/0/1308/coverbig.jpg?v=8456c2dc95537fc5486dcde64c8b63a1)
O tempo passou, Natali está se transformando em uma bela mulher. Quase um ano havia se passado da morte de Jairo. Daniel se tornara seu melhor amigo, conversavam bastante. Ela agora com quinze anos, o desejo de vingar a morte de Jairo parece ter sido guardado e esquecido em alguma gaveta do seu coração.
Edson, o padrasto dela, também havia mudado muito. Não para mais em emprego nenhum, vive de fazer um serviço aqui outro ali. Quando aparece, o dinheiro que ganha é só para beber. Se tornara praticamente um alcoólatra. Joelma agora trabalha fora pra poder ajudar. A vida se tornara dura, mas ainda conservava muita beleza.
Edson, quanto mais ociosidade tem, mais enche a cara, muitas vezes é carregado pra casa pelos amigos de bar.
Joelma sente falta do homem que conhecera no passado. Era dedicado à família, mesmo os filhos não sendo dele. Sempre os tratou como se fossem seus, mas depois da morte de Jairo ele se transformara, era outro homem, totalmente irresponsável, as vezes até depravado.
Joelma sai cedo para trabalhar, já são quase meio dia, ela não está se sentindo muito bem e pede permissão pra sair mais cedo. Na parte da manhã, somente Natali fica em casa, os outros estudam nesse período.
Joelma chega em casa sem fazer barulho, qualquer barulho aumenta a dor de cabeça. Ela tem o pisar muito leve, quando abre a porta e olha pra cima do banheiro - o único lugar que tinha forro na casa - e toma um susto quando vê Edson em cima do forro, ele se assusta mais ainda:
– O que você tá fazendo aí cima, homem?
– Acho que vi um rato aqui em cima.
Edson desce com muita pressa:
– Conseguiu matar ele?
– Não, ele foi muito rápido.
– Depois tem que colocar uma ratoeira lá.
– E você, mulher, o que houve pra chegar cedo em casa?
– Estou sentindo uma dor de cabeça muito forte, pedi pra ser dispensada hoje.
– Mãe, a senhora já chegou?
Era voz de Natali dentro do banheiro.
– Sou eu, filha, saí mais cedo.
– Que bom, mãe!
– Você tá tomando banho, filha?
– Sim, mãe!
– Tem muito tempo que você está no banho?
– Uma meia hora, por que, mãe?
– Nada não, filha, é só pra saber.
– Eu já estou saindo!
Natali, depois de alguns minutos, sai do banho enrolada numa toalha, mostrando suas costas nuas e suas coxas:
– Oi, mãe, a senhora tá bem?
– Só uma dor de cabeça forte, por isso cheguei mais cedo.
– Tome um banho e vá deitar, vou me arrumar, depois faço um chá pra senhora.
Natali vai para o quarto se arrumar. Edson ainda está sentado na cadeira, a que lhe serviu de apoio pra ele subir até ao forro do banheiro. Joelma olha para ele com cara de poucos amigos, mas sem proferir palavra alguma, apenas pensa consigo mesma que algo muito estranho estava acontecendo em sua casa, e falou:
– Estou me sentindo meio cansada, vou tomar um banho e me deitar.
Edson fica na sala, depois sai para dar uma volta, quem sabe fazer uma visita ao bar. O dia passa, mas Joelma não tira aquela cena da cabeça...Edson em cima do forro do banheiro, bem na hora que Natali tomava banho..., mas logo tudo se segue normalmente.
Alguns dias se passaram e chega ao final de semana. Os meninos haviam saído pra brincar na rua, Edson também foi fazer sua visita habitual ao bar, estavam em casa somente Joelma e Natali.
Joelma vai até o quintal pega uma pequena escada, leva pra sala, coloca no mesmo lugar que viu Edson em cima do forro, sobe e de lá vê um furo que dava para visualizar o interior do banheiro. Ela chama Natali que está no quarto e pede a ela pra entrar no banheiro e fechar a porta. Natali atende seu pedido, apesar de achar muito estranho. Mais estranho ainda quando Joelma pede:
– Natali, tire a roupa.
– Por que, mãe? Eu não vou tomar banho.
– Não questione, Natali, só tire a roupa.
– Tá bom, mas acho que a senhora não tá muito bem!
Natali tira toda a roupa, Joelma a ver de corpo inteiro, era uma visão plena da nudez de Natali.
– Safado! Safado!
– O que foi, mãe?
– Pode se vestir, minha filha.
– A senhora não tá bem mesmo!
Natali sem entender a atitude da mãe, veste a roupa rapidamente, e sai do banheiro encontrando sua mãe furiosa, falando palavrões sem entendimento, Natali não consegue entender a situação:
– Mãe porque a senhora tá assim? O que a senhora viu? Eu fiz alguma coisa errada?
– Nada não, filha. Estou com muita raiva, depois eu te explico.
Joelma vai para o quarto, talvez para pensar na situação, como resolveria. Nem tirou a escada da sala. Natali, ainda confusa, olha para a escada e resolve investigar o que estava acontecendo. Queria entender a causa de toda a ira de sua mãe, então, decide subir até o forro e de lá ver aquele pequeno furo. Até que descobre que dava pra visualizar o interior do banheiro. Naquele momento ela consegue compreender o motivo de tanta raiva de sua mãe.
Ela se lembrou do episódio do rato que seu padrasto havia perseguido enquanto ela tomava banho e das perguntas que Joelma fez a ela. Liga os fatos e conclui que Edson a "curiava" enquanto tomava banho.
Natali era ainda de uma pureza nunca antes tocada, mas como toda garota de sua idade, já conhecia as malícias da vida. Os pais educam, mas as mídias estragam. Pode depender muito de uma postura dos próprios jovens.
Ela não é de fato tão inocente, conhece as malícias da mente de um homem e uma mulher.
Natali é uma garota precisa em seus pensamentos, tem o conhecimento das coisas, da realidade. Às vezes, chega a duvidar de si mesma, do que seria capaz de fazer para perder toda a sua pureza. Seus pensamentos viajam muito, em fantasias que só ela mesma sabe.
Fica a pensar em toda a situação, sente muito nojo do seu padrasto, um homem que ela tinha como um pai e, agora presenciando atos que ela jamais aceitaria. Nesse momento, o vínculo de pai e filha estavam se rompendo, seu sentimento é de asco.
Passa-se um dia inebriado pelas descobertas dos fatos. Edson, depois de beber bastante, retorna embriagado para casa. Entra e se deita num sofá na sala.
Joelma passa toda a parte da manhã refletindo a situação, pensando como procederia. Ao ver Edson ali, quase apagado, deitado no sofá, todo o refletir da manhã evapora num segundo. Sem pensar mais nada, profere palavrões a Edson, ele sem nada entender, senta-se no sofá.
– Tu tá doida, mulher?
Ela continua chamando-o de safado, idiota e outros palavrões.
– Mulher, eu que bebo e tu que fica bêbada?
– Tu és um safado!
– Mulher, não estou entendendo nada. Você nunca me xinga por eu beber. Pirou, eu não sou safado!
– Não está satisfeito comigo, agora quer minha filha também?
– De que tu tá falando, mulher?
Joelma para de falar palavrões e chora com muita raiva, sua vontade era matar aquele homem. Ele não era mais o homem gentil e amoroso que ela havia conhecido no passado, era um trapo de imundice:
– Edson, eu confiava em você, e agora se revela um homem sem escrúpulos, fazendo coisas que eu jamais imaginaria vindo de você.
– Mulher, tu tá doida mesmo, não estou entendendo nada.
– Hoje descobri o que você anda fazendo...
– O que eu fiz, mulher maluca?
– Você fica curiando minha filha enquanto ela toma banho.
Ele escuta sem reação nenhuma, mas com um certo ar de cinismo.
– Há é isso?
Joelma não se contém, parte pra cima, arranhando o rosto dele. Ele reage dando um soco em Joelma, que cai desmaiada. Natali quando ouve o baque, sai do quarto. aflita. Ela e os irmão ouviram a discussão dentro do quarto, em silêncio. Edson repete desnorteado:
– Em cara de homem não se bate!
Natali vê Joelma caída, desfalecida:
– Seu covarde, você matou minha mãe!
– Você é a culpada de tudo isso estar acontecendo!
– Você vive enchendo a cara, virou alcoólatra, eu que sou a culpada?
– Você só falta ficar nua na minha frente, eu sei que você quer me seduzir
– Você enlouqueceu, eu lhe tenho como um pai, e os meus irmãos e minha irmã também, você me viu crescer.
– Mas agora você é uma mulher!
– Como pode você nutrir desejos por mim, sou como filha para você!
Edson estava dominado pelo álcool, tenta agarrar Natali forçosamente, rasgando sua blusa:
– Eu te amo Natali, eu te amo!
– Você tá louco, fora daqui!
– Essa casa é minha!
Nesse momento, Cristiano e Reinaldo resolvem sair do quarto. Edson se assusta e sai de casa muito rápido. Os dois irmãos ainda não entendiam muita coisa, mas quando viram sua mãe no chão, acharam que ela estava morta.
Toda essa gritaria chama atenção dos curiosos, parece tela de cinema vista dos cantos das janelas.
Reinaldo e Cristiano ficam sem saber o que fazer e, sem nada entender o porquê aquele homem que tinham como um pai estava agindo de uma forma tão diferente. Joelma se recupera, abre os olhos e respira, procurando a presença de Edson. Era primeira vez que ele encostava a mão nela de forma violenta. Joelma sente um pouco de culpa, ela iniciou com violência, tinha perdido o controle de si. Isso não tirava a culpa de Edson, ele estava agindo de forma errada com relação a Natali.
Quando Joelma começa a abrir os olhos, Natali, muito rápida, vai ao quarto e troca de blusa para que sua mãe não se preocupasse mais ainda. Reinaldo pergunta pra sua mãe:
– Mãe, o que aconteceu?
– Nada, filho, é essa bebedeira do Edson... ele está perdendo o controle, está ficando sem limites
Cristiano pergunta:
– Ele bateu na senhora?
– Eu fui culpada, filho. Eu avancei nele, ele se defendeu.
– Mas ele não podia bater na senhora.
– Onde ele está?
– Quando eu e Cristiano saímos do quarto, ele saiu quase correndo de casa. Acho que ele estava com vergonha.
– Onde está Natali?
– Ela foi pro quarto, acho que ele tentou machucar ela.
Natali aparece na porta do quarto, olha para os dois, com o dedo na boca em forma de silêncio pedindo pra que eles não relatassem mais nada. Os irmãos entendem que Natali não queria mais preocupar a mãe. Joelma não percebe.
Anoitece e todos vão dormir.
No dia seguinte, antes de irem a escola, os dois irmãos procuram Natali para saberem realmente o que tinha acontecido. Ela enrola um pouco até que eles desistem, somente confirma o que Joelma já havia falado, Cristiano comenta:
– Mas você estava com sua blusa rasgada, parecia que ele estava tentando te agarrar. Eu o ouvi falar que te amava.
– Não, Cristiano. Foi quando eu o vi dando o soco na nossa mãe. Eu fui pra cima dele, pra defender ela, ele segurou minha blusa, eu puxei, por isso rasgou.
– Mas porque ele dizia "te amo"?
– Ele estava bêbado, não sabia o que estava fazendo, acho que ele pensava que estava falando com a nossa mãe.
Reinaldo pergunta para Natali:
– Onde será que meu pai se meteu?
– Ele deve ter passado a noite bebendo e emendando o dia. Daqui a pouco aparece aqui com cara de arrependido.
Depois dessa conversa os meninos e Neiva tomam café da manhã e vão para escola. Natali se sente satisfeita com as explicações que tinha dado aos seus irmãos, apesar da mentira. Não queria mais causar preocupação a sua mãe, mas agora sente uma culpa inconsciente por ser bonita. Cada palavra que Edson tinha falado, penetrou no seu cérebro, fazendo Natali sentir culpa desejada. Ela pensava que talvez ele tivesse razão. Sem perceber, quando andava de toalha dentro de casa, de alguma forma, estivesse seduzindo-o. Podia ser uma vaidade disfarçada., Natali se culpava.
Os meninos amam Edson como um pai, somente Natali não o chama de pai, não se acostumou por ser a mais velha.
Depois da morte de Jairo, Edson mudara de atitude. Parece que a morte de Jairo o havia afetado profundamente, seu relacionamento com a família tinha se transformado.
O dia passa e todos continuam em suas rotinas habituais. Natali retorna da escola e encontra sua mãe em casa depois de um dia de trabalho:
– Oi mãe, como está a senhora, tá melhor?
– Meu rosto ainda dói, um pouco dolorido. Estou muito receosa...
– A senhora acha que ele ainda vai continuar com essas coisas?
– Quando ele retornar você tem que tomar cuidado, não fique sozinha em casa com ele. Quando os meninos saírem de manhã, vá pra casa da sua prima. Eu não confio mais nele, mas nós temos que aguentar, a casa é dele, e não podemos fazer nada. Não tenho condição de pagar um aluguel, então, o jeito é continuar aguentando-o. Tomara que um dia aconteça um milagre em nossas vidas e não precisaremos mais morar aqui.
– Mãe, acho que ele age assim por causa da bebida. Eu me lembro que ele era um homem bom, se ele parasse de beber, tudo melhoraria.
– Minha filha, você é muito boa. Edson não vai parar de beber, ele está perdendo o juízo, o perigo está aí, perdeu a noção de tudo.
– Não tem outra solução, mãe?
–Talvez eu mude seu horário de estudar, ou mudo os dos meninos, seria uma solução. Todos estudando no mesmo horário pra você não ficar sozinha com ele.
– Se ele pelos menos arrumasse um trabalho permanente...
– Amanhã eu vou resolver essa situação, tudo será resolvido.
Depois de alguns dias, Edson aparece em casa todo sujo, parecendo um mendigo, estava fedendo, porém estava sóbrio. Vai direto ao banheiro e toma um banho. Joelma pega roupas limpas e entrega a ele. Se alimenta como se tivesse a muitos dias sem comer nada. Chama Joelma para uma conversa, mas antes dá um abraço em cada um dos meninos, menos em Natali, ela se retira antes.
Joelma e ele vão para o quarto e conversam. Edson pede perdão por tudo que tinha acontecido, diz que a casa não é dele, e sim, das crianças e dela. Diz que passará a casa para o nome dela. Ele não se lembra de quase nada do que tinha acontecido. Passara vários dias no meio do mato, igual bicho. E uma coisa ele não conseguia mais: olhar para Natali. Toda vez que ela estava junto, ele desviava olhar pro nada, fingia que ela não estava ali. por parte de Natali, era bom esse proceder. Resolvem então, dar mais uma chance a ele.
Depois de um mês, Edson realmente dá uma guinada em sua vida. Desde que retornara a sua casa, não bebe mais. Consegue arrumar um emprego fixo, agora está em harmonia com a família. Menos com Natali, mais parecem dois estranhos morando na mesma casa. Não se falam, só a olha para quando ela percebendo-se distrai. Joelma acha melhor assim, essa falta de intimidade dos dois é, de certa forma, proteção para Natali.
Natali e Joelma, deitadas na cama e conversando, quando do nada, Natali faz uma pergunta para sua mãe:
– Mãe, por que eu não consigo lembrar do meu pai?
– Você era muito novinha quando ele saiu pelo mundo afora.
– Mas, o Jairo lembrava dele, e ele era mais novo do que eu. Eu deveria ter de oito a nove anos quando ele foi embora... não é normal, acho que tive um bloqueio pois, Jairo lembrava dele perfeitamente.
– Natali, eu não gosto de falar do seu pai.
Joelma sente um nervosismo e tenta fugir do assunto que, parece incomodar.
– Mas por que não lembro dele?
Joelma se levanta meia trêmula e sai do quarto com um semblante muito estranho. Natali vai atrás:
– Mãe! Mãe, a senhora tá passando mal?
Ela realmente mudara sua feição devido aquele assunto, parecia uma fuga que, agora veio à tona com lembranças indesejáveis:
– Não, filha, eu não estou bem.
– Foi o assunto do meu pai?
– Não, alguma coisa me fez mal, meu estômago tá doendo.
– Deita aí no sofá, eu vou fazer um chá de camomila pra senhora.
Joelma deita no sofá com um sentimento de lembranças que pensava estarem apagadas, mas agora surgiram todas de uma vez só, como se tudo estivesse acontecido ontem.
Natali acha tudo muito estranho. Sua mãe havia mudado o semblante, estava alegre, conversando e sorrindo. Foi só tocar no assunto do seu pai, que ela mudou completamente. Existia alguma coisa mal contada nessa história. Natali acha estranho não ter lembrança do pai, da memória simplesmente não existir mais.
"Como pode uma criança de oito anos esquecer tudo?" Pensa ela.