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Com dificuldade, Eduardo abriu os olhos, mas assim que a claridade do dia penetrou em sua visão, ele os fechou imediatamente, sentindo como se sua cabeça fosse explodir.
- Nunca mais eu bebo... quer dizer, não assim!
Ainda de olhos fechados ele sentiu quando uma pequena mão tocou o seu peito e se assustou.
- Felícia!
Ao vê-la deitada ao seu lado, sentiu seu sangue ferver e a dor de cabeça se intensificar.
- O que faz aqui? - gritou e seu grito a despertou.
- Até que fim! - se sentiu aliviada por finalmente estar livre dos braços dele.
- Quem te deu permissão para dormir nesse quarto?
Eduardo olhou para seu corpo e se sentiu aliviado ao notar que estava vestido.
- Não se preocupe, não aconteceu nada!
Ela se retirou do quarto mais preocupada com a dor que estava sentindo em suas costas do que com o que ele poderia ou não dizer.
- Menina? - Elô se espantou ao vê-la sair do quarto de Eduardo.
- Bom dia, Elô! Tem algum remédio para dor muscular?
- Tem! Espera, vou buscar!
Sem perguntar nada, Elô retornou até a dispensa em busca de um relaxante muscular.
Os dias foram se passando e conforme eles iam passando o relacionamento de Felicia e Eduardo não evoluía, muito pelo contrário, eles quase não se viam. Eduardo sempre se recusava a fazer qualquer refeição ao lado de Felícia e quando estava em casa passava a maior parte do tempo preso no escritório resolvendo problemas do trabalho.
- Que tédio! - dizia enquanto olhava para a parede de seu quarto.
- Será que se eu for em casa, mãe vai me receber? - se questionava enquanto pensava que seria bom ela pegar o seu material de desenho.
- Uma hora eu vou ter que ir! - pensou enquanto descia as escadas decidida a ir a sua casa - Elô, pede para o motorista preparar o carro que irei na casa da minha mãe.
Em frente a sua antiga casa, Felícia sentia receio se deveria ou não descer do carro, se ela soubesse que sua mãe a receberia daquela forma não teria ido.
- O que faz aqui? - perguntou sua mãe com raiva.
- Eu vim vê-la e buscar os meus materiais de desenhos... mas vejo que não é uma boa hora.
- E quando seria uma boa hora, Felícia, depois de ter tomado o noivo da sua irmã.
- Mãe, a senhora...
- Não me chame de mãe... por sua culpa sua irmã foi embora de casa.
- O quê?
- Ela disse que precisava viajar para esquecer o que você fez a ela... ela foi embora por sua causa... então pega a porcaria dos seus materiais e esqueça que tem uma mãe.
Felícia ainda pensou em insistir, mas desistiu ao pensar que aquele não seria o momento certo.
De volta a sua casa, a jovem entrou em sua residência segurando fortemente os seus materiais contra o seu peito tentando conter as lágrimas.
- Aconteceu alguma coisa, menina?
- Hum? - Felícia não havia notado a presença de Elô a sua frente.
- Não! - respondeu indo em direção às escadas, mas antes que pudesse subir virou-se e perguntou:
- Temos ingredientes para fazer bolo?
- Depende do tipo de bolo que você deseja...
- Bolo de cenoura com cobertura de chocolate.
Este era o bolo favorito de Felícia, o qual seu pai costumava fazer quando era criança.
Enquanto ralava a cenoura, Felícia refletia sobre como sua vida havia se tornado caótica e mantinha a esperança de que esse bolo lhe trouxesse a mesma sensação reconfortante que costumava sentir ao saborear.
Assim que o bolo foi feito, ainda quente e tentador, Felícia não pôde resistir e cortou um generoso pedaço, ignorando completamente a necessidade de esperar esfriar. Com cuidado, levou o pedaço fumegante para o seu quarto, onde um mundo de recordações a esperava.
Sobre a cama cuidadosamente arrumada, espalhou uma série de folhas de papel, cada uma adornada com desenhos meticulosamente detalhados de sobremesas. Eram suas criações, uma espécie de galeria particular de memórias culinárias que ela havia feito ao longo dos anos. Cada traço era uma pequena cápsula do tempo, capturando momentos felizes e doces que ela compartilhou com seu pai.
A arte era sua terapia, um refúgio seguro que a ajudou a enfrentar a dor da perda quando seu pai partiu, permitindo-lhe sentir sua presença em cada traço de lápis e pincelada de cor. Era como se, ao desenhar suas sobremesas favoritas, ela pudesse manter viva a conexão especial que tinha com ele, mantendo-o perto mesmo quando parecia estar distante.
Por mais que ela fosse boa em fazer bolos, o que ela havia feito não lhe trouxe a sensação que ela desejava.
Cansada de permanecer confinada em seu quarto, Felícia desceu as escadas, encontrando-se face a face com Eduardo, cuja expressão já entregava o conhecimento sobre a viagem de Natália. Para evitar conflitos iminentes, ela desviou o olhar dele.
- O senhor vai querer jantar agora? - perguntou Elô ao encontrá-lo próximo à sala de jantar.
- Irei! - Eduardo respondeu de maneira breve, sem acrescentar mais nada, dirigindo-se silenciosamente até a mesa posta na sala de jantar.
Felícia, como de costume, optou por comer na cozinha, deixando Eduardo para jantar sozinho.
- Quem fez esse bolo? - perguntou Eduardo, notando que o sabor lhe era familiar.
- Não é do seu agrado, senhor? - Elô perguntou, com uma ponta de apreensão em sua voz.
- É que senti uma certa nostalgia ao saboreá-lo.
- Deve ser porque foi sua esposa quem fez... - comentou inocentemente, sem imaginar a reação que suas palavras causariam em Eduardo.
Ao ouvir que o bolo que tanto o agradou foi feito por Felícia, Eduardo devolveu o pedaço que estava em sua boca ao prato e disse:
- Descarte este bolo imediatamente e nunca mais me sirva qualquer coisa que aquela mulher tenha feito!
- Mas, senhor...
- Não entendeu, senhora Elô! - interrompeu ele, com sua expressão ainda mais séria.
Obedecendo à ordem de seu patrão, Elô dirigiu-se à cozinha com o bolo na mão, seu coração pesando com a tarefa desagradável que lhe fora atribuída.
- O que foi? - perguntou Felícia, percebendo a estranheza no comportamento de Elô.
- O senhor Eduardo... - Elô hesitou, sem coragem de revelar a ordem cruel que recebera.
- O que aconteceu com ele? - a preocupação se instalou no rosto de Felícia.
- Ele mandou jogar o bolo no lixo!
- Quem ele pensa que é para jogar no lixo algo que eu fiz? - a raiva fervilhou dentro de Felícia, uma emoção que ela tanto tentou evitar.
Determinada a confrontar Eduardo, Felícia caminhou até a sala de jantar, mas ele não estava lá. Com passos firmes, dirigiu-se às escadas e subiu, parando diante do quarto dele.
- Quem te deu permissão para entrar no meu quarto? - Eduardo perguntou, surpreso ao vê-la entrar repentinamente.
- Por que mandou jogar o meu bolo no lixo?
- Ah, é por causa daquela porcaria? - Eduardo tirou a camisa, ficando apenas de calça diante dela.
- Porcaria? - Felícia estava incrédula com tamanha crueldade. Como alguém poderia ser tão insensível? Como alguém poderia chegar a esse ponto de desrespeito?
Olhando ao redor, ela avistou o relógio que ele usava com frequência, então o pegou e, com toda a sua força, o arremessou ao chão. O relógio se partiu em vários pedaços, ecoando o som de sua própria fúria, que fez com que Eduardo liberasse toda a raiva que estava guardando.
- O que você pensa que está fazendo? - ele gritou, segurando-a firmemente pelo braço.
- Me solta, Eduardo! Me solta! - ela gritava, tentando desesperadamente se libertar de seu aperto, mas ele a segurava com tanta força que era quase impossível escapar.
- Vai me bater? - ela o encarou, fixando seus olhos nos dele.
- Tá louca! - ele a soltou, surpreso pela sua própria reação.
- Talvez eu esteja! As palavras de Felícia cortaram o ar como facas afiadas, sua voz carregada de angústia e desespero ecoou pelo ambiente.
Sentindo uma pressão contra seu peito, Felícia deu alguns passos para trás, mantendo uma certa distância de Eduardo, antes de continuar:
- Me casei com alguém que não amo, minha mãe me expulsou de casa, minha irmã me odeia... e sabe o que é pior? Por algo que eu sequer me lembro.
Cada palavra dita era como uma gota de dor que havia se acumulado com o tempo, explodindo em um desabafo que ela tanto adiou.
Todo o seu corpo tremia diante de Eduardo, que apenas permanecia parado, ouvindo-a em silêncio.
Sentindo suas pernas prestes a falhar e temendo que sua coragem a abandonasse naquele momento crucial, Felícia se dirigiu até a porta, parando diante dela e disse:
- Por que eu tenho que ser a única culpada, quando foi você que passou a noite no meu quarto? Por que eu tenho que ser a única vilã?
Felícia se virou, olhando diretamente para Eduardo, sua voz embargada enquanto terminava:
- A primeira vez de uma mulher é importante, mas Eduardo, eu sequer me lembro da minha.