Carregando sua mala de rodinhas pela escada estreita, Zaira parou em frente à porta 204. Estava prestes a conhecer Rhysand, o colega de quarto com quem dividiria o apartamento. A corretora o descrevera como "tranquilo", um homem mais reservado, e isso jå a deixava curiosa. Zaira sempre estivera cercada de pessoas expansivas, barulhentas e dominadoras. Como seria conviver com alguém tão diferente?
Ela girou a maçaneta devagar e entrou. O aroma suave de cafĂ© e o som de uma mĂșsica clĂĄssica criavam um ambiente surpreendentemente aconchegante. Livros estavam espalhados por toda parte - empilhados no chĂŁo, nas mesas, ocupando as prateleiras atĂ© o teto. Rhysand estava sentado no sofĂĄ, imerso em um livro, tĂŁo concentrado que sequer percebeu sua entrada.
Zaira o observou por um momento antes de falar. Ele era diferente. Tinha algo... introspectivo, quase etĂ©reo. Seu cabelo escuro caĂa descuidadamente sobre os olhos, e ele vestia uma camisa de flanela que parecia nunca ter visto um ferro de passar.
- Oi? - Sua voz ecoou no ambiente, fazendo Rhysand levantar os olhos lentamente. O olhar que ele lançou a Zaira foi direto, quase analĂtico, como se estivesse tentando decifrĂĄ-la da mesma forma que decifrava os personagens de seus livros.
- Zaira? - Ele perguntou, com a voz rouca e um leve sorriso no canto dos lĂĄbios. - A nova colega de quarto.
- Isso mesmo - ela respondeu, um tanto nervosa, mas mantendo o charme que era quase automĂĄtico para ela. - E vocĂȘ Ă© o... Rhysand?
Ele assentiu, marcando a pågina de seu livro com um movimento casual e se levantando. Ao se aproximar, Zaira notou sua altura e a forma como ele parecia sempre confortåvel, como se o mundo ao seu redor não fosse capaz de incomodå-lo. Um contraste direto com a agitação constante que definia sua vida.
- Espero que nĂŁo se importe com o caos de vez em quando - Zaira disse, tentando aliviar o clima. - Minha vida Ă©... um pouco corrida.
Rhysand deu um leve sorriso, observando-a com um misto de curiosidade e tranquilidade.
- Contanto que o caos nĂŁo derrube meus livros, acho que posso sobreviver.
A resposta dele a surpreendeu. Ele nĂŁo era o tipo de cara que tentava impressionar ou se exibir - algo com o qual Zaira estava acostumada. Rhysand parecia completamente Ă vontade em sua prĂłpria pele, como se estivesse mais preocupado com o que estava acontecendo nas pĂĄginas que lia do que com o que os outros pensavam dele.
Enquanto Zaira começava a explorar o apartamento com o olhar, seus olhos caĂram em uma pilha de livros ao lado de uma poltrona desgastada.
- VocĂȘ lĂȘ bastante, nĂ©? - Ela perguntou, fingindo surpresa, mas curiosa para saber o que ele diria.
- Isso Ă© uma forma educada de dizer que sou um nerd? - Ele perguntou com um leve sorriso no canto dos lĂĄbios, os olhos brilhando com um humor discreto.
Zaira riu pela primeira vez em dias.
- Talvez. Mas eu estou mesmo curiosa. Qual é a graça de se perder em tantos livros?
Rhysand fez uma pausa, pensando na resposta.
- Cada histĂłria Ă© uma janela para um mundo diferente. Ăs vezes, a ficção te ajuda a entender a realidade de formas que a prĂłpria realidade nĂŁo consegue.
A resposta dele a pegou de surpresa. Havia profundidade naquele homem que parecia tĂŁo simples Ă primeira vista. Zaira sempre fora cercada por superficialidade - a indĂșstria da moda cobrava isso - mas Rhysand era diferente. Ele via o mundo de uma forma que ela nĂŁo estava acostumada.
- Interessante... - murmurou, sentindo-se desafiada de alguma forma.
Antes que pudesse continuar, Rhysand fez um gesto com a mão em direção à pilha de livros.
- Quer uma recomendação?
Zaira hesitou por um segundo, surpresa com a oferta.
- Por que não? - respondeu com um sorriso. Não sabia se era uma tentativa de se aproximar ou apenas uma curiosidade, mas queria ver até onde aquela conversa os levaria.
Rhysand escolheu um livro do meio da pilha, analisando a capa por um momento antes de entregĂĄ-lo a Zaira. Ela pegou o livro, sentindo o peso em suas mĂŁos e o cheiro de papel antigo que escapava das pĂĄginas.
- Eu li esse quando estava passando por um momento complicado - Rhysand comentou, de forma quase casual. - Talvez te ajude a ver o mundo de outra forma.
Zaira olhou para o livro com um misto de curiosidade e incerteza. Nunca ninguĂ©m havia recomendado algo com tanto significado pessoal para ela. Aquele pequeno gesto parecia ser mais profundo do que qualquer conversa que jĂĄ tivera com as pessoas do seu cĂrculo social.
- Vou dar uma chance - disse, com um sorriso leve, ainda processando o que aquela troca significava.
Rhysand se afastou e voltou ao sofå, pegando seu próprio livro de onde parara. Enquanto ele retomava a leitura, Zaira deixou-se cair no sofå ao lado dele, ainda segurando o livro nas mãos. Algo naquele lugar a acalmava, e ela se permitiu relaxar, afastando por um instante as preocupaçÔes que trazia consigo.
Ali, no meio dos livros, no silĂȘncio reconfortante daquele apartamento modesto, Zaira se perguntou se aquele talvez fosse o inĂcio de algo mais do que apenas uma nova fase de sua vida profissional. Talvez, ali, ela pudesse finalmente descobrir mais sobre si mesma - e, quem sabe, sobre Rhysand tambĂ©m.