Reprimo um grito enquanto sinto a agulha penetrar minha pele, a linha passando por ela, antes de perfurar novamente. Meu punho livre está cerrado com força, enquanto minha outra mão segura firmemente a arma apontada na direção dela, meu dedo longe do gatilho.
O suor escorre pela minha testa, minha respiração está rápida e superficial. Me concentro intensamente, bloqueando qualquer sinal de dor.
Dava para perceber que ela estava nervosa; seus movimentos eram trêmulos, mas ainda assim concentrados. Por um breve momento, quando abri os olhos, pude vê-la com o olhar fixo nos ferimentos, o suor escorrendo pelo rosto enquanto ela o enxugava com o braço, sem desviar a atenção do que estava fazendo.
Ela continua a suturar pelos próximos minutos, e estranhamente, já quase não sinto dor, apesar da agulha continuar a trabalhar em minha pele.
Por um instante, desejo ardentemente uma dose de conhaque, talvez duas, para aliviar a tensão e amortecer qualquer desconforto remanescente. No entanto, duvido seriamente que ela tenha alguma bebida do tipo, ou mesmo algo mais forte.
Ela parece ser do tipo de mulher "certinha", alguém que provavelmente odiaria qualquer coisa que pudesse desviar sua índole. Enquanto essa ideia passa pela minha mente, continuo a observá-la, admirando sua habilidade, mesmo enquanto minha mente vagueia por pensamentos menos pertinentes à situação atual.
Olho mais uma vez ao redor, observando o quarto arrumado em que estamos, um contraste notável em relação ao quarto em frente.
Lá, uma verdadeira bagunça reina, com roupas jogadas no chão e o banheiro completamente inacessível. É como se dois mundos distintos coexistissem lado a lado. Com tudo o que está acontecendo, sinto uma pontada de sorte por ter encontrado uma estudante de enfermagem disposta a ajudar, mesmo que isso tenha exigido um pouco de incentivo.
~ Tenho alguns analgésicos ~ Ela se afasta de repente, abrindo a primeira gaveta do móvel ao lado da cama, pegando uma cartela de comprimidos, destacando dois ~ Precisa tomar ~ Olho para as sua mão, hesitando ~ Ou não. Mas vai ter que lidar com a dor.
Pego os comprimidos bruscamente com um suspiro.
~ Tem conhaque? ~ Ela franze o cenho, como se não tivesse entendido ~ Uísque? Alguma cachaça quente? ~ Ela balança a cabeça de um lado para o outro devagar ~ Vinho?
Ela ergue as sobrancelhas.
~ Deve ter um pouco do vinho que Luíza abriu ontem a noite ~ Ela se mexe inquieta ~ Mas eu vou ter que ir até a cozinha.
~ Nós vamos ter que ir até a cozinha ~ Reformulo a frase, levantando com dificuldade da beirada da cama, para não romper os pontos.
Ela anda à minha frente enquanto mantenho a arma apontada em sua direção. Cada passo é um desafio, especialmente ao descer os degraus da escada.
Depois de virar à esquerda, passamos por um cômodo com uma mesa de seis cadeiras antes de entrar na cozinha. Observo enquanto ela se dirige à geladeira e retira de lá uma garrafa de vinho pela metade.
Ela estende a garrafa ao se aproximar, e não hesito em tomar os comprimidos com o vinho branco, fazendo uma careta enquanto me pergunto quem poderia gostar de vinho branco.
Mesmo assim, o líquido ajuda a aliviar a tensão que se acumula em mim, oferecendo um breve momento de conforto em meio ao caos que me envolve.
~ Você só precisa tomar mais dois daqui há oito horas durante uma semana e vai ficar bem ~ Ela me estende dessa vez a cartela com comprimidos ~ Os pontos se manter higienizados, poderão ser retirados daqui há quinze dias.
Ouvi todas as recomendações, presumindo que ela esperava que depois de terminar, eu agradecesse pelo o que havia feito e deixasse a casa. Contudo, precisava pensar no que iria fazer, havia sofrido uma emboscada, não sabia o por quê ou quem estava por trás, só sabia que tentaram me matar e que tinha que tomar providências a respeito disso.
~ Pode me lembrar da outra rodada de remédios daqui a oito horas.
Ela inclina a cabeça para o lado confusa.
~ Você... não vai embora? ~ pergunta baixo.
~ Não por agora e espero que esteja tudo bem ter um colega de quarto esta noite.
~ Vai dormir no meu quarto?! ~ A voz dela sobe um nível, quase se tornando estridente.
~ Preciso ter certeza que não irá ligar para a polícia.
~ Não irei!
Dou um passo na sua direção, estreitando os olhos, abaixando por um momento a arma.
~ Não é nada pessoal, mas não confio em você.
O queixo dela treme e os olhos lacrimejam, como se estivesse com medo de algo. De mim.
~ E eu deveria confiar em você?
~ Não vou matar você. Se é isto que quer saber e também não fiz nada contra a sua amiga, só preciso de algumas horas para resolver algumas coisas ~ Hesitante, ela assenti, colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha ~ Vai ficar tudo bem, Lorena ~ Ela me olha no mesmo instante.
~ Você sabe meu nome ~ murmura, assustada.
~ Tive tempo de descobrir muitas coisas ~ Ela pisca algumas vezes, afastando as lágrimas dos olhos ~ Então... ~ Suspiro ~ Tem alguma coisa para comer?
Ela coça a lateral da cabeça.
~ Eu... acho...
~ Sem pressa ~ Sento na cadeira mais próxima, apoiando a arma no meu joelho, a mantendo na direção dela ~ O que tiver na geladeira serve.
Ela se vira novamente para a geladeira, passando alguns segundos encarando o interior, antes de pegar algumas coisas e colocar em cima da mesa. Observo atentamente cada movimento, tentando lembrar a última vez em que estivesse em uma situação parecida, depois de um dia exaustivo de trabalho.
Minha ex-esposa não era adepta a cozinha, muito menos a limpeza, mas aprendi a não me importar com isto, mesmo sentindo falta em vê-la cozinhar para mim.