a cabeça em negação, como se fosse uma piada interna.
Aproximei-me, segurando sua cintura e inclinando meu rosto, fazendo com
que ela levantasse o pescoço para me encarar. - Seja discreta, não se
relacione com conhecidos e jamais se envolva emocionalmente com
ninguém. Quebre qualquer uma dessas regras e tenha em mente que alguém
vai morrer, e vai ser por sua culpa.
- Maldito...
- É, eu sou mesmo um maldito. O pior de todos, Mia. Viva sua vida
na medida do aceitável, porque o seu futuro é meu, e quando estiver
dividindo a cama comigo, será só minha. Já é minha.
- Presunçoso desgraçado...
- Me elogiando? Você pode ser mais criativa. - Pisquei, sorrindo
ao vê-la tremer de raiva. - Fique tranquila, delicinha. Vou te fazer gozar tão
gostoso que vai se viciar em mim, e sua boceta vai esquecer qualquer outro.
- Atrapalho? - Uma voz feminina soou atrás de nós e me virei.
Alejandra, mãe da Mia.
- Na verdade, atrapalha sim - respondi. Nunca fui com a cara
daquela mulher que parecia tão traiçoeira quanto Genevieve era.
Mia deu um risinho sem jeito.
- Já estamos indo, mamma
[6]
.
- Ótimo! Está na hora de assoprar as velinhas, querida.
Ainda que usasse a palavra "querida", sua frase era rígida, fria,
impessoal. A mulher não deu trégua, nos esperando, e Mia segurou a minha
mão, me incentivando a caminhar. Me senti como um adolescente que foi
flagrado se masturbando no banheiro.
Enquanto caminhávamos de volta para casa, pensei se não deveríamos
adiantar o casamento e fiz uma nota mental de amadurecer aquela ideia.