A garota seca o suor que escorre de sua testa com as costas de sua mão.
Mel fita seu livro sobre o balcão. Quando o Fermi jogou o prato com resto de comida, um pouco caiu sobre a página do exemplar.
A jovem segura a obra na mão.
"Foi como as outras vezes... Não manchou! Está impecável!"
A ruiva sorri.
"Isso me traz lembranças da época do orfanato..."
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ೋ Flash Black
[Doze anos atrás... Orfanato Irmãs Amary]
- Não se preocupe senhor urso, vou fazer um mingau delicioso para você!
Uma pequena menininha ruiva de oito anos brincava ao pé da escadaria da sala principal da casa de acolhimento.
- Ho! Ho! Ho! Muito obrigada Melzinha você é um doce! Háhahaha! - Mel cria voz para o seu urso e após falar, ela cai na gargalhada.
A menina tinha em seu colo seu livro de receitas.
- Vou aprender a fazer mingau com a irmã Celeste, senhor urso. Prometo que você vai ser o primeiro a comer!
- Está falando sozinha, oh esquisita? - Um pequeno grupo de garotas mais velhas entram no local.
Mel para de brincar no mesmo instante.
- Eu disse que ela era retardada! Não fala com as outras meninas mas adora conversar sozinha! - Uma garota comenta com a outra.
A pequena se mantém calada. Ela sente um frio percorrer na sua barriga.
Uma das meninas se aproxima e vê o livro.
- Sempre vejo a Mel com esse livro velho! O que será que tem de tão especial nele! - A garota de cabelos encaracolados tenta pegar o exemplar da ruivinha mas a jovem se põe de pé rapidamente e se afasta.
- Não tem nada demais! Eu gosto dele porque quando me deixaram aqui, a única coisa que estava comigo era esse livro. É como se fosse a minha família! - Mel declara.
O grupo a encara fixamente.
- HÁHAHAHAHA! - Todas riem em sincronia.
- Família? Um livro? Isso é mais um motivo de você nunca ter sido adotada! Garota além de feiosa você é muito esquisita.
Elas riem de novo em conjunto.
"Não sei porque nunca tive proposta para ser adotada. Os bebês sempre saem mais rápido daqui, mas eu, nunca saí! Deve ser por causa da minha aparência... Acho que era um bebê feio mesmo!"
Mel demonstra uma expressão facial tristonha.
Ela se distrai um pouco enquanto tenta chegar em algumas conclusões.
- PEGUEI! - Uma das meninas mais altas pega o livro de uma só vez da mão da jovenzinha.
- Hei! Por favor me devolva! - A ruiva tenta desesperadamente recuperar o que lhe pertencia.
- O que tem nesse livro, Ray? - Uma das garotas pergunta para a jovem de cabelos enrolados.
- Nossa que chato! É daquele tipo de livro de receita de gente velha! Nem tem figuras e nem nada do tipo!
- Por favor me devolva! Me devolva! - Ray levanta o exemplar deixando bem no alto e Mel pula tentando pegar.
- Ela fica tão fofinha desesperada! Háhaha! - Outra menina comenta.
- Vamos fazer um acordo! Eu te devolvo o livro e você me dá os seus sapatos! - A morena declara.
"Meus sapatos?"
Mel encara seus próprios pés.
- Mas os meus pés são menores que os seus!
"Sou bem mais nova que ela!"
- Isso é só um detalhe! Como só ganhamos sapatos novos de seis e seis meses, posso conseguir uma boa troca com os seus.
- Isso é maldade! Me devolva meu livro!
Mel tenta segurar a vontade de chorar.
- Já que vai se comportar assim, vou ter que fazer isso... - Ray ameaça rasgar uma página e a pequena se apavora.
- NÃO! - A mais nova grita.
- Então me dê os seus sapatos!
A baixinha concorda balançando a cabeça e começa a tirar seu tênis simplório.
Ela os entrega em seguida.
- Pronto! Agora me devolva!
Ray sorri.
- Claro... Mas antes como você demorou muito, vou ter que te dar uma pequena lição!
A adolescente abre o livro e põe sua mão sobre uma página.
Tum, tum... Tum, tum...
- Toda vez que você olhar para essa página que vou rasgar, você vai se lembrar de mim! - A morena afirma.
- NÃOOO! - Mel grita ao fitar a jovem tentando rasgar uma folha.
Ray não consegue.
- Ué? O que foi isso? - A mais alta tenta novamente puxar o papel mas ele não solta.
- O que houve Ray? Não está comendo direito? Háhahaha! - Uma das garotas diz com um tom sarcástico.
- Não, não é isso! Essa porcaria não solta!
- Por favor me dê! Me dê! - A mais nova chora de desespero.
- O que está acontecendo aqui meninas? - Uma freira entra no local e todas as jovens se aliam em formação, exceto a Mel.
- Irmã Celeste. Bem... é, bom... Só estamos brincando! - Ray declara estando nervosa.
A mulher religiosa fita a menina de cabelos escarlate secando o rosto e descalça. Ela nota que uma das garotas do grupo estava com os sapatos da Mel, e a outra com o livro de capa vermelha que não pertencia a ela.
- Devolvam agora os pertences de sua colega! - A mulher fala com um tom autoritário.
- Irmã a gente só estava...
- Não quero saber! Devolva agora mesmo! - Celeste interrompe a adolescente.
As garotas a obedecem e entregam as coisas de volta para a Mel.
A pequena abraça seu livro com empolgação.
"Graças a Deus nada aconteceu!"
- Vocês deveriam se envergonhar em intimidar suas colegas mais novas! Eram para agir como irmãs e não como inimigas! Quero as quatro agora na sala da madre Olívia!
- Mas irmã...
- Em silêncio mocinha!
Todas concordam com a cabeça e mesmo desanimadas, elas obedecem a Freira.
- Só pode ser o demônio que está agindo nessas meninas... só pode! Devem rezar mais!
A mulher esbraveja.
- E você, Mel? Já disse para não ficar agarrada com esse livro o dia todo! Assim fica difícil para você fazer amigos!
- Irmã as menina não gostam de mim! Já tentei brincar com elas mas dizem que sou sem graça! Então está tudo bem para mim não ter amigos! Eu sei brincar sozinha! É divertido também!
A mais velha suspira enquanto observa a pequena.
- Se gosta tanto desse livro de receitas, o que acha de me ajudar na cozinha? É melhor descascar batatas do que ficar arrumando confusão.
Mel abre um grande sorriso.
- Eu adoraria, irmã! Muito obrigada! Quero muito aprender a cozinhar!
A Freira sorri.
- Certo! Venha comigo e traga esse seu livro.
Pondo o urso de baixo de um braço e segurando o livro na outra mão, Mel acompanha a mais velha.
"Não vai demorar muito senhor urso, em breve, vou preparar um mingau delicioso para você!"
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Ao decorrer dos anos, Mel se torna aprendiz da irmã Celeste. Aos poucos, a pequena domina várias receitas.
Por estar sempre ocupada, a jovem não se relaciona muito com as outras meninas do orfanato, mas isso não incomoda a ruivinha, já que ela estava fazendo algo que realmente gostava.
Celeste se torna como uma mãe para Mel, e a ligação afetiva das duas, se fortalece com o tempo que passavam juntas. Mas... isso dura pouco!
Aos quatorze anos, Mel sofre sua primeira grande perda! Celeste já tinha alguns problemas sérios de saúde por causa da idade, mas ao chegar o inverno, a mais velha fica muito doente. A jovem vê sua amada amiga falecer de pneumonia. Mas antes de morrer, a Freira diz algo para a adolescente:
- Quando você veio para cá, foi eu que te recebi! Não tinha ninguém na porta quando a deixaram aqui... Cof, cof, cof... Mas na sua cestinha estava esse livro que você tanto ama. Parece até coisa de filme, né? Háhaha! Cof, cof cor... - Celeste tinha dificuldade para falar.
Mel apenas a fita enquanto chora estando sentada ao lado da cama da mulher.
- Você deve saber o que significa esse nome da capa! Mesmo sendo uma péssima aluna em Latim, você deve ter aprendido!
- Sim irmã, eu sei! Está escrito Coquo, animae cibus. Significa: Culinária, o alimento da alma. - Mel declara e Celeste sorri.
- Exatamente querida... Isso me faz pensar que esse é o seu destino! Suas habilidades e seu passado só pode ser obra divina. Continue cozinhando pondo sua alma no que mais ama! Nunca deixe de fazer isso menina!
A jovem balança a cabeça concordando enquanto tenta secar suas lágrimas.
- Pode deixar irmã! Não vou esquecer das coisas que me ensinou.
Após a conversa com a sua pupila, e depois de alguns dias, Celeste falece.
Mel mesmo sendo uma interna assume a cozinha do orfanato no lugar de sua antiga professora. Ela tenta continuar com seus estudos na arte da culinária.
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[Dois anos depois...]
Todas as internas se serviam no almoço de domingo.
- Tenho que te falar Mel, que você se superou mais uma vez! Tudo está divino! Que Deus te abençoe!
- Muito obrigada irmã! Me sinto muito feliz!
- Com dezesseis anos tendo tanto talento assim, nossa Mel vai longe! Se não passar no vestibular, você tem uma vaga de emprego vitalício aqui! Háhaha! - Uma das freiras fala e todos concordam e riem.
"Me sinto feliz aqui! Não é fácil viver em um abrigo, mas acho que sou abençoada! Aqui é um bom lugar! Aprendi muito nessa casa e devo tudo a elas!"
- Não diga bobagem Amara, a menina tem que ver o mundo! Já acho errado deixarmos uma interna responsável da cozinha, mas graças ao bom Deus que ela é bem responsável e se mantém boa nos estudos.
- Sim madre Olívia, eu não deixo de fazer os meus deveres escolares mesmo trabalhando aqui. Isso era uma exigência da irmã Celeste! Quando fizer a maior idade, tentarei a faculdade de gastronomia, e o bom que já sairei com experiência. - A ruivinha afirma.
- Isso mesmo Mel! E antes de ir para a faculdade, você vai me ensinar a fazer comida como você! - Uma menininha que tinha por volta de dez anos declara.
- Claro Emy! Isso se as irmãs permitirem!
- Por mim você poderia treinar todas essas garotas de mentes vazias.
Todos da mesa riem.
- Falando em faculdade, ano que vem vou te escrever na feira regional que tem na pequena vila aqui perto.
"Na vila? Fui poucas vezes para lá!"
- Vou reservar uma barraca para você vender seus bolos e salgados. Sei que Deus não se agrada muito com competições, mas será por uma boa causa! Na feira tem uma pequena competição, e se você ganhar o prêmio, suas chances de conseguir uma bolsa na faculdade da região aumentam! E o dinheiro do prêmio vai nos ajudar muito também! O telhado do segundo andar está com vazamento há meses! O dinheiro das doações mal dá para as despesas comuns. Então, precisamos dessa pequena graça! - Olívia fala.
- Me escreva irmã, por favor! Prometo fazer as melhores receitas e venderei tudo para arrecadarmos muito dinheiro. Podem contar comigo! - Mel diz demonstrando muita confiança.
"Farei o meu melhor para poder pagar tudo que fizeram por mim durante tanto tempo!"
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[Quase um ano depois...]
As barracas da praça do centro da pequena vila eram simples mas bem decoradas. Mel e mais duas meninas mais novas se encontravam à frente da pequena barraca das irmãs do orfanato.
A ruiva não gostava muito de sair, e por isso não tinha costume de ver um local tão movimentado.
Era um feriado religioso então muitos turistas passeavam por ali.
"Tudo está indo muito bem! Estamos conseguindo vender quase tudo!"
As três adolescentes atendiam sem parar os clientes que após experimentarem o que era vendido ali com elas, recomendavam para outras pessoas, e compravam mais.
- Veja Mel! Você é um sucesso! - A jovem de cabelos curtos diz.
- Eu não! Todas nós! Vocês me ajudaram muito não esqueçam disso!
"Não conseguiria fazer tanta comida sem ajuda!"
Tum, tum... Tum, tum...
De repente, Mel sente uma sensação esquisita. Era como se o ar tivesse ficado gelado do nada.
Ela fita suas costas rapidamente.
"O que foi isso?"
Tum, tum... Tum, tum...
Seu coração continua disparado.
A menina se foca na sensação, e assim, a jovem consegue ouvir um zumbido quase imperceptível.
"Isso parece com os sons que escuto nos meus pesadelos que me perturbam ás vezes. Que sensação estranha!"
Ela fecha os olhos e tenta se acalmar.
"Nunca senti essa agonia estando acordada. Será que se eu rezar agora vai passar como faço nos meus pesadelos?"
- Olá boa tarde! Poderia me dá uns daquele ali? - Mel abre os olhos. Ela vê um homem de cabelos castanho escuro, e de óculos de grau a abordar demonstrando um sorriso gentil.
"Preciso me focar no trabalho. Devo estar apenas cansada!"
- Boa tarde! Vou pegar para o senhor! - Ela o responde.
- Por favor não me chame de senhor, não sou tão velho assim! - O mais alto ri.
Por viver em um orfanato de freiras, Mel não tinha costume de lidar com homens. Ela se sente nervosa com as olhadas do desconhecido para ela.
- Vejo que de todas as barracas a de vocês é a que mais vende! Posso já dizer que vocês devem ganhar o prêmio!
- Ah Deus te ouça, moço! Não aguento mais dormir com baldes do lado da minha cama. - Uma das jovens comenta e Mel a fita com um olhar de repreensão.
"Se a Suzana ficar falando essas coisas para desconhecidos, vão achar que as irmãs não cuidam direito da gente!"
- Aqui está senhor! Muito obrigada pela preferência! - Mel entrega a mercadoria.
- Como é seu nome, menina? E quantos anos tem? - O rapaz pergunta.
- Mel Amary... Tenho dezessete anos.
O moreno sorri e pega na mão da pequena que se assusta.
- Prazer, Mel! Eu me chamo David Fermi! Adorei te conhecer! - O homem beija as costas da mão da menina que se estremesse.
Suas duas colegas do orfanato os olha estando empolgadas. As meninas não tinham costume de ver coisas românticas com seus próprios olhos.
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{Receita do dia}
➻ Cem ml de engano...
➻ Uma pitada de descuido...
➻ Um kg de inocentes planos...
➻ Batendo tudo e assando, se cria a receita do futuro angustiante.
CONTÍNUA ⭐ೋ