Preferia disciplinas que envolviam o pensamento crítico, mesmo que isso também não a tivesse protegido da filosofia sombria de Lucian Thorn.
Ela não o amava. Seu coração pertencia inteiramente a Cassian Thorn, o irmão mais novo. Para Lucian, restou o fogo ardente, a faísca que se acendia quando sua pele tocava a dela. O prazer que Lucian extraía não era exatamente o que ele proporcionava a Selene, mas o que ele recebia dela. Cassian, por outro lado, era sempre gentil na cama, sussurrando promessas de um futuro incerto, oferecendo sonhos de maravilhas que talvez nunca se realizassem, uma utopia. Já Lucian, nunca se preocupou em ser sentimental. Ele a envolvia com ideias perigosas, sua língua quente e escura não distinguia mais prazer de submissão. Segurava-a pela cintura, prometendo foder-lhe sem piedade, e para ele, machucar psicologicamente não era tortura, mas uma espécie de dádiva. Enquanto sussurrava essas promessas sombrias, sua língua percorria o pescoço dela, enquanto suas mãos desenhavam cada contorno de seu corpo, fazendo-a gemer em resposta.
Selene se perguntava: estaria errada? Esse questionamento surgiu na segunda recaída, e em cada encontro subsequente, ela já não sabia se estava sendo guiada pelo coração ou pelo desejo manipulado. Lágrimas silenciosas corriam por seus olhos, mas elas não eram o único fluido que seu corpo liberava sempre que Lucian Thorn a tocava.
Lucian encontrava prazer em algo além da carne. Era um desejo profundo, uma chama que crescia desde a adolescência e só se intensificava com o tempo. Aos trinta e dois anos, ele mantinha um rosto jovem e um magnetismo irresistível. Suas roupas, sempre justas ao corpo, eram parte de uma estética cuidadosa. Ele era bonito, talvez até mais que Cassian. Enquanto Cassian representava o padrão, loiro e esculpido como uma estátua, Lucian era seu oposto: pele bronzeada, músculos marcados, uma voz poderosa e cabelos negros sempre arrumados em um topete clássico. A etiqueta estava gravada em seu comportamento. Ambos eram belos, mas Lucian possuía uma força visceral.
Imagine duas maçãs: uma verde e uma vermelha. Ambas são igualmente saborosas, com o mesmo formato, mas muitas vezes a vermelha é a preferida, por sua aparência. Assim eram Cassian e Lucian. Cassian era a escolha óbvia – educado, elegante, sedutor. Lucian, por outro lado, era sombrio, cruel, manipulador, um demônio envolto em uma aura angelical.
No início, Selene tentou se apegar a Cassian. Eles enfrentaram juntos os desafios, até que o irmão surgiu como uma ameaça ainda mais ardilosa. Lucian a pegou desprevenida, em um momento delicado de sua vida, e usou sua vulnerabilidade para dominá-la. Ele era sagaz, o tipo de homem que alternava entre ser um anjo e um demônio.
Após uma madrugada intensa, Selene escapou do quarto de Lucian, andando nas pontas dos pés, tentando, desesperadamente, manter a aparência de um casamento intacto, sem alimentar ainda mais o fogo que ameaçava devastar sua vida. Já vestida, desceu para o primeiro andar. A mansão era colossal, suas enormes janelas de vidro revelavam a floresta ao redor, a piscina coberta por uma camada de neblina suave que dançava ao ritmo das gotas de chuva que caíam do céu. O cenário era vazio e sinistro, ampliado pelo coro de corvos que sobrevoavam o local, como se soubessem que algo terrível estava prestes a acontecer. Selene apertou o robe de seda cinza contra o corpo, tentando se aquecer do frio intenso. Porém, ela não sabia se aquele frio era algo natural ou se nascia do medo que crescia dentro dela. O silêncio da mansão era absoluto, interrompido apenas pelo som perturbador das aves que pareciam antecipar o destino sombrio que a aguardava.
Ela não conseguia resistir, mesmo que quisesse. Sentia-se como uma paciente em uma mesa de cirurgia, sem anestesia, enquanto cada toque de Lucian era um bisturi que lhe cortava a alma. Suspirou, sentindo-se consumida por dentro. Mais um suspiro, mais profundo, doloroso e desolador.
Caminhando em direção à cozinha, Selene decidiu preparar o café. Sabia que Cassian adorava omeletes, enquanto Lucian preferia ovos mexidos com um toque de sal, acompanhado de suco de romã e torradas. Ela dominava a cozinha, sua paixão desde jovem, tanto que havia cursado gastronomia. No entanto, com o tempo, Selene sentiu necessidade de novos ares. Inscreveu-se em um curso de moda, mas nunca conseguiu terminá-lo. A chegada de Lucian trouxe uma sequência de problemas que a afastaram de seus planos.
Depois de quase meia hora, Selene terminara de arrumar a mesa, no exato momento em que Isadora - guarde esse nome -, entrou na cozinha. A jovem empregada da mansão de Lucian, com seus 22 anos, possuía uma beleza que se escondia sob uma máscara de modéstia. Sua cabeleira ruiva sempre estava oculta sob uma touca, enquanto suas sardas e olhos verde-mata permaneciam discretos sob o uniforme negro.
- Me desculpe, minha senhora - disse Isadora, a voz baixa e hesitante.
- Pelo que deveria te desculpar? - Selene respondeu, sem desviar o olhar do que fazia.
- Ouvi barulhos, panelas se mexendo, água correndo... não sabia que já estava preparando seu café.
Selene sorriu de leve, virando-se para a jovem empregada.
- Eu gosto de fazer meu próprio café, Isadora. Também preparei para o Cas e para o Lucian.
Isadora, que trabalhava na cozinha, estudou Selene com um olhar curioso.
- O senhor Lucian prefere... - começou Isadora.
- Ovos mexidos com um pouco de sal e suco de romã - completou Selene, antes que ela pudesse terminar.
Isadora abaixou a cabeça rapidamente, sem graça.
- Me desculpe novamente, senhora.
- Não precisa ser formal o tempo todo, Isadora - asseverou Selene, sua voz mais suave. - Eu sei do que meu noivo e meu cunhado gostam. São gostos familiares. Tomei a liberdade de arrumar a mesa, então não se preocupe.
- Agradeço, senhora - respondeu Isadora, com um sorriso tímido.
Selene forçou um sorriso discreto enquanto perguntava:
- Há quanto tempo trabalha aqui?
- Apenas uma semana.
- Uma semana? - Selene inclinou a cabeça, instigada. - Tem namorado?
Isadora assentiu timidamente.
- Sim, é o Damian.
- Damian? - Selene franziu a testa, como se tentasse buscar o nome em alguma memória distante. - Damian Asford?
Isadora levantou os olhos, surpresa.
- Como sabe?
- Conheço um Damian. Ele trabalha com meu marido. E só existe um Damian Asford em Flerks. Ele vem de uma família de lenhadores, certo?
Isadora assentiu de novo, parecendo um pouco desconfiada.
- Exato.
- Perfeito. Ele costuma vir aqui com frequência?
- Não muito. Na primeira semana, apenas duas vezes - respondeu Isadora, ainda mais cautelosa.
- Entendi. Ele é um bom garoto. Temos a mesma idade. Estudamos juntos no Colégio Partenon, em Flerks. Ele e Cassian eram obcecados por esportes, mas Damian sempre foi excepcional na natação - comentou Selene, sorrindo ao se lembrar. Ela se sentou à mesa com uma xícara de chá nas mãos e, após um gole, continuou: - Ele se tornou modelo, posou para algumas marcas. Achei que a namorada dele teria uma vida mais... leve, digamos assim.
Isadora Storme sorriu de forma contida, os lábios formando uma linha quase imperceptível.
- Amo o Damian, mas quero ter meu próprio dinheiro - afirmou ela, firme.
- E está certíssima. Mas por que aqui? - Selene perguntou, inclinando a cabeça ligeiramente, como se analisasse a jovem com mais profundidade.
- O que quer dizer?
- Trabalhar nesta mansão tão distante da cidade.
Isadora franziu a testa, sentindo a insinuação.
- Está insinuando que...?
- Não estou insinuando nada, Isadora - disse Selene rapidamente, colocando a xícara de lado. - Só estou oferecendo uma oportunidade. Trabalhe para mim, na minha casa?
Selene não queria que alguém tão jovem e bonita como Isadora caísse nas tentações que ela mesma enfrentava. Lucian Thorn era como uma tempestade prestes a desabar. Primeiro, o céu escurecia, o vento frio soprava, e os pássaros fugiam em busca de abrigo. Logo, a chuva começava a cair, pesada e impiedosa, como as promessas sedutoras de Lucian. Quando a tempestade passava, as marcas ainda permaneciam, assim como as cicatrizes psicológicas que ele deixava. As promessas de Lucian escorriam pelo chão como as gotas de sangue de uma vítima caída.
- Gosto daqui, senhora. E o pagamento é bom - disse Isadora, ainda cautelosa.
- Eu sei. Pago mais - respondeu Selene, seu olhar fixo na moça.
- Aqui é mais perto da minha casa.
Selene fez uma pausa, refletindo, antes de soltar as palavras sem pensar:
- Ele não é confiável.
A frase saiu antes que ela pudesse se conter. Isadora olhou para Selene com curiosidade e desconfiança.
- Disso eu sei. Ele tem ideias confusas - admitiu a jovem, sem rodeios.
- Esqueça isso. É o melhor que pode fazer - Selene aconselhou, quase como um alerta final.
Antes que Isadora pudesse responder, o som de passos vindo da sala-de-estar silenciou ambas. Isadora voltou aos seus afazeres, enquanto Selene suspirava profundamente, ajustando sua máscara de tranquilidade antes de se dirigir ao outro lado, onde Cassian e Lucian a aguardavam.
Ela beijou Cassian nos lábios suavemente e cumprimentou Lucian com um aceno discreto, mas o caos interno que a consumia crescia cada vez mais.
- Procurei por você mais cedo, meu amor - disse Cassian, sua voz era leve.
- Você bebeu demais e roncou a noite toda, então acordei cedo e preparei o café - respondeu Selene, tentando manter o tom casual.
- Você preparou esse banquete, cunhada? - perguntou Lucian, com um sorriso torto nos lábios.
- Fui eu, mas nem é um banquete - respondeu Selene, enquanto seus olhos avaliavam Lucian.
Ele estava impecavelmente vestido com um terno negro, exalando charme, enquanto Cassian parecia mais relaxado, ainda um pouco desleixado da noite anterior.
- Tudo parece um banquete, meu amor - disse Cassian, sua voz carregada de cansaço e ressaca. - Sente-se. Depois vamos embora.
Selene hesitou por um instante, mas obedeceu, servindo-se de suco e uma torrada com Nutella.
- Pensou na minha proposta, irmão? - perguntou Lucian a Cassian, em um tom casual.
- Qual proposta? - Cassian franziu a testa, parecendo ter esquecido.
- A de vocês virem morar aqui comigo.
Selene quase engasgou com a torrada, tendo uma crise de tosse seca que só parou após um gole de suco.
- Estou bem - disse ela, tentando se recompor. - Vamos embora, Cas.
- Está cedo, Selene. Fiquem mais um pouco. Eu insisto - Lucian argumentou, mantendo seu sorriso sutil.
Selene suspirou novamente, tentando conter a crescente tensão.
- É uma ideia interessante, Lucian, mas eu e Selene estamos pensando em ter filhos, sabe? Precisamos de um cantinho nosso, mais privacidade - disse Cassian, sem perceber o olhar afiado que Lucian dirigia à sua noiva.
- Eu entendo - disse o mais velho, com falsa compreensão. - Mas pensem com carinho. Adoro crianças.
Era uma mentira. Lucian sempre detestou crianças, especialmente aquelas que exigiam atenção e cuidados. Cassian, em sua infância, não havia sido exceção.
- Vamos pensar, não é, amor? - Cassian perguntou, e Selene apenas assentiu.
- Perfeito. Vocês poderiam passar mais tempo comigo. Estou sempre tão sozinho - disse Lucian, jogando sua isca psicológica com maestria. - Eu só quero ser um irmão presente.
Selene era manipulável, mas Cassian, com sua inocência genuína, caía ainda mais facilmente nos jogos de Lucian. O irmão mais novo via as intenções de Lucian com os olhos nublados de ingenuidade, enquanto Selene já estava exausta de ser puxada para mais perto do abismo.
No final, quando todos pecam, qual será o destino de cada um? Não havia como se esconder, não quando a balança era terrívelmente equilibrada entre aquilo que somos e o que fazemos.
Ela jogou a bolsa sobre a cama, os olhos pesados de cansaço, enquanto Cassian a observava sentar-se na beira do colchão. Ele passou as mãos pelos fios dourados de seu cabelo, seus dedos tremendo levemente. Ficou ali, imóvel, apenas olhando para ela, tentando entender o que havia mudado. Tentando ser forte o suficiente para manter aquele noivado de pé.
- Você veio a viagem toda em silêncio - ele comentou, a voz baixa. - Tenho analisado seu comportamento. Parece outra pessoa, Selene. O que aconteceu para essa mudança tão... repentina?
Selene suspirou, retirando os brincos com um movimento brusco. Seus olhos foram até o espelho de moldura dourada à sua frente, e ela bufou, encarando sua própria expressão de cansaço.
- Já ouviu falar em TPM, Cas?
Cassian respirou fundo, fechando os olhos por um momento.
- Eu te conheço tempo suficiente para saber seus dias e os dias depois disso, Selene - murmurou ele, o nome dela escapando como um sussurro. - Seu amor por mim acabou, foi isso?
Ela sentiu um nó na garganta, engoliu em seco.
- Não, Cas. Eu te amo. Amo mais que tudo.
- Ama? - ele perguntou, seus olhos buscando os dela, cheios de uma dor contida.
Selene confirmou com a cabeça, tentando soar convincente.
- É com você que eu quero me casar, ter nossos filhos, construir uma vida.
- Então por que parece tão distante? Já percebeu que não me toca? Não fazemos mais amor como antes, e quando fazemos, é óbvio que você perdeu todo o interesse. Você sabe como isso me faz sentir, Selene?
As palavras dele bateram nela como um golpe, finalmente atingindo a primeira barreira que ela havia erguido ao redor de si mesma.
- Cas, por favor, seja compreensível comigo - pediu, tentando encontrar uma saída.
Mas Cassian Thorn estava cansado. Ele já havia se doado tanto para aquele relacionamento, estava segurando firme a corda que os mantinha juntos, e cada vez que sentia o fio escorregar, era como se o sangue dele escorresse junto.
- Eu estou sendo compreensível, droga.
- Eu sei, meu amor, eu sei - ela respondeu rapidamente, desesperada para aliviar a tensão.
- Então por que continua tão distante, mesmo estando aqui?
O questionamento a atingiu em cheio, e Selene não estava preparada para isso. Ela desviou o olhar, procurando uma fuga.
- Eu vou tomar um banho, Cas - disse, levantando-se apressada, tentando escapar da conversa.
- Viu só? - a voz dele subiu um tom, cheia de frustração. - Você foge da verdade como o diabo foge da cruz. Quem é ele, Selene? Quem é o homem pelo qual você me trocou?
Selene parou, as mãos tremendo levemente ao lado do corpo. Sentia o peso das palavras dele como um golpe físico. O silêncio entre os dois se estendeu, carregado de tensão.
- Não existe outro homem, Cas. - Ela finalmente encontrou forças para falar, virando-se para encará-lo. - Só existe você.
- Eu não sou idiota, Selene. Não depois de tudo que a gente passou. Tem alguém, não tem? - insistiu, seus olhos cravados nela, desafiando-a a negar o óbvio.
- Você está sendo paranoico. Eu não troquei você por ninguém - ela disse, tentando soar firme, mas a incerteza em sua voz traía suas palavras.
Cassian se levantou, caminhando até ela, seus olhos ardendo com uma mistura de dor e raiva. Ele parou a poucos passos de distância, estudando cada traço do rosto dela.
- Então me diz por que você mudou tanto. Me diz por que sinto que estou perdendo você um pouco mais a cada dia.
Selene mordeu o lábio, desviando o olhar novamente. Não sabia como responder. Como poderia? As verdades que ela guardava eram perigosas demais, para ambos.
- Não é tão simples assim, Cas - ela sussurrou, a voz falhando. - Tem muita coisa acontecendo. Coisas que você não entende.
- Então me faz entender, Selene! - ele explodiu, o desespero tomando conta. - Me faz entender por que a mulher que eu amo está se afastando de mim!
Ela sentiu as lágrimas começarem a se formar, mas as reprimiu rapidamente. Não podia deixar que ele a visse tão vulnerável.
- Eu preciso de tempo - foi tudo que conseguiu dizer.
Cassian balançou a cabeça, incrédulo.
- Tempo? Tempo para quê? Para você decidir se quer continuar ao meu lado ou se vai escolher esse outro cara que nem tem coragem de admitir que existe?
Ela ficou em silêncio, incapaz de responder. Sabia que qualquer coisa que dissesse só pioraria a situação.
Cassian soltou um suspiro pesado, passando a mão pelos cabelos mais uma vez. O cansaço emocional estava estampado em seu rosto.
- Eu te dei tudo, Selene. Tudo de mim. E você ainda não me dá respostas.
Ela o olhou, tentando encontrar as palavras certas, mas nada vinha. Sabia que estava à beira de perder o homem que um dia fora seu porto seguro. Mas as correntes de sua própria confusão a puxavam para um lugar que nem ela mesma conseguia entender.
- Eu não quero te perder - murmurou, quase sem voz.
Cassian ficou quieto por um longo momento, como se estivesse decidindo o que fazer com as últimas palavras dela. Quando finalmente falou, sua voz estava fria, distante.
- Talvez você já tenha me perdido.
Ele deixou o quarto, pegando às chaves do carro e desceu para à sala. Estava inquieto e nervoso.