Capítulo 5 TRÊS AMIGOS E UMA PAIXÃO

Tudo corre bem, durante alguns meses, Natali completa dezesseis anos, cada dia mais bonita, acaba sempre sendo assediada por alguns rapazes, e pelos olhares de Edson. Passa a estudar no turno da noite, desde a morte de Daniel. A polícia não chegou nem perto de descobrir quem matou Daniel, se tornou um crime sem solução. Natali foi interrogada, mas não acrescentou nada de novo na história, nada que pudesse dar uma clareza para as investigações.

A vida de Daniel foi investigada, pra saber se ele era de alguma gangue, mas nada encontram, e chegam a conclusão que Daniel havia sido assassinado por engano.

Natali se lembra com muito carinho de Daniel. Joelma ainda mantinha a esperança que a amargura desapareceria do coração dela., Natali não desiste da ideia de que seu padrasto quem tinha matado Daniel. E que fez tudo com perfeição.

Às vezes, também quando estava só, com seus pensamentos, lembrava do seu relacionamento com Daniel e, se pergunta se realmente o que ela sentia por ele, era amor. Talvez ele de alguma forma pudesse ter forçado as circunstâncias pra acontecer o namoro.

Deliberar numa relação saudável, é melhor do que forçar as circunstâncias. Errar o alvo com relação à vida, é perder o rumo e não dar conta de retornar.

No início, ela enxergava em Daniel uma grande amizade, mas sentiu a curiosidade de um relacionamento, um gosto pelo desconhecido. Ela tinha um espírito de aventura, talvez seja por isso que seu namoro com ele tenha durado tanto, namorar escondido era o combustível do namoro.

Agora ela já não sente mais tanta falta da sua presença, mas as lembranças são boas, ela pensa que, o amor se resumia no ter, no presenciar. Não existe aquela mágica que toda garota da sua idade sonha, um amor de contos de fadas. Para ela é mais fácil um príncipe virar sapo, com o relacionamento diário, do que um sapo virar príncipe apenas com um beijo.

A necessidade da presença física constante é alma de um relacionamento duradouro e, se foi, acabou... Assim pensava ela.

Na escola noturna, ela procura se distanciar de todos, não se mistura com moças e nem com rapazes, às vezes até faz charme para alguns garotos que chegam com esperança de namoro, mas logo ela os desilude, parece gostar de brincar com os sentimentos.

Mas três rapazes, amigos inseparáveis, lhe chamaram atenção, para eles, tanto faz se ela estava ali ou não, esbanjando beleza. Ela chega a pensar que eles possam ser homossexuais, talvez.

João, rapaz um pouco tímido, parece carregar em seu íntimo um peso que ele mesmo suportara, sabia que um dia teria que resolver.

José, um garoto problemático, havia sido internado várias vezes por problemas de delitos, passara por psicólogos, mas não deu muito certo. Melhorou após fazer amizade com João e Antônio, e, apesar de ser explosivo e temperamental, se dá muito bem com os dois amigos.

Antônio, não tinha muita definição para ele. Talvez fosse meio tudo, meio nada, filósofo, maluco, poeta, na sala de aula só aprende o que quer, era o único aluno que não levava cadernos e nem livros para a escola. Uma eterna briga com a diretoria e com os professores, fazia as provas e sempre era o primeiro da turma nos resultados. Às vezes fala coisas sem sentido, só ele mesmo entende. Conseguia amansar os rudes somente com o poder das palavras.

Natali consegue fazer amizade com essas três peças raras, depois de muita insistência. Antônio é quem mais lhe chama atenção, talvez por nunca notar sua presença. Dava atenção à ela quando queria. Ele prefere enfiar a cara em um livro e viajar dentro dele, em uma das raras vezes que levou um livro pra escola, foi quando ele resolveu ler a história de "Alexandre, o Grande."

Quando Natali o vê com o livro, pergunta:

– Você tá lendo?

– Não, estou devorando, me alimentando.

– Antônio, deixa de ser grosso!

– Minha digníssima, Natali, foi uma metáfora.

– Não gosto que você fale assim.

– Eu também não, mas falo, teimo comigo mesmo.

– Não dá pra você ser mais gentil e menos complicado?

– O que seria da vida, se não fossem as complicações?

– Pois eu preferia a minha sem complicações.

– Seria monótona.

– Acho que seria ótima.

– Tudo que acontece no hoje, são peças de encaixes para o futuro.

– Eu gostaria tanto que você fosse uma pessoa normal.

– Normal eu sou, você que é maluca.

– Eu mereço!

– Deve merecer, alguma coisa você fez no passado, e agora está procurando peças de encaixe do futuro.

– Continue lendo o seu livro, vou procurar o João e o José para dialogar, com você é difícil.

– Tchau, divirta-se.

– Você é muito esnobe, me dá vontade de te encher de porrada.

– Violência gera violência, japonês com japonês no Brasil gera nissei, brasileiro com japonês gera sansei.

– Você é um louco varrido!

– Sansei de alguma coisa ou nissei de nada!

– Meu Deus! Vazei!

Natali sai dali como se não quisesse sair, apesar das loucuras de Antônio, gosta de conversar com ele. Antônio a cativa de alguma forma, talvez, seja seu jeito desinteressado e sem pretensões que faz ela gostar dele. Já o João e José estão sempre procurando uma brecha pra darem em cima dela, mas ela não brinca com os sentimentos deles, sempre finge não perceber. Para ela, é muito importante conservar a amizade.

Antônio para de ler por um instante, depois que Natali sai. Fica pensando na expressão "doido varrido" ... é uma expressão engraçada, e começa a imaginar um hospício cheio de doidos varridos. Sua cabeça funciona a mil por hora. Talvez, todos os doidos tenham se escondido debaixo do tapete ou debaixo da cama, na hora de varrer o hospício, foram varridos juntos e, por um instante, deixam de ser doidos e varridos, chegando à conclusão que é simplesmente varrido de juízo. Mentes com alguma falta das funções essenciais ao funcionamento perfeito do cérebro, restando apenas loucura... Ele ri dele mesmo, em busca da explicação e se pergunta: "Será que sou doido mesmo?"

Natali, depois de dar uma volta, não encontrando João e José, retorna até Antônio. A ironia é que João e José fazia tudo para lhe chamar atenção, e outros garotos também, às vezes, até brigavam entre si para ver quem conseguiria namorar com ela primeiro enquanto Antônio, não está nem aí pra ela.

Ele é totalmente de veneta, sem mais nem menos, tirava tempo pra conversar com ela e ela adorava, parecia que o tempo acelerava quando ele resolvia bater um papo, falava e fazia coisas que prendia sua atenção. Conseguia tirar a alma dela da sepultura, da amargura, se sentia viva, acha tudo isso maravilhoso. Antônio é muito diferente dos outros rapazes, era tachado de doido, até mesmo seu próprio pai o acha esquisito. Era um sonhador, mergulhado nos livros que lia. Tem o poder de mudar tudo ao seu redor apenas com seu jeito de ser. Muda as pessoas para dar o seu melhor, tem o dom da palavra, mas não tem ciência disso.

As pessoas se abrem com ele, sabe dar o conselho certo, quando resolve ser normal, sabe escutar e resolver problemas de uma forma muito simples. É uma boa pessoa, apesar de ser meio maluco.

Enquanto os dois amigos disputam a atenção de Natali, Antônio simplesmente a ignora, mas não somente ela, mas todas as mulheres que se aproximam dele.

Ele é quem decide quando e com quem conversar. Isso parece uma luta para elas, uma conquista inconsciente.

Natali, às vezes tenta saber algo sobre ele, e consegue pouca coisa. Ele não faz o tipo muito aberto, apenas sabiam o que ele mesmo decide revelar, através do seu jeito de ser.

Natali pergunta a ele:

– O que você é, Antônio?

– Sou o que sou, vivo o presente almejando o futuro, tirando lições do passado, para que os erros não sejam repetidos.

Mas enquanto Natali pensa que tinha emplacado uma conversa com ele, ele muda de assunto sem nenhuma explicação:

– Esse mundo é um imenso banheiro sem descarga!

Ela simplesmente balança a cabeça negativamente, até acha graça:

– Você realmente não é uma pessoa normal, Antônio!

– Eu sou mais normal do que você pensa, o resto que está mal situado nesse mundo.

– Você é demais, meu amigo, acho que nunca vou encontrar outro alguém igual a você!

Mais uma vez ele muda de assunto, à revelia:

– Natali, o amor existe para ser sentido e expressado, é entender a si mesmo de uma forma que possamos compreender a pessoa amada em todas suas fases da vida e, mesmo assim, continuar ao lado dela. É uma aceitação, o que muda uma pessoa não são as imposições, mas sim, a forma como você a aceita.

– Você já amou alguém?

– Minha mãe!

– É obvio, sua mãe é normal você amar, eu estou falando de uma mulher em especial, uma garota.

– Acho que não, mas quando acontecer, eu farei para que seja recíproco de maneira natural, se não for assim, não compensa. É amando que se faz sobrar amor.

Natali ri da mudança do sentido da frase:

– A frase não seria: "é amando que aprende a amar"?!

– Na sua frase, na minha é preciso demasia.

– Você realmente é um doido varrido!

– É a segunda vez que você me chama assim...

– Pode ser doido de pedra também.

– Pedra?

– Joga pedra para todos os lados, até na lua e no sol.

– Mas eu não faço isso.

– Meu amigo, é uma força de expressão, mas você é um doido amigo.

Ele volta ao assunto:

– O amor, Natali, não faz sofrer, o que traz sofrimento é o egoísmo, é o amar em busca da recíproca. Amar é se doar, o que passar disso, é obsessão.

Quando os dois amigos de Antônio veem ele conversando com Natali, não têm coragem de atrapalhar o assunto. Mas a todo momento voltam e passam por ele, como se quisessem transmitir um recado do tipo "estamos de olho".

– João, ele não faz nada pra atrair atenção dela e nós fazemos tudo, e não conseguimos nada.

– Pois é, José, ele a troca pelos livros, e ela fica atrás dele.

– Toda mulher parece que é apaixonada por ele, até a professora de português, parece que tá caidinha por ele.

– Mas ela é casada, João.

– Mas ele não tá nem aí, parece que não gosta de mulher.

– Será que ele é?

– Sei não, pergunta pra ele.

– Eu não, depois ele pode vir com um daqueles sermões intermináveis, o que poderia ser uma simples resposta entre o sim ou não, vira um sermão de meia hora. Tenho mais medo dos sermões dele do que uma surra do meu pai.

– Não exagera!

– Mas é verdade!

– Vamos lá, atrapalhar a conversa dos dois.

– Ela não vai gostar.

– Vamos!

Então os dois amigos resolvem se aproximar, mas logo de cara percebem o olhar de reprovação de Natali, porém, não se intimidam e se intrometem na conversa, usando disfarce de aulas perdidas. Antônio não se importa, mas Natali parece chateada. Enquanto os dois conversam com ele, Natali, em silêncio, admira Antônio, sem ele notar ou, simplesmente, ele não se empenha em notar. No coração dela, talvez já estivesse plantada a sementinha do gostar, uma possibilidade de mudança do modo de pensar, talvez, um alívio para tanto sofrimento. Mas isso dependeria exclusivamente dele, se ele realmente a notasse e se interessasse.

Porém, ainda tem que lidar com dois obstáculos, chamados João e José. ela imagina que eles não iriam gostar muito da ideia de Antônio se interessar por ela. Natali gostava deles de verdade, como amigos que nunca tivera em sua vida. Sentia em cada um deles, a presença de Jairo, de formas diferentes.

Mas, acima de todas as coisas, ela teria um outro obstáculo, no qual, era mais difícil lutar contra eles, e seriam os livros que Antônio preferia ao invés dela.

Ela tenta entendê-lo de todas as formas, está realmente gostando mais dele. Não consegue entender esse gostar, na época de Daniel, não era dessa forma, era algo passivo e monótono. Agora era um gostar impetuoso, como se fossem trovões e relâmpagos dentro de si, ao mesmo tempo. Seus pensamentos durante todo o dia, são somente ele, contava os segundos para vê-lo na escola, a noite. Durante o dia, ela trabalhava numa farmácia de manipulação.

Os dias se passam, mas ela não tem, ainda, coragem de se declarar para ele. Por medo de perdê-lo de vez. Assim foram os dias, semanas e meses... Ela o observava muito. Um dia ele a pergunta:

– Por que você me olha tanto?

A pergunta faz Natali ficar sem ação. Treme, mas tira de letra.

– Quem sabe?

Ele, como sempre, nada percebe e vai embora, deixando-a pensando só. Antônio tinha a mania de se afastar sem dar nem ao menos um tchau. Natali, então, imagina seu primeiro beijo em Antônio, é uma vontade quase insana, possivelmente se entregaria a ele. É muito diferente do que ela sentia por Daniel. Com Antônio, um desejo incontrolável de saciar cada instante com ele.

Enquanto Natali segue em seus sonhos românticos com Antônio, Edson permanece feliz com sua vida, está se dando bem com Joelma, mas não esconde seu interesse por Natali, sempre querendo saber dos seus passos, afirma ser preocupação de pai.

O que denota ser uma preocupação, um excesso de amor, pode se transformar em algo doentio.

Ele sempre procura puxar assunto com ela e, por saber de suas verdadeiras intenções, ela sempre evita qualquer tipo de contato, às vezes, age até um pouco de forma áspera com ele. Edson aprendera a ser descarado, mesmo agindo como se fosse cafajeste.

Natali nunca havia convidado Antônio pra ir até a sua casa, o medo ainda era grande. Desconfia de Edson ser um psicopata, um assassino, não tinha desaparecido da sua mente essa ideia. Antônio compreende perfeitamente suas razões por não convidar, mas, José e João, não entendem o motivo pelo qual não os convida para conhecer sua casa. Certa vez, os dois combinaram segui-la para descobrir onde era sua casa, mas Antônio sabia do plano e avisou à Natali. Ela usando de esperteza, depois de um certo tempo, entrou na casa de uma amiga, demorou pra sair, até perceber que eles estavam certo de que ali era sua casa e assim, irem embora.

Mas, no dia seguinte, em um final de semana, eles resolveram fazer uma visita surpresa à Natali. Houve desapontamento ao ficarem sabendo que ela não morava ali.

Antônio e Natali muito se divertiram com tal situação.

Já estava chegando ao final do ano letivo. Foi um bom ano para Natali que, nem percebeu passar. A aflição ainda ronda seu coração, a falta de coragem de se declarar à Antônio e, também, a falta de percepção dele, que a desencorajava.

Pensa em desistir, somente ela sente alguma coisa, uma paixão platônica a qual não lhe faz bem, era algo avassalador em seu ser.

José e João fazem novas amizades. Antônio sempre os acompanha nas baladas de sábado à noite. José sempre tinha um lugar para ir:

– Hoje temos uma parada pra curtimos!

– Qual é a parada, José?

José coloca a mão no bolso e puxa um pacotinho, umas folhas secas esmiuçadas.

Antônio pergunta:

– O que é, José?

– É da boa!

– Eu não fumo.

– Não é fumo, Antônio.

João pergunta:

– O que é, então?

– É a danada!

– É droga, então?

– Não, é só uma motivação pra fazermos a cabeça.

– Minha cabeça já está mais que perfeita, não precisa de acréscimos.

Antônio já com um ar diferente, mais sério, não gosta da iniciativa de José:

– Isso não é brincadeira, joga isso fora!

– Eu não, paguei caro por ela. É só provarmos um pouquinho, não vai fazer mal.

Uma conversa demorada, com muitos nãos, mas ganha a insistência de José. Antônio dá a palavra final:

– Só dessa vez, nunca mais você compra isso.

– Tá certo, não comprarei.

Arrumam um pedaço de papel, fizeram o que chamavam de fininho, ou cigarro do capeta, provaram cada um a seu tempo. Os olhos de Antônio parecem brasas de tão vermelhos. Ri à toa. José passa a ser um rei sem castelo, assim ele fala, sob o efeito da droga. Mas algo muito diferente acontece com João que, do nada, agarra o pescoço de Antônio e começa a beijá-lo. Quer todo a custo beijar a boca de Antônio, ainda faz uma declaração de amor a ele, e diz que sente ciúmes dele com Natali.

O inesperado acontece, algo guardado a sete chave, se revelara sob o efeito da droga... momentos decisivos na vida de três jovens, mais uma vez sendo decido pela mórbida e cruel adversidade da curiosidade humana sobre o desconhecido.

A sobriedade de Antônio venceu o efeito da danada, talvez por ter usado pouco, José se afastando, indo embora correndo, sem rumo, um possível momento de decepção, seu amigo melhor se revelando, deveria ser algo difícil para ele, porém uma atitude de muita coragem, se revelar apaixonado por outro amigo. Era a lombra da danada acontecendo, cada um reage de uma forma diferente. No dia seguinte Antônio vai procurar João, ele não estava em casa, havia saído com José. Então, volta para casa, pega um livro, mas não consegue concentração para ler, parece que seu mundo havia desmoronado. Torce para que tudo que tinha acontecido, fosse somente uma brincadeira de João e tudo se resolveria com o tempo. Mas se for verdade, não está preparado para essa situação. Ele gosta muitos dos seus amigos, não pensa em um possível fim de amizade.

Ele, também, pensa agora em Natali com mais frequência, não consegue entender a cabeça de João que, vivia correndo atrás de Natali, e agora se revela apaixonado por ele. O tempo todo era dissimulação esse interesse por Natali, seu objetivo era Antônio. É meio difícil explicar esse momento de sua vida que, sempre foi centrada, sem muitos redemoinhos.

Não gosta nem um pouco do que está acontecendo com seu mundo exclusivo, que está desmoronando. A conclusão que chega é que deveria deixar o tempo correr, nada melhor do que o tempo para ensinar e abafar problemas. Na realidade, o tempo é uma via de mão dupla que permite que em algum ponto podemos andar na mão contrária.

Não tem como se afastar, estudam na mesma escola, na mesma classe. Lembra da experiência de provar droga, tudo aconteceu por causa dela. Era uma porcaria usar coisas assim, sem lógica.

Usar droga é algo irracional, é a definição de uma mente fraca, que precisa ser motivado por algo no seu corpo, causando sensações que duram minutos, trocados pela segurança de uma vida normal.

Ele se pergunta: "e o que é o normal?"

João e José têm uma longa conversa, pós dia trágico. Não era o fim da alucinação, resolvem comprar mais droga e percorrer um caminho que, para muitos, não tem retorno. No uso, se toma coragem para tudo. José propôs um relacionamento casual com João, mas ele não aceita, dizendo que seu gostar está puramente em Antônio, seus sentimentos, apesar de errados, eram fiéis somente a ele. José insiste muito até João ceder.

Oportunidades vividas de forma errada que, talvez, trouxesse arrependimento diante a sobriedade.

Uma confirmação de que João era realmente um rapaz diferente, e José embarca nessa viagem por curiosidade extrema.

Passado o final de semana, voltas às aulas. Antônio chega cedo na escola e vai para sua sala. Se isola no fundo da classe, não cita nenhuma palavra, assiste todas as aulas em silêncio completo, todo o tempo de cabeça baixa, o que não era normal, por ele sempre questionar algumas coisas com os professores.

Natali presta atenção em a toda situação e resolve não se intrometer. João e José resolvem não assistir aula, ficam bagunçando do lado de fora da classe. Natali chega a pensar que o problema deveria ser ela. Estava preocupada com a tristeza de Antônio, nunca tinha o visto tão quieto, parecia carregar um enorme peso nos ombros. Na hora do intervalo, tenta conversar com ele:

– O que você tem, Antônio?

– Nada, eu só quero ficar só!

Natali percebe em seus olhos úmidos, como se quisesse chorar. Mesmo ele descartando-a, ela teve o impulso de abraçá-lo com muito carinho, seu coração sentiu essa necessidade:

– Não fala mais nada, Antônio, só me deixa eu te abraçar.

Ela sente, naquele instante, o muro que era intransponível sendo lançado por terra. Sente em seus braços alguém frágil que precisa de atenção e carinho, e ele aceita.

Nesse exato momento, João passa por ali, e logo o ciúme lhe veio arrebatando a existência. Sua vontade foi ir até Antônio lhe encher de porrada. José que ia logo atrás quando vê a cena, seu impulso foi pedir satisfação a Natali, mas já estava transtornado. Quando João o vê, o segura e não deixa ele ir.

Natali segura nas mãos de Antônio e o leva para longe dali, percebe que o público está grande:

– Se você quiser desabafar, eu estou aqui para te escutar. Eu nunca tinha visto você triste assim.

– Por enquanto, prefiro ficar em silêncio, mas já estou me sentindo melhor.

– Só me responda uma coisa...

– O que?

– Tem alguma coisa relacionada a mim?

– Não, por que pensa assim?

– Eu vi a raiva dos seus dois amigos quando te abracei.

– Tem algo relacionado a eles e não a você, mas não posso falar.

A integridade de Antônio não permite comentar o problema de alguém com outra pessoa. Ele confia nela, mas só o próprio João poderia falar.

Natali com sua mão macia, acaricia o rosto dele, e, nesse momento, desabrocha um sentimento que, talvez, estivesse oculto e nem ele mesmo conhecia. Pela primeira vez, admira as formas e a beleza exuberante dessa morena que o acaricia.

– Que houve? Você tá me olhando de uma maneira estranha...

– Você é linda e eu nunca tinha percebido isso. É de uma beleza incomparável.

Dita essas palavras, Antônio leva sua mão ao rosto dela e a acaricia com um toque suave, estremecendo todo o ser de Natali. Seu coração agora tem asas e está voando fora do corpo, com apenas um simples carinho. Ela vê e sente, naquela atitude, algo melhor do que mil beijos, do que uma entrega. Se tudo isso é amor, simplesmente ela está amando aquele rapaz estranho que arrebatou totalmente seu coração. Algo que ela nunca sentira, fazendo seus sentimentos sentir sabores e ver cores, algo que não se pode enumerar.

Já não têm dúvidas sobre o amor, é capaz de morrer por aquele rapaz. Visualiza agora sua entrega completa a ele, num sonho alucinante. Tinha a certeza que ele é o homem de sua vida. Sua alma ressuscitara a vida, está contando todas as estrelas do céu.

– Você é linda, morena!

Pela primeira vez ele tinha chamado Natali de morena, e, com tanto carinho, que ela quase desfalece.

– Antônio!

– Não diga nada, me deixa apenas admirar sua beleza.

Natali está decidida a se declarar, o momento mágico havia chegado e as oportunidades não podem ser desperdiçadas de nenhuma forma. ela tenta, mas ele não deixa, parece não querer ouvir o que, de alguma forma, já sabe. O olhar dele já não é de um amigo, é de um amante romântico:

– Antônio, me escuta por um minuto, tenho algo muito importante pra te falar... é muito difícil pra mim, a meses tento falar, mas não consigo...

– O que de tão grave assim?

– Mas hoje não seria o momento, não quero me aproveitar da sua fragilidade, mas sinto que devo falar, desde a primeiro a vez que eu te vi....

Suas palavras entalam e não conseguem mais sair, somente olha para ele com lágrimas quentes pelo sentir ardente do seu corpo que, rolam em sua face a deixando mais linda do que é.

Antônio abraça com ímpeto arrebatador de um coração que estava em delírios de amor, e a beija ardentemente como se fosse o primeiro e último beijo de sua vida:

– Eu te amo, Antônio!

– Não diga nada, vamos apenas sentir. Me abraça!

As aulas, depois do intervalo, foram esquecidas por ele, continuam namorando até o último horário:

– Você gosta de mim, Antônio?

– Esse momento é novo pra mim, fui pego de surpresa, a teoria é mais fácil que a prática, embora alguns momentos como esses são mel da existência. Você está me fazendo sentir coisas que nunca senti, gosto de ficar com você, de conversar, de te namorar, mas tenho medo desse teor desconhecido.

– Como você mesmo disse uma vez: "É amando que se faz sobrar amor!"

Antônio ri. Ele fala tantas coisas, as vezes até esquece, é uma cabeça que se renova a cada dia, com mais conhecimento:

– Você ainda se lembra disso?

– Guardo tudo que você me fala, principalmente as loucuras, sempre tem um fundamento nas coisas que você diz, é isso que me cativa em você.

– Jamais imaginei que alguém memorizasse o que eu falo, às vezes, eu mesmo não consigo lembrar, por achar que são asneiras.

– Você acha que não tem importância o que falas, a maioria das garotas da escola presta atenção em você, além disso você não é de se jogar fora!

Antônio ri do comentário dela e até se envaidece um pouco:

– Você que é linda, morena!

– Adoro quando você me chama assim!

– Eu não me acho bonito, mas você é linda!

– Você é lindo por dentro por e por fora, não é e nunca foi pretensioso. É simples, humilde, e não é arrogante, só um pouquinho voador.

– Por que voador?

– Você nunca me percebia, eu te dava todas as dicas que estava gostando de você, e não percebia, vive no mundo da lua.

– Será que sou lunático?

– Lunático, Antônio?

– Sim, vivo no mundo da lua como você mesma disse.

Natali ri com felicidade:

– Tá vendo? Esse jeito que me cativa em você.

– Natali, estamos num momento mágico de nossas vidas, mas tenho que honesto com você.

Natali faz uma cara de tristeza, já pressentindo algo que poderia não ser bom:

– Não me esconda nada, por favor!

– Não esconderei. Ano que vem meus pais estão querendo retornar à cidade natal deles, não se adaptaram por aqui, e querem que eu volte com eles.

Natali fica realmente triste, é uma notícia que ela não quer receber, jamais imaginaria ficar longe dele.

– Eu sabia que essa felicidade era boa demais pra ser verdade!

– Mas não existe ainda uma certeza, são somente suposições.

Ela sorri, para fugir daquele momento tenebroso. Dá um beijo nele, e a conversa é adiada para outra época.

Edson, para surpresa de Joelma, chega bêbado em casa, o medo toma conta dela outra vez. Ele parece sentir que Natali está apaixonada por alguém, isso o faz voltar a beber. Edson não consegue se manter em pé, de tão bêbado que está. Cai no sofá, balbuciando o nome que só Joelma entendia... repete o nome de Natali como se fosse doce saboreado por sua consciência embriagada. Ela repete consigo mesma: "Pensei que esse pesadelo havia terminado!"

Natali chega da escola com um sorriso largo de felicidade, mas ao seu padrasto babando e resmungando apagado no sofá, percebe que ali estava o resultado de bebedeira.

Joelma ainda está acordada, com muita preocupação:

– Vejo que algo novo aconteceu com você, filha. Faz muito que não vejo em seus olhos em brilho.

– Mãe, hoje foi uma noite especial para mim, estou feliz de verdade!

– Pelo visto, o tal Antônio até que enfim notou você, desencantou!

– Mãe, hoje eu consegui superar todos os obstáculos, e consegui falar pra ele. Mas só falei depois que ele tomou a iniciativa.

– Não vá me dizer que vocês foram pros finalmente...

– Não mãe, eu o amo e me entregaria pra ele sem me arrepender, mas não é tão fácil assim. O nosso encontro foi puro, maravilhoso. O encanto foi o toque sem desejos, permaneceria nele por toda a eternidade, se eu pudesse.

– Fico feliz por você, filha, mas continue se preservando!

– Mãe, agora eu posso te falar que eu sinto amor de verdade, não é a mesma coisa que eu sentia por Daniel. É algo maravilhoso, me torna viva.

– Já senti isso há muito tempo atrás, minha filha.

– Com quem, mãe?

Joelma se arrepende de imediato do que acabara de falar:

– Nada não, filha, deixa pra lá.

– Tá certa, mãe, mas um dia eu quero saber dessa história. Mãe, se não der certo entre mim e o Antônio, eu sei que ele é o homem da minha vida, e não tenho nenhum remorso.

– É disso que tenho medo, filha!

– Mas os pais dele estão querendo voltar pra sua terra natal, e querem que ele vá também.

– É um motivo pra você pensar antes de tomar qualquer decisão.

– Não adianta, mãe, vou seguir meu instinto, mas vou deixar ao acaso, não vou programar nada. A naturalidades de tudo é que dar vida ao acontecer.

– Mudando de assunto, você viu o estado do seu padrasto lá na sala?

– Vi, ele voltou a beber, é uma lástima. Mas deve ser só momento.

– Pelo que eu conheço a peça, ele agora vai invernar até perder o emprego.

– Ah não, mãe, se ele continuar bebendo, vou arrumar um jeito de sair daqui.

– Vai pra onde, minha filha?

– Sei lá, me viro!

– É só você não se importar com ele.

– A senhora sabe que não é fácil assim.

– Vamos procurar conviver em paz com ele.

– Sinceramente, mãe, não sei como a senhora aguenta!

– São as escolhas da vida, nesse caso, foi opção, eu estava na rua da amargura.

– Vou tentar, mãe, por causa da senhora, mas se ele pegar no meu pé, é melhor procurar meu rumo.

– Tá, minha filha, eu te compreendo.

Dão boa noite e vão dormir.

No dia seguinte, Antônio não vai à escola, avisa para Natali que não irá. Diz que dará um tempo, de um dia, para os amigos resolverem conversar com ela, se abrirem a respeito do que aconteceu.

Ela chega na escola um pouco mais cedo, os dois já estavam lá. Somente José a procura para conversar, ela sente em João um olhar frio, como se ela tivesse feito algo errada pra ele. Se retira, sem falar nenhuma palavra:

José se aproxima, ela pergunta:

– O que está acontecendo, o que eu fiz de errado pra ele?

José reluta um pouco para não contar nada, mas Natali insiste até ele se abrir. Ele conta sobre os três terem usado droga e o resultado dessa experiência. Não omite nenhum detalhe.

– Agora eu entendo a tristeza de Antônio. Vocês são muito importantes para ele, descobrir que João é apaixonado por ele, deve ter sido um choque.

– Peço a você, que tome cuidado.

– Por quê?

– João tem uma paixão doentia por Antônio, e o ciúme dele é muito grande, ele muda quando vê vocês dois juntos. Ele tem muita raiva de você. Por favor, se afaste de Antônio.

– Não vou fazer isso, assim como não me afastarei de você e nem do João!

José pega a oportunidade, pensando que Natali está fragilizada pelo momento e descarrega um desabafo cheio de paixão por ela.

– Faz tempo, Natali, que eu quero dizer que sou afim de você, que meus pensamentos são somente

você, acho que eu te amo.

Natali pensa consigo mesma: "como que um rapaz se declara para uma moça dizendo achar que a ama?" É uma declaração indecisa que não funciona com ninguém.

– José, meu amigo e irmão, o que eu sinto por você é um carinho de irmão. Gosto muito de você e do João, são duas pessoas maravilhosas que eu conheci numa época muito ruim da minha vida e, sem saber, vocês me ajudaram muito, e nessa trajetória eu me apaixonei por Antônio.

– Ela sabe disso, pois ele não liga pra você, só quer saber de viver no mundo dele.

– Eu falei pra ele, e nos acertamos.

– Você tá sabendo que ele vai embora?

– Sim, ele me disse. Não tem problema, aproveitarei o máximo possível junto dele, até que se confirme sua partida.

– Quando ele se for, estarei aqui, se você quiser me dar uma chance.

Natali pensa em dar uma resposta áspera, mas declina:

– Meu coração será sempre de Antônio, tenho esperança que ele não se vá.

Ela fica parada, olhando para o nada, pensando unicamente em Antônio, no quanto aquele rapaz que era cheio de integridade, em nenhum momento fala mal de seus amigos:

– José, você poderia me dar o endereço de Antônio?

– Por que você não pede pra ele?

– O aniversário dele está próximo, eu que lhe fazer uma surpresa, lhe mandar alguma coisa que ainda não sei o que é.

A declaração de José parece ter sido muito superficial, ele aceitar o não sem nenhum ressentimento, o amor negado a ele, estranhamente não lhe causou sofrimento, amor fingido.

Dias se passam, e, Edson, cada vez mais distante de Joelma, já não a procura mais, o que para ela é um grande alívio. Agora parecem dois amigos, dormindo na mesma cama.

Quando ele enche a cara, passa a noite toda chamando o nome de Natali, em seus sonhos. Joelma a escuta chamando sua filha de meu amor. Sua vontade é de esganá-lo até ele morrer. Se isso acontecesse, ele nem sentiria de tão bêbado que vivia sempre.

Ela sofre calada, não por ainda gostar dele, mas por medo de um dia ele tentar alguma coisa com Natali.

Por enquanto, ele ainda consegue trabalhar, e adquiriu novos hábitos, agora só chega tarde em casa, e logo sai novamente, só retorna depois que Natali chega da escola.

Por essa razão, às vezes, Joelma fica preocupada, ela tem quase certeza que Edson têm vigiando Natali, mas tira a ideia da cabeça. É raro ele chegar sóbrio, às vezes, ia tropeçando nas próprias pernas, mas sempre depois que Natali chega.

Mas Joelma, mesmo assim, todos os dias, sai pra encontrar Natali no caminho. Dizia ela que o prevenido vale por dois.

Um certo dia, chega na casa de Joelma um rapaz desconhecido, procurando por Natali:

– Ela ainda não chegou do trabalho, mas já deve estar chegando.

– Então, vou esperar!

Ele permanece ali em pé, de frente para o portão, encarando Joelma e sorrindo:

– Quem é você? O que deseja com minha filha?

– Eu sou aquele que anda, o que desejo com sua filha, não seria nada que ela já não desejasse comigo.

– Você é doido, meu rapaz?

– Depende do seu ponto de vista, dona Joelma.

– Como sabe meu nome, rapaz?

– Alguém me falou!

– Quem?

– Sua filha.

Quando Joelma já estava ficando sem paciência e ao mesmo tempo com medo, Natali aparece:

– Antônio, que surpresa boa!

Ela dá um pulo, agarra seu pescoço e lhe dá um beijo na frente da sua mãe. Joelma pensa que sua filha pirou de vez, está namorando um retardado. "Esse rapaz é o rapaz que ela tanto fala com tamanha admiração?"

– Mãe, esse aqui é o Antônio, meu namorado que eu tanto falo.

– Prazer, dona Joelma!

Ele pega na mão de Joelma, rindo como se tivesse debochando, pois, ele tinha acabado de fazer uma pegadinha com ela. Depois de algum tempo, conhece também, os irmãos dela e a irmã. Conversam muito:

– Antônio, eu acho melhor você ir embora, nunca se sabe, meu padrasto pode chegar cedo, é melhor evitarmos atritos.

– Estás certa, morena, então eu já vou.

Ela o leva até ao portão e se despede.

– Filha, você tem certeza que esse rapaz é normal?

Natali sorri:

– Tenho, mãe. É o jeito dele, eu o amo por causa desse jeito

– É, minha filha, eu acho que isso contamina.

– Essa contaminação me faz feliz, minha mãe. Ele é assim, mas é muito inteligente e atencioso.

– Tá certa, cada pessoa tem o seu jeito de ser. Mas ele é fora do normal, mas não estou aqui para julgar ninguém... tenho uma pergunta....

– Fale, minha mãe.

– Quando você vem da escola, nunca pressentiu alguém te seguindo?

– Não entendi a pergunta direito.

– Você não sente a sensação de que alguém estar te vigiando?

– Quem tinha sempre essa sensação era o Daniel. No mesmo dia que o mataram, ele teve essa sensação. Por isso, ele me trouxe até aqui, eu avisei pra não voltar por aquela rua, mas ele teimou.

– É disso que eu estou falando, filha!

– Ultimamente tenho tido essa intuição. Às vezes, o Antônio quer me trazer até aqui, mas eu não deixo por que tenho muito medo de acontecer com ele o que aconteceu com Daniel.

Ano letivo finalizando, João não consegue notas suficiente para prosseguir no próximo ano. José se arrastando, quase ficando, consegue. Antônio não tinha problema, tinha notas suficiente até para passar sem fazer as provas finais. Ele está preocupado com seus amigos, não eram os primeiros da sala, mas não ficavam para trás. Agora um fora reprovado, o outro passou se arrastando, a única explicação era o uso contínuo de droga, que já não conseguiam controlar.

O próprio Antônio havia provado o gosto da maldita, mas conseguiu sair ileso sem prosseguir por esse caminho.

João se tornara um viciado, e já procurava outros tipos de droga para provar, era um rumo degradante para um ser humano. José usa só de vez em quando, por insistência de João. Era um usuário eventual, mas, para não continuar, precisar se afastar de João. Ele pensa, mas não tem coragem de abandonar o amigo nessa situação. Era um bom rapaz que, aos poucos, foi se reaproximando de Natali, que nunca quis se desfazer da amizade deles.

Por se sentir diferente agora, e para chamar atenção de Antônio, João passa a ficar com garotas e, um caso em particular, o deixa na cadeia por alguns dias. Agiu com violência com uma garota que estava de namorico. Agora, ele já com dezenove anos, não teve como escapar de uma ficha criminal. Violência sob efeito de droga, ficha manchada.

O namoro de Antônio e Natali corre às maravilhas. Combinaram de passar o final de semana juntos. No sábado, ela iria pra casa dele e a noite sairiam pra algum lugar.

Natali, agora com quase dezessete anos, uma garota muito decidida, pede permissão:

– Mãe, eu posso passar o sábado com o Antônio?

– Minha filha, adiantaria eu dizer não?

– Acho que não, mãe!

Joelma faz essa colocação por saber que filha era uma garota decidida, e jamais atrapalharia uma decisão sua. Confia muito em Natali, qualquer decisão que ela tomasse na vida não seria apenas por impulso.

O sábado chega, ela trabalha até ao meio dia, e do emprego já vai direto para casa de Antônio:

– Onde estão seus pais?

– Viajaram, morena!

– Mas você não me disse nada.

– Esqueci completamente.

– Estou sabendo, muito conveniente.

– Mas não estou com nenhuma má intenção com você, não faremos nada que você não queira.

– Eu sei, Antônio, só estou brincando contigo.

– Senta, quer tomar um banho? Você ficará no quarto de hóspede, tem banheiro lá, é bom por que você ficará à vontade. E falar nisso, eu avisei para meus pais que você viria passar o sábado aqui comigo, eles só pediram pra eu ter juízo.

– Difícil, Antônio!

– Eu tenho juízo de sobra.

– Sobrou tanto, que pulou pra fora da sua cabeça!

Natali deu um sorriso gostoso, ele fez cara de quem não gostou:

– Brincadeira, nego!

– Nego? Você nunca me chamou assim.

– Sei lá, deu vontade.

– Mas gostei!

– Vou te chamar assim agora, é meu carinho por você.

– Me sinto bem e amado por você.

– Vou tomar um banho, então.

– Vá e não tenha receio de mim.

Ela pensou consigo mesma que, era nisso que morava o perigo, pois ela mesma era o seu próprio perigo. Até riu dos seus pensamentos.

– Por que você está rindo?

– Nada não, contei uma piada pra mim mesma, essa era nova.

Antônio fica um pouco confuso, mas logo compreende que a loucura tem um vírus que contamina com muita facilidade.

– Qual é o quarto pra eu guardar a mochila?

– É naquele quarto.

– Sua casa é muito bonita.

Natali vai tomar um banho, ele fica na sala, esperando. Depois de algum tempo, ela sai do quarto usando um short curto e uma blusa deixando a desejar. Antônio paralisa o olhar, depois da visão que lhe surpreendeu. Fica maravilhado com tanta beleza em uma mulher só, ela sorri:

– Ei acorda, parece que viu coisa de outro mundo!

– É desse mundo mesmo, só que versão cem por cento melhorada.

– Para com isso, Antônio, tá me deixando sem graça!

Tolo é o homem que pensa que é o autor das decisões, antes de supor que decidiu conquistar, na cabeça de uma mulher, é como peixe caído em redes sem escapatória. Enquanto os homens decidem com suposições, as mulheres decidem com o sexto sentido.

– Pra onde nós vamos hoje, nego?

– Talvez, se tiver alguma festa por aqui, nós iremos. José deve saber de alguma.

– Mas eu não quero ir à festas, é muita gente, as garotas daqui ficam dando em cima de você.

– Tá com ciúmes agora?

– Sempre tive, você é muito disputado.

– Mas eu só tenho olhos pra você.

Ele a abraça e beija:

– Falando sério, Antônio, eu não quero ir à festas, quem sabe um cinema, seria melhor.

– Gostei da ideia, só nós dois no escurinho do cinema.

– Te orienta, Antônio!

Os dois riem juntos, se abraçam e se beijam novamente. Passam o resto da tarde namorando, sem avançar o sinal. Fazem um passeio próximo de onde Antônio mora. Por onde passam, as garotas ficam olhando. Enciumada, Natali chama atenção mostrando suas formas formosas, seus trajes que deixam a desejar na cabeça de qualquer rapaz. Não são trajes indecentes. Antônio pensa consigo mesmo, por que tinha demorado tanto tempo para perceber tanta beleza, e se considera um rapaz de muita sorte.

Teve um momento que ela sente como se ele estivesse mostrando-a, ali, como uma conquista, uma espécie de troféu. Retornam pra casa, ela pergunta pra ele:

– Antônio, eu vou ser sincera contigo, eu me senti agora como se eu fosse um prêmio que você conseguiu ganhar.

– Eu tenho orgulho de ter você como minha namorada, jamais te considerei uma conquista a ser pelejada. Você é o meu tesouro que não precisei garimpar. Me veio de forma natural, esplendorosa, que eu nunca quero perder. Jamais!

– Você sabe dizer o que as mulheres querem sempre ouvir.

– Mas são somente palavras, o que importa nisso tudo é que eu te amo de verdade. Eu tenho certeza disso, minha morena.

– Eu também te amo, nego.

Os dois se beijam ardentemente, e o clima desconhecido a eles surge, como uma oportunidade irrevogável de duas naturezas num momento de fragilidade de sentimentos, aflorando a pele.

O contido se despe de desejos ardentes e tudo acontece na mais sublime naturalidade. Algo que ela já havia decidido desde que aconteceu o primeiro beijo. O restante da tarde até ao anoitecer se amaram como se no mundo não existisse futuro.

Ao anoitecer, depois de uma soneca a dois, ele resolve conversar:

– e agora, morena, o que faremos?

– Com respeito a quê?

– Nós fizemos o que não era pra fazer.

– Quem disse isso?

– A nossa conduta.

– Meu nego, desde que eu te beijei a primeira vez, eu decidi que você seria o primeiro da minha vida, e desejo que seja o único.

– Quer dizer que eu não decidi nada?

– Claro que sim, você faz parte de tudo em minha vida agora.

– Concordo, morena.

– O que você achou?

– Maravilhoso, você é linda!

– Você também, meu amor!

Os dois se beijam novamente:

– Vamos tomar banho, Antônio, se não pegaremos nem a última sessão do cinema.

– Não precisamos de cinema, já estamos fazendo um ao vivo aqui.

– Te orienta, Antônio. Vá tomar banho e se arrumar, coloque uma beca bem bonita.

– Tá, minha amada, eu vou tomar banho!

– Antônio!

– O quê?

– Você até que não é de todo feio não!

Ele olha pra ela fazendo cara de raiva. Ela ri tão gostoso que o contagia, que ri como ela nunca tinha visto ele ri. Naquele instante, era um momento pra nunca mais ser esquecido, pois, ali morava a felicidade.

Depois que tomam banho, se arrumam:

– Minha mãe deixou a geladeira cheia de comida.

– Estou sem fome.

– Meu pai também me deu dinheiro suficiente para irmos a um restaurante, depois do cinema.

– Não gaste dinheiro à toa.

– Mas não é à toa, é com minha princesa.

– Você sabe como seduzir uma mulher.

– Não é somente uma mulher, é meu tudo. Meu pai também deu permissão pra usar o carro dele.

– Seu pai confia muito em você.

– Lembra daquele episódio que usei droga?

– Sim, eu lembro.

– Eu contei pra ele, ele achou bom eu ter contado, me aconselhou a não usar mais. Se eu precisasse de ajuda, era só falar pra ele. Não me proibiu de andar com João e José, disse que confiava nas minhas decisões e que eu seria um grande homem.

– Seu pai é mesmo um homem cheio de sabedoria.

– Ele nunca precisou me dar uma surra.

– Você é muito íntegro, deve ter puxado do seu pai.

– Minha mãe também é uma pessoa muito boa.

– Imagino, pra ter um filho tão maravilhoso como você!

Eles vão ao cinema e, depois do filme, vão até uma lanchonete, fazem um lanche que ele denomina de janta. Namoram um pouco e depois retornam para casa. Pra ela está tudo sendo maravilhoso, se divertiram muito.

Chegando na casa dele, cada um foi para seu quarto, mas depois de certo tempo, Natali toma a iniciativa de ir para o quarto dele, que aceitou de braços abertos. Passam o restante da noite se amando. Para ela, tudo que está acontecendo é novo. Não existe na sua cabeça nenhum resquício de arrependimento. Seja qual for o resultado, dormiriam até o meio dia de domingo. Ela se levanta primeiro do que ele e prepara um café da manhã.

Ele levanta, um pouco triste:

– Tá triste, meu amor?

– Eu que eu tenho a sensação que enganei você.

– Que conversa é essa, Antônio?

– Não é nada do que você tá pensando. É porque eu estava sabendo que vou embora no mês que vem e não te falei nada. Se você soubesse não teria se entregado pra mim.

– Você nunca me enganou. Eu já sabia, você mesmo me disse.

– Mas não tinha certeza.

– Nego, eu te amo e não posso fugir disso. Eu me entreguei a ti por eu quis, você não me forçou a nada. Esse momento foi decidido desde o primeiro encontro com você, não se sinta responsável por algo que eu decidi.

– Nós decidimos.

– Sim, nós decidimos, então não devemos nos culpar.

Ela o abraça carinhosamente buscando uma nova etapa de amar.

– Para, Natali. Eu estou falando sério, você era virgem e agora não é mais.

– O que você quer? O mundo não acabou porque perdi minha virgindade. Agora eu me achei, e você é tão gostoso.

– Você continua brincando!

– Antônio, entenda uma coisa...eu fiz tudo porque eu quis, e não me arrependo. Não se sinta responsável, somente aproveite esse momento. Se você me ama, e eu sei que ama, você quando se formar retornará para mim, eu estarei te esperando.

– E sua mãe, você vai falar pra ela?

– Sim, preciso falar, nunca escondo nada dela. Mas não se preocupe quanto a isso, minha mãe sabe o quanto sou decidida.

Terminam o café da manhã, namoram mais um pouco. Ela arruma suas coisas, ele a leva até próximo de sua casa, pra que seu padrasto não descobrisse.

Passaram-se quinze dias, Natali e Antônio continuam se encontrando e namorando mais ainda, mas já estava chegando o dia dele partir.

Natali chega em casa, está de férias da escola, mas continua trabalhando. Encontra sua mãe descansando, sentada no sofá na sala. Ela abraça sua mãe e diz:

– Mãe, o Edson vai partir pra sempre.

– O quê, Natali?

– Eu sei, mãe, parece loucura, mas eu estou sentindo que o Edson vai partir.

– Minha filha, quem vai embora é seu namorado, o Antônio!

– Eu sei, o Antônio vai amanhã e pode voltar, mas seu marido vai para sempre.

– Filha, você tá me deixando com medo, vai me dizer que é mais uma das suas premonições?

– Não sei, mãe, só estou falando o que eu estou sentindo.

– Tenho medo dessas coisas que você fala.

– Mãe, vou sair hoje, só retorno amanhã, vou dormir na casa de Antônio.

– Está bem, filha, é mais uma mentira que eu tenho que inventar para o Edson.

– A senhora sabe como fazer isso, é para um bem maior. A senhora sempre fala que é melhor evitar o conflito.

– É, filha, diante de seus fortes argumentos, eu tenho que ceder sem questionar.

Natali sorri. Ao final da tarde, pega a mochila e vai para a casa de Antônio. Passam a noite juntos. No dia seguinte, Antônio parte, mas em Natali existe uma segurança enorme de que um dia ele retornará para ela.

Depois de Natali ir até ao aeroporto, retorna para casa. Os dias continuam calmos, até que um dia João e José aparecem na farmácia que Natali trabalha, quase no final do expediente. Eles a convidam para sair, ela não nega, afinal de contas, são duas pessoas que ela gosta muito. Foram para uma lanchonete, perto de onde ela trabalha. José pergunta:

– Natali, por que você nunca nos deixou ir à sua casa?

– Na verdade, eu devo um pedido de desculpas a vocês, por nunca ter contado. Antônio sabia, uma vez ele apareceu lá em casa sem avisar, fiquei alegre, mas também fiquei muito preocupada com ele.

João resolve falar, até então mal cumprimentara Natali:

– O que há de tão grave na sua casa que ninguém pode te visitar?

– Eu vou falar desde o começo, a história é longa.

– Pode falar, estamos aqui pra te ouvir, se ficar tarde, te levamos em casa, estamos de carro.

João não trabalha, e não se sabe como, tinha arrumado dinheiro para comprar um carro. Natali fica curiosa ao saber que ele tinha um carro, mas não quer saber dos detalhes. Começa, então, a relatar a história dela, desde a morte do seu irmão, Jairo. Não esconde nada dos dois amigos, até mesmo sobre a desconfiança da morte de Daniel. Quando, depois de um tempo, ao terminar o relato, João comenta:

– Nem conheço esse seu padrasto e já tenho ódio dele.

– Mas não se preocupe, está tudo bem agora.

– Tá não, Natali, esse cara tem uma obsessão por você, e ainda vai te fazer mal.

– Concordo com o João, Natali, ele é um cafajeste que não respeita nem tua mãe.

– Mas dá pra aguentar.

– Tudo bem, mas você já trabalha, deve começar a pensar em morar sozinha ou com uma amiga.

– Já tentei, mas minha mãe não quer, ela vai sofrer muito.

– Vamos embora então, nós te levamos.

– Não, acho melhor não!

– Ninguém vai ver. Já sabemos onde você mora, te deixamos próximos da sua casa.

– Como vocês sabem?

– Apesar da distância que ficou entre nós, Antônio nos procurou e pediu para nós tomarmos contas de você. Explicou que seu padrasto era valente. Mas não contou o motivo, ele se preocupa com você, disse também que você gostava muito de nós, e nos passou seu endereço.

– Isso parece com ele mesmo. Está bem, eu vou com vocês.

Os três entram no carro de João e seguem para a casa de Natali. João, mais uma vez, faz um comentário:

– Natali, eu gosto muito de você, e não suporto a ideia desse seu padrasto ficar te perseguindo.

– Esquece isso, João, essa história só faz mal, um dia se resolverá.

Chegando próximo à casa de Natali, João para ela descer. Quando ela estava quase descendo, já com a porta aberta, volta para dentro do carro e se abaixa. João pergunta:

– O que foi, Natali?

– Aquele homem que está descendo, meio bêbado, é meu padrasto.

– O que eu devo fazer agora?

– Fica parado aqui, deixa ele passar. Quando ele estiver longe, eu desço.

– Tá certo, vou fazer isso.

A rua é bem iluminada e com ajuda da lua cheia, parece dia. Quando Edson se aproxima do carro, Natali se abaixa mais ainda. Os dois amigos, no banco da frente, ficam em silêncio. Edson para e fica de frente para o carro, coloca o negócio pra fora e faz xixi em cima do capô do carro de João, e ainda xinga os dois. José disse:

– Não fala nada, João deixe-o ir.

– Suas bichas! Vão arrumar outro lugar pra namorar!

Natali não tinha conhecimento que seu padrasto era arruaceiro. Fica ali, tremendo, com medo dos rapazes reagirem às ofensas, mas por causa dela, permanecem em silêncio. João encara Edson com um ódio tão grande, que sua vontade era sair do carro e dar uma surra nele. Mas José o segura. Edson vai pra casa.

Quando as coisas se acalmam, Natali se levanta e José fala:

– É, minha amiga, agora eu entendo porque nunca poderíamos ir à sua casa!

– Mas eu não sabia que ele era assim na rua.

João não fala nenhuma palavra, apenas transparece um ódio de matar qualquer um. Ainda mais que o safado havia feito xixi em cima do seu carro. Natali dá tchau para os dois e vai pra casa.

                         

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