Olhei a mensagem dele mais uma vez e respirei fundo.
É claro que ele não viria.
A verdade era que precisei de pouco tempo para perceber que minha
relação com Dominic, caso eu permitisse, seria semelhante à da minha mãe
com meu pai, ela nunca seria a prioridade dele, e ainda assim, ele tinha um
poder absurdo sobre ela.
Walsh não iria exercer esse poder sobre mim.
Eu não iria permitir que isso acontecesse, não sem lutar pelo lugar que
me era de direito. Esse lugar era ao seu lado, e não abaixo dele. Estaríamos
ambos no comando, de igual para igual. Iria exigir participar de cada negócio
e estar a par de todas as situações.
Exigi que fosse assim e se o bonitão de dois metros de altura pensava
que não seria dessa forma, ele estava muito enganado. Eu iria dar muito
trabalho a ele se não fosse aceita conforme o esperado.
Se ele era a pólvora, eu era o fogo, e nós dois explodiríamos juntos.
- Problemas no paraíso? - Anny perguntou assim que entrou no
vestiário onde estavam os armários.
- É... - Respondi sem dar detalhes. Como sempre.
Ela bufou em resposta.
- O que adianta ser noiva de um gostoso daquele se ele é tão
ausente? - disse sem filtro algum, arrancando um sorrisinho de mim. - Ter
um playground zerado, e nunca brincar nele é um pecado.
- Dom é muito ocupado, Anny. E por causa da faculdade e da
residência, não consigo ir para Pensilvânia com frequência. - Usei o apelido
como estratégia para validar uma proximidade que não existia.
- Certo - respondeu contrariada. - O que acha de ir a um barzinho
comigo e com o pessoal hoje? - Respirei fundo em resposta e ela cruzou os
braços. - Mia, você não tem vida, nunca faz nada, vive dentro desse hospital
ou em parques com sua irmã mais nova.
Eu treinava, e muito, fazia artes marciais, tiro, manuseio de qualquer
instrumento que possuísse uma lâmina, mas Anny não podia saber disso.
- Eu gosto de parques - respondi.
- Você precisa se divertir! Sair, curtir! - Arqueei a sobrancelha.
- Eu sou noiva.
- Foda-se o gostosão de terno, você merece um orgasmo além dos
que alcança sozinha.
Gargalhei alto diante de sua fala. Se ela soubesse que nunca sequer
havia transado, se soubesse o quanto era controlada e que esse controle ia
muito além dos seguranças que as pessoas viam. Todos achavam que os
quatro seguranças que eu tinha era devido aos negócios do meu pai e aos
investimentos de Dominic.
- Não vou trair o meu noivo, Anny.
Porque se o fizesse, meu pai me mataria.
Ainda que Walsh tenha demonstrado que não se importava com o
tradicionalismo da virgindade, que é uma tradição da minha famiglia, meu
pai se importava. Além do mais, eu não queria correr o risco de ser
descoberta, se algo relacionado a qualquer possível escapadinha minha
vazasse na mídia, estaria morta.
Luigi me disse claramente que me mataria, e uma ameaça do meu pai
nunca era feita em vão.
- Se você quer manter as teias de aranha, tudo bem. Porém, não vou
aceitar um não como resposta para vir dormir na minha casa. Vou convidar a
galera... bebidas, pizza. Vamos?
- Anny...
- Nem tente, Mia. Seus pais estão viajando, então não pode usar
Nanna como desculpa.
Isso é verdade. Me cortou o coração, porque pela primeira vez Luigi e
Alejandra foram viajar e decidiram levar Nanna junto. Meu peito doía de
saudade daquela criança.
Apertei o celular em minha mão enquanto pensava que era só uma
bebida na casa da Anny.
Que mal poderia haver?
- Tudo bem.
- Não! Chega de desculpas e... - Ela parou de falar, me encarando
enquanto sorria. - Você disse tudo bem?
- Sim.
- Ah! Que máximo! - Ela abriu seu armário e pegou a bolsa,
tirando de lá o celular. - Vou mandar mensagem para o pessoal!
Ainda sorrindo, balancei a cabeça em negação, com a certeza de que
iria beber pouco para não correr o risco de fazer alguma besteira. Algumas
pessoas não podem se dar ao luxo de errar, e eu com certeza era uma dessas.
•
Minha cabeça estava explodindo.
Como combinado, havia passado a noite na casa da Anny. A casa dela
estava lotada e realmente foi muito legal. Eu maneirei na bebida e nem foi
porque precisava ir para o hospital no dia seguinte, mas porque não estava
disposta a passar dos limites.
Eu jamais daria motivos para que validassem as comparações que me
eram feitas em relação à Genevieve. Eu não sou igual à minha irmã mais
velha e morreria provando isso e calando a boca de qualquer filho da mãe que
pensasse o contrário.
Passei o dia inteiro com dor de cabeça, pois ainda que não tenha
bebido muito, o pouco de álcool que ingeri foi o suficiente para ficar com a
cabeça explodindo o tempo todo. Contei os minutos até meu intervalo, e
assim que consegui sair para o meu horário de descanso, comi e então tomei
um analgésico.
Estava no jardim do hospital, procurando algum local afastado para
me sentar e ficar no silêncio, esperando que isso ajudasse a aliviar as
badaladas na minha cabeça.
- Mia? - Me virei diante do chamado, reconhecendo a voz do Dr.
Mark.
- Doutor - respondi. - Precisa de ajuda?
Ele sorriu, e era fofo ver o quanto estava sem jeito.
Fazia algum tempo que vinha percebendo o jeito que me olhava e até
mesmo que ficava nervoso perto de mim. Mark foi efetivado no hospital no
ano anterior, era comprometido com os pacientes, atencioso, bonito e...
normal.
Extremamente normal.
Ele não era o tipo de cara que chamaria minha atenção, o doutor era
um mocinho e só isso já fazia com que fossemos extremamente opostos e, no
meu caso em específico, não rolava aquele lance de que opostos se atraem.
- É... - Pigarreou. - Foi muito legal ter você ontem conosco. Você
não costuma aparecer muito, e...
- Mark - chamei, mostrando que ali era a Mia mulher, e não uma
das residentes. - Eu sou noiva.
- É... - Ele deu um riso nervoso. - Eu sei. Todos sabem.
- Pois é - respondi e ficou um clima desconfortável. Então ele
suspirou e tocou meu ombro.
- Se um dia estiver disponível, gostaria muito de jantar com você,
Mia. Eu... esse seu noivado é bem estranho, e...
- No seu lugar, eu não terminaria essa frase. - Senti um arrepio ao
ouvir a voz dele.
Dominic Walsh estava parado a poucos passos com cara de poucos
amigos, encarando fixamente Mark.
Era simplesmente impossível não olhar para ele como um todo. Meu
noivo estava com o tom de pele um pouco mais bronzeado do que da última
vez que o tinha visto, e podia jurar que seus cabelos claros brilhavam sob a
luz do sol. Sua estatura imponente ia muito além da altura, que facilmente já
o destacava. Sua presença era dominante e ele exalava confiança em cada
gesto, os olhos expressando uma intensidade magnética, ao mesmo tempo em
que transbordavam insatisfação. A constituição física dele era robusta e
atlética.
Para a minha total infelicidade, ele era muito gostoso, e o desgraçado
sabia disso.
É sério, a cada ano que passava, aquele cara ficava ainda maior. A
camisa social branca deixava evidente o contorno dos seus bíceps e eu nem
precisava olhar em volta para saber que todas as mulheres presentes estavam
olhando para ele.
Dominic transmitia com sua postura e segurança, uma aura de
autoridade natural. Em resumo, ele era um homem notável pela aparência
atraente e confiança.
Exalava poder e isso, infelizmente, era muito sexy.
- Acho que esse é um bom momento para tirar a mão da minha
noiva - disse, descendo os olhos para o crachá do moreno ao meu lado. -
Mark.
O doutor tirou a mão de mim e abriu a boca para falar algo, porém
tornou a olhar para o loiro que se aproximava com passos decididos.
Senti-me instantaneamente nervosa.
Meu coração acelerou e minhas mãos ficaram trêmulas. Encarei-o,
praguejando mentalmente por sentir minhas bochechas ficando coradas.
Mantive minha linguagem corporal neutra para não denunciar a mistura de
excitação e ansiedade que me invadiu.
- Amore mio - ele disse, tocando minha cintura e se abaixando para
ficar com o rosto na altura do meu.
Senti um misto de emoção e principalmente antecipação. Meu
coração batia ainda mais rápido à medida que ele se aproximava.
Notei os pequenos detalhes, como a textura dos seus lábios, a maneira
como estreitava os olhos lentamente, o cheiro suave de sua pele.
Quando a boca dele tocou a minha, as borboletas no meu estômago
pareceram ganhar vida e o tempo pareceu desacelerar. O beijo reafirmou a
conexão invisível que existia todas as vezes que nos aproximávamos. Cada
segundo era memorável e eu sentia como se estivesse flutuando em um
momento de puro encantamento. Era como se Dominic me enfeitiçasse e isso
era uma droga, pois deveria ser o contrário, eu que deveria causar esse efeito
nele.
Era apaixonada por ele desde a minha adolescência e talvez esse fosse
um dos maiores motivos que eu afastava todos os homens que tentavam se
aproximar, o motivo por eu negar a mim mesma as chances de experimentar
e viver experiências. Eu o acompanhei durante todos esses anos pelos
tablóides, sabendo cada passo seu, cada novo feito ou conquista.
- Você fica mais linda a cada dia que passa - disse quando afastou
os lábios, tirando a mão da minha cintura só para entrelaçar seus dedos nos
meus. - Sou Dominic Walsh, o noivo... estranho.
Mark ficou sem saber o que responder, tanto que apenas pigarreou e
pediu licença, como o bom homem educado que era, se afastando de nós
dois.
- Sinto que estão nos observando, então se tiver um lugar mais
discreto... - Nem deixei que ele terminasse de falar, o puxando pela mão.
Caminhamos em silêncio até um canto afastado, Dominic olhou em
volta e vi que ele respirou tranquilo quando percebeu os seguranças à
distância.
- Você está aqui - disse, ainda surpresa.
- Você não respondeu às minhas mensagens e não atendeu às
ligações.
- Você disse que não viria...
- Eu disse que não conseguiria vir no dia do seu aniversário, não que
não viria. Você agiu como uma criança, me ignorando. Na verdade, a única
coisa que sempre faz é me ignorar, Mia. Eu te procurei, tentei vir até você...
fiz o que nenhum outro em minha posição faria, e mesmo assim você acha
pouco, porra!
Arqueei as duas sobrancelhas, perplexa.
- Está jogando na minha cara por ter vindo me ver duas vezes nos
últimos quatro anos?
- Outro colocaria uma aliança no seu dedo e só apareceria no dia do
casamento.
- Então faça isso! - esbravejei percebendo que era impossível
manter um diálogo pacífico com Dominic. - Seja como os outros.
- Você entendeu mal.
- Não, eu entendi muito bem.
Ele balançou a cabeça impacientemente.
- Mia, eu tenho tentado, mas você simplesmente não se importa!
Caralho, as pessoas estão desconfiando por não termos fotos juntos, e...
- Claro, isso não é bom para a sua imagem - ironizei.
- Puta que pariu, eu tento, porra! Eu tento ter o mínimo de contato
com você, mas minhas conversas são monólogos porque sempre me ignora.
- Eu sou só um contrato para você.
- Não! Você será a minha mulher! Cacete... - Passou a mão pelos
fios loiros, desalinhando-os e ficando ainda mais bonito. Desgraçado. -
Você acha que minha vida é fácil? Que vivo para ir a festas ou trepar com
todas as mulheres que encontro pelo caminho? Você está muito enganada,
Mia.
Fiquei em silêncio, sem saber o que responder. Observei-o com mais
atenção, ele era um homem muito bonito mesmo, com traços definidos que
realçavam sua aparência. Seus olhos, embora tivessem aquele brilho sombrio,
também revelavam certo cansaço, com olheiras sutis que sugeriam noites mal
dormidas.
Sua postura era elegante, mas havia algo em seus traços que indicava
uma fadiga subjacente.
- Eu queria te conhecer, queria ser seu amigo antes de te levar para a
cama, porque isso vai acontecer, Mia. Nós vamos trepar e eu vou querer te
comer feito louco, porém, antes disso, queria saber seus gostos. Queria poder
te respeitar, quem sabe até admirar, mas você vive numa defensiva do caralho
e isso já está me irritando.
- Você não sabe o que eu passo.
- Eu poderia saber se você me desse abertura.
- Você ia se casar com a minha irmã, Dominic. Acha que é fácil
para mim, lidar com o fato de que estou nessa posição como o estepe de um
carro? Eu sou o pneu reserva, e isso obviamente não me deixa confortável.
- Entendi - respondeu, me olhando de uma forma tão analítica que
me remexi, desconfortável. - Se quer saber, você é a única aqui que se
lembra que aquela mulher existiu, Mia. - Ele riu, balançando a cabeça em
negação. - Você precisa amadurecer.
- Como é? - perguntei, me sentindo insultada.
- É isso mesmo que ouviu, você precisa amadurecer e lidar com suas
próprias questões. Eu nem me lembro mais da Genevieve.
Dei uma risada amarga.
- Eu sou lembrada diariamente dos meus deveres como substituta
dela, Dominic. Não venha bancar o moralista, bom moço, porque você não é.
- Estou longe de ser bom, mas não sou seu inimigo, Mia. - Ele
franziu as sobrancelhas levemente e respirou fundo. - Venha comigo.
- Como? - perguntei, confusa.
- Venha comigo para a Pensilvânia. Você...
- Não.
- Nem ouviu o que eu tenho a dizer, caralho! - esbravejou, ainda
mais irritado.
- Nanna é muito pequena e ela precisa de mim.
- Essa menina é sua filha, Mia? - perguntou e nem me deixou
responder. - Se for, esse é o momento de me dizer a verdade.
- Ela é minha irmã, Dominic. Todos viram minha mãe grávida!
- Então deixe seus pais cuidarem da filha deles - disse, e eu abaixei
a cabeça.
Eu não podia.
Não iria deixar Nanna, ela era muito pequena e..., eu ainda não estava
pronta. Precisava de mais treinamento, precisava de mais soldados dispostos
a me seguir. Precisava estar preparada para ser a mulher fatal que carrega
todos na palma da mão, não o contrário.
Dominic voltou a respirar fundo e quando olhei para ele, a única coisa
que vi foi cansaço, exaustão.
- Eu tentei, Mia. Eu realmente tentei. Não espere mais minhas
visitas em seus aniversários ou até mesmo as mensagens aleatórias que
costumo mandar. A verdade é que não importa o que eu faça, você vai
continuar na defensiva. - Então se endireitou, aprumando a postura. -
Quando eu disse para ser discreta caso... tivesse algo com alguém, não estava
brincando. Se eu tiver a confirmação de que esteve com alguém, essa pessoa
vai morrer e se você se envolver emocionalmente... - Ele estalou a língua.
- Vai presenciar um massacre.
- Você precisa decidir. Uma hora diz para eu ser discreta e em outra
fala que se descobrir, pessoas vão morrer.
- O meu lado racional me elucida para o fato de que você é jovem e
que não deve fidelidade a mim até que estejamos realmente juntos. Porém, o
Boss da Blood Skull, o homem que eu sou de verdade, jamais deixaria passar
se soubesse de algo. Nem um homem que te tocar intimamente vai viver para
ter a oportunidade de se lembrar como foi estar entre as suas pernas, não se
eu descobrir. Você é minha, caralho! O único que vai se lembrar do seu
cheiro, gosto e até mesmo dos seus gemidos serei eu.
Disfarcei a inquietação que tomou conta do meu peito e não respondi.
Aquele tipo de atitude possessiva já era esperada de homens como
ele, porém o convite para morar em sua cidade antes do casamento para nos
conhecermos foi bem inusitado. Inesperado.
- Acho que essa conversa acabou com o clima do jantar que planejei
- murmurou, tirando um envelope do bolso e me entregando. - Feliz
aniversário adiantado!
Franzi a sobrancelha, abrindo o envelope e ficando perplexa ao ler o
conteúdo.
- O que é isso, Dominic?
- Seu presente de aniversário.
- Dominic... você comprou um hospital para mim? - perguntei,
perplexa.
- Acredito que quando nos casarmos você vai querer uma ocupação,
e sua interação nas redes sociais deixa claro que ama a medicina. Este
hospital fica a menos de 15 minutos da minha cobertura, que também será a
sua casa. Está em seu nome, porém a administração estará a cargo de pessoas
da minha confiança até o nosso casamento. Depois, vamos ajustando tudo.
Fiquei em silêncio, sem saber o que falar, minha voz pareceu entalar
na garganta e... uau!
- Nunca se esqueça que mesmo de longe, estou de olho em você. Se
cuida, Mia. - Ele deu um passo à frente, deixando um beijo em minha testa
e então se virou e caminhou para longe de mim.
Olhei para ele se afastando mais a cada passo que dava e somente
quando o perdi de vista, voltei a olhar a folha de ofício em minhas mãos.
Medland.
Um hospital.
Meu hospital.
A junção das suas palavras ao seu gesto, me deixou atordoada,
perdida. Eu não sabia o que ele pretendia com isso, mas se sua intenção era
me desestabilizar, ele conseguiu.