Josie hesita por um momento em frente ao banheiro antes de se dirigir para a cama. A fragrância do sabonete logo alcança meu nariz, e por um instante me vejo inspirando profundamente, preenchendo meus pulmões com aquele perfume reconfortante.
Leva algum tempo até que tenha certeza de que ela está dormindo. Com mais dificuldade do que esperava, me levanto do chão e me aproximo da janela, encarando a rua vazia e ouvindo os poucos latidos de cães ao longe.
Lá fora, parece não haver ninguém me seguindo, ao contrário do meu celular, que exibe várias chamadas perdidas da minha mãe e do meu padrasto.
Guardo o aparelho novamente no bolso, me aproximando da cama e observando com atenção a mulher deitada sob o cobertor até o queixo, como se estivesse temerosa de que pudesse fazer algo com ela.
Não deve ser todo dia que um traficante de armas invade sua casa e a mantém sob a mira de uma arma, sem saber que esta nem sequer está carregada. Eu não sou um assassino de inocentes, e ela fez algo que duvido que outra pessoa faria na mesma situação.
Me sentia agitado demais para voltar para minha "cama" feita de cobertores no chão, então decidi andar mais uma vez pela casa, apenas para garantir que não estava colocando a vida dela em perigo e que as pessoas que estavam atrás de mim não haviam me seguido até ali.
A casa estava silenciosa, ou quase, devido aos eletrodomésticos que zumbiam. Fora isso, tudo parecia aparentemente normal, inclusive a rua, depois de uma segunda olhada.
Depois dessa rápida "ronda", volto para o quarto, encontrando-a no mesmo lugar. Deito novamente, encarando o teto escuro do quarto, cedendo aos poucos ao sono que me dominava. Mesmo com todas as preocupações e incertezas, a exaustão finalmente toma conta de mim, e me permito ser levado pelos braços do sono, ainda consciente do perigo iminente, mas incapaz de resistir ao cansaço que me envolve.
Meu sono é inquieto, assombrado pelos eventos recentes que se repetem incessantemente em minha mente. Sinto todas as dores novamente, e em um momento de agonia, acredito que meu abdômen está sendo retalhado pela lâmina do meu agressor.
Acordo abruptamente, o coração batendo descontroladamente, e num impulso de sobrevivência, aponto a arma em direção à cabeça de Josie, que está próxima a mim.
Meus olhos se arregalam de pânico ao perceber a cena que criei. Minhas mãos tremem, e a arma parece pesar uma tonelada. Em um instante de lucidez, percebo que ela não representa ameaça alguma naquele momento.
Respiro fundo, lutando para controlar o tremor em minha voz, enquanto baixo lentamente a arma
~ Desculpa ~ Peço desculpas, envergonhado e atormentado pela violência de meus próprios pensamentos.
~ Analgésico ~ Ela murmura, colocando em minha mão dois compridos, a expressão ainda mais assustada.
Em seguida, ela vai até o banheiro, voltando poucos instantes depois com um copo com água. Ela espera eu tomar os remédios e beber boa parte da água, antes de voltar para a cama.
~ Não queria assustar você.
~ Está tudo bem ~ diz no mesmo instante, deitada de barriga para cima, segurando com força o cobertor ~ Estava tendo um pesadelo?
~ Quase isso.
~ Não sabia se estava com dor ou se era outra coisa, tentei acordar você mas, acho que acabei piorando a situação.
~ Não tem problema ~ Meus olhos voltam a se fixar no teto, enquanto minha mente revive mais uma vez o que aconteceu.
Havia tido mais uma reunião, dessa vez com os irlandeses, negociando as melhores armas do mercado. Precisávamos de compradores, e o negócio era promissor. Estava voltando para casa quando carros nos fecharam. Os disparos vieram sem aviso algum, e antes que eu pudesse entender o que estava acontecendo, estava atirando para sobreviver.
Era como se eles soubessem exatamente onde estaria, e na primeira oportunidade que tiveram, conseguiram me ferir. A faca que brilhava à luz da lua era para causar ainda mais estragos, mas consegui me livrar do homem que a empunhava e corri, sem rumo, sem ideia de onde poderia me esconder.
A primeira casa que encontrei parecia vazia, então entrei, esperando encontrar abrigo temporário. Rapidamente, busquei algo para estancar o sangue que escorria de mim, procurando desesperadamente uma maneira de remover a bala que tinha certeza estar alojada em meu corpo, antes que fosse tarde demais.
~ O que aconteceu com você? ~ A voz de Josie corta o silêncio ~ Fugiu da prisão?
Uma breve risada escada da minha garganta.
~ Não estava preso.
~ Briga de gangue?
~ Não sei dizer.
Ela se vira de lado, apoiando a cabeça na mão.
~ Não sabe dizer ou não quer dizer? ~ Meus olhos encontram os seus e para alguém que tentava esconder o nervosismo, era mais corajosa do que pensava.
Suspiro por fim.
~ Não sei dizer.
~ Então você é de uma gangue.
~ Quase isso ~ Ela franze levemente o cenho ~ Sou traficante de armas.
~ Oh ~ Sua voz soa devagar, como se começasse a entender o que estava acontecendo ~ Tentaram matar você.
~ Tenho quase certeza que sim.
~ E acho que já suspeita de alguém ~ Supõe.
Ergo as sobrancelhas, ciente de que tinha algumas teorias, nenhuma concreta, precisava de provas para agir. No meu mundo, não podia fazer uma retaliação sem a certeza, isto poderia gerar consequência irreversíveis e destruir tudo o que tínhamos construído até aquele momento.
Mas quem quer que fosse, iria encontrar, e fazer pagar pelo o que havia feito.
Josie deita novamente, voltando para sua posição inicial, permitindo que o sono se aproximasse de nós dois, os barulhos que vinham do lado de fora da casa eram minímos, quase suaves, e contribuíam para pegarmos novamente no sono e esquecer temporariamente do por quê estávamos juntos naquela noite.
E eu tinha quase certeza que Josie esperava não me ver ali na manhã seguinte, para ser sincero, nunca mais.