Era inacreditável, mas estava cozinhando para um homem que invadiu a minha casa e que mantinha uma arma na minha direção.
~ O cheiro está ótimo ~ Ele comenta de repente, me fazendo olhar para ele por cima do ombro.
~ É uma refeição que faço quase todo final de semana ~ Volto minha atenção para a pia, aonde minhas mãos trabalhavam com agilidade. Sempre tive a impressão que trabalhava melhor sob pressão e agora tinha certeza disso ~ Macarrão com carne moída.
~ Por um momento achei que iria dizer com frango assado ~ Franzo o cenho, olhando novamente para ele, percebendo que sorria ~ Minha mãe cozinhava isto aos domingos.
~ Cozinhava? ~ Ele ergue o olhar, encontrando os meus ~ Ela morreu?
Ele balança brevemente a cabeça.
~ Ela está bem viva se quer saber.
~ ... não seria então melhor ligar para ela e dizer que está bem? ~ Não penso muito na pergunta e quando dou conta, percebo o quão idiota soava.
~ Está tentando me expulsar? ~ Respiro pelos lábios entre abertos, ao olhá-lo com mais atenção. Parecia que já tinha ido ali várias vezes e que éramos íntimos, isto pelo modo que estava sentado, as pernas separadas e um dos braços apoiados nas costas da cadeira, tirando o fato é claro, que mantinha uma arma apontada na minha direção.
Volto minha atenção para o escorregor de macarrão, tentando pensar em uma resposta plausível, já que estava na mira de um possível criminoso.
~ De jeito algum ~ murmuro.
Termino de preparar o molho para o macarrão, deixando os aromas ricos e reconfortantes se espalharem pela cozinha. Sinto o calor suave que emana da panela enquanto mexo o molho com cuidado, garantindo que todos os ingredientes se misturem harmoniosamente.
Com um suspiro de satisfação, desligo o fogão e me viro para a próxima etapa.
Ando até o armário, deliberadamente escolhendo um prato que combina com a refeição que preparei. Com cuidado, coloco-o na mesa, posicionando-o estrategicamente na frente do meu "hóspede". Os talheres são dispostos ao lado do prato, cada peça cuidadosamente alinhada, pronta para ser utilizada.
~ Quero que se sente e coma comigo ~ diz ele de repente, hesito em frente a mesa por um momento, antes de pegar outro prato.
A travessa de macarrão fica entre nós, me sentando na frente dele por último.
~ Posso servir você? ~ pergunto sustentando seu olhar.
~ Por favor.
Coloco uma porção generosa no prato, ele inspira o vapor que saia do prato com um leve sorriso no rosto, antes de pegar o garfo ao lado e começar a comer. Havia uma espécie de bolo na minha garganta, incômodo, e por mais que o cheiro da comida estivesse maravilhoso e que abrisse o apetite de qualquer pessoa, não conseguia sentir fome o suficiente para colocar aquela comida na boca.
Nunca tive tido uma arma apontada para mim, já tinha ouvido relatos de assaltos, mas nunca presenciei um.
Mas como dizem, há uma primeira vez para tudo e um criminoso me escolheu entre diversas outras pessoas naquela noite.
Mastigo devagar, ignorando a ânsia de vômito. Tento não fixar meu olhar no homem em minha frente, que devorava a comida em seu prato em poucos segundos.
~ Pode repetir ~ digo de repente, atraindo o olhar dele que, por sinal eram belos olhos de cor avelã ~ Claro, se quiser.
Ele pega o pegador, se servindo de mais um pouco.
Após terminarmos a refeição em silêncio, observo enquanto ele tomava o restante do vinho direto da garrafa, sem proferir uma única palavra. Seus olhos fixos em mim enquanto lavava a louça e organizava a cozinha para o dia seguinte.
Seguimos de volta para meu quarto, ele atrás de mim. Apesar do desejo de limpar o rastro de sangue que ele havia deixado pela casa, decidi que isso deveria esperar até as coisas se acalmarem. Comecei pelo meu banheiro, consciente de que aquela era a única parte da casa onde poderia limpar naquele momento.
Ao finalizar a limpeza do banheiro, meu olhar caiu sobre ele e percebi que ainda estava vestindo a camiseta social branca, ainda manchada e imprópria para uso. Ruminando sobre o que fazer, vasculhei meu guarda-roupa em busca de uma alternativa. Por sorte, encontrei um blusão grande o suficiente para ele vestir.
Ele encara os gatos estampados na frente do blusão rosa, desviando o olhar para mim.
~ Ganhei de aniversário ~ digo sem perceber, como se devesse uma explicação para ele.
~ Você não parece gostar de rosa.
~ E não gosta, mas foi um presente.
Ele ergue as sobrancelhas, começando a desabotoar a camisa, deixando aos pouco a mostra um abdômen definido com direito a gominhos e um peitoral firme.
~ A pessoa deveria ter sido mais atenta ao que gosta.
Coloco uma mecha de cabelo atrás da orelha.
~ Luíza não é muito atenta.
Com dificuldade ele veste o blusão e apesar de querer ajudá-lo por causa dos pontos, me detive, continuei no mesmo lugar, paralisada, o olhando com atenção.
~ Vou tomar banho ~ Anuncio, andando em direção da porta do banheiro.
~ Estarei aqui ~ diz ele pouco antes de eu fechar a porta. Solto o ar dos pulmões quando a porta se fecha, inspirando e expirando, me aproximando do lavatório e encarando meu reflexo no espelho.
Uma expressão assustava estava estampada em meu rosto, a medida que minhas mãos seguravam com força as bordas do lavatório, forçando uma calma que já havia se extinguido dentro de mim no momento em que percebi o que estava acontecendo ali.
Quando tive a certeza que poderia voltar para o quarto, tomei um banho, talvez um dos mais longos da minha vida e não tenho dúvida que ele percebeu isto. Entretanto, ao sair do banheiro, o encontro em uma cama improvisada no chão, uma das mãos repousando sobre o peito, enquanto a outra segurava ainda a arma.
Sem fazer qualquer ruído, ando em direção da minha cama, meu corpo se deitando rígido no instante seguinte.