A imagem de Selene, outrora perfeita, agora distorcia-se em sua cabeça, um retrato quebrado e agora sem utilidade. Será que ela realmente o amava? Ou estaria nos braços de outro, enquanto ele, como um tolo, acreditava em suas juras de lealdade? As dúvidas surgiam como fantasmas no vapor do banheiro, assombrando-o. Lucian havia insinuado, com a sutileza de uma víbora, que a traição estava à espreita. "Enquanto você está aqui, chorando por ela, outro pode estar ao lado dela, esperando o momento exato para se aproveitar de sua fraqueza." Essas palavras não apenas ecoavam; elas queimavam. Cassian apertou os olhos, tentando afastar os pensamentos, mas era tarde demais. O jogo de Lucian funcionava. Ele já via Selene com outros olhos, olhava suas lembranças com desconfiança. Cada risada dela, cada toque carinhoso, agora parecia carregado de intenção. E a incerteza, agora uma presença implacável, erguia-se sobre ele, fazendo-o questionar tudo, até mesmo a própria sanidade.
Cassian, ainda debaixo da água quente, começou a sentir o pânico queimar sob sua pele, uma inquietação que não cessava, por mais que a água escaldante tentasse purificá-lo. A dúvida, inicialmente sutil, agora crescia descontroladamente em sua mente como um tumor maligno. Lucian sabia exatamente onde tocar, em que ponto pressionar até que o incômodo se tornasse insuportável, e agora Cassian sentia-se preso nas teias da manipulação do irmão, incapaz de distinguir entre a realidade e o veneno que lhe foi sussurrado.
A imagem de Selene, sorrindo, o abraçando, estava manchada. "E se fosse mentira?", ele se perguntava incessantemente. Suas mãos tremiam sob o jato de água, tentando agarrar a solidez de algo que não existia. Será que Lucian estava certo? Será que, enquanto ele desmoronava ali, ela estava em outro lugar, nos braços de outro homem? O pensamento era insuportável, mas, quanto mais ele tentava afastá-lo, mais forte ele voltava, como ondas escuras afogando sua sanidade.
Ele saiu do banho, a água pingando de seu corpo em passos vacilantes, e parou diante do espelho. Por um instante, hesitou em olhar diretamente para seu reflexo. Quando finalmente o fez, não se reconheceu. A face no espelho era um borrão, distorcida pelo vapor e pela paranoia que o consumia. Era como se estivesse perdendo controle de si mesmo, seu rosto deformado pela ansiedade que tomava conta. Ele piscou várias vezes, tentando clarear a visão, mas o borrão continuava, um reflexo de sua mente fragmentada.
"Quem é você?" murmurou para si, encarando o reflexo que já não lhe pertencia. Sua respiração se acelerou. O medo de perder Selene, de ser traído, de ser enganado, estava deformando quem ele era. Ele levou as mãos ao rosto, esfregando-o com força, como se pudesse limpar a sensação de ser observado, de estar sendo julgado por algo que talvez nem fosse real. As palavras de Lucian, impregnadas de maldade, continuavam a ecoar: "Enquanto você está aqui, ela pode estar lá, se divertindo com outro..."
Cassian passou a mão pelos cabelos molhados, desesperado para encontrar uma resposta, uma saída daquele labirinto. Mas tudo o que conseguia era afundar mais fundo em seu próprio desespero. O medo corroía seus pensamentos, tornando-os afiados e letais. As dúvidas, as incertezas, tudo o que antes parecia sólido, agora se dissolvia, e ele não tinha mais controle sobre si mesmo. Afinal, quem era ele agora? Um homem traído? Um tolo? Ou apenas uma marionete nas mãos do próprio irmão, incapaz de enxergar a verdade por trás dos véus da manipulação?
Cassian Thorn era como uma deliciosa e irresístivel maçã, brilhante e impecável por fora, a superfície lisa e convidativa, quase perfeita. Uma promessa de doçura, de pureza. A maçã, assim como ele, nasce pequena, frágil, alimentada pela terra e pela luz. Cresce ao longo do tempo, sua casca endurece, adquirindo uma cor vibrante, capaz de cativar o olhar e instigar o toque. Uma fruta tão simples e, ao mesmo tempo, repleta de simbolismos. Na sua perfeição, esconde o perigo latente, uma dualidade entre o que é visto e o que está enterrado no fundo.
Cassian, tal como a maçã, tinha a aparência de alguém inabalável. Por fora, ele era a figura do controle, do charme, uma casca que seduzia aqueles ao seu redor. Mas assim como uma maçã que, ao ser cortada, revela seu coração, ele também carregava em seu interior uma podridão que começava a tomar conta. Aos poucos, imperceptível no início, o seu interior se corrompia, alimentado pelas palavras ardilosas de Lucian, como uma semente doente plantada no centro da fruta.
Uma maçã não escolhe ser apodrecida por dentro, assim como Cassian não escolheu ser corrompido pelo veneno do irmão. Ele, que antes era inteiro, intocado pela dúvida, agora sentia o gosto amargo da desconfiança se espalhando. Assim como uma maçã pode ser bela por fora e fatal por dentro, Cassian era uma fachada de integridade, mas por baixo daquela superfície imaculada, o medo e a paranoia já começavam a minar suas fundações.
A maçã, quando cai da árvore, rola pelo solo, esbarra em pedras, é pisoteada, e com o tempo sua pele se rompe, revelando o que há por dentro. Cassian estava prestes a cair, a ser exposto ao mundo, e quando isso acontecesse, o que seria revelado? Apenas um homem destruído, cujo interior havia sido lentamente devorado pela dúvida e pelo medo? Uma maçã que, mesmo sendo tocada pela luz e pelo vento, estava destinada a apodrecer na escuridão?
E assim como uma maçã que perde sua pureza com o passar do tempo, Cassian estava sendo consumido, mas a podridão que lhe tomava vinha de dentro. Era o reflexo do envenenamento emocional que o distanciava cada vez mais da sua verdadeira essência. A beleza e o vigor de Cassian não eram mais suficientes para mascarar a podridão que Lucian plantara nele, transformando-o em um homem à beira de ser devorado por suas próprias sombras.
Cassian saiu do banho com a sensação de que havia se lavado com algo mais denso que a água, algo metálico, venenoso como mercúrio. Sua pele, geralmente quente, agora parecia fria, um brilho inquietante se espalhava sobre seus músculos tensionados, como se o líquido tóxico ainda corresse sob seus poros. As gotas que escorriam de seu cabelo loiro grudavam na pele tatuada, mas nada nele parecia vivo. Era como se a água tivesse drenado qualquer resquício de clareza.
Quando entrou no quarto, encontrou Selene profundamente adormecida, suas respirações eram suaves, quase inofensivas, mas Cassian não conseguia se conectar com a tranquilidade daquele sono. Pelo contrário, havia algo nela que parecia distorcido agora, algo que seu irmão havia plantado como uma se fosse uma erva dadinha. Ele a observava como quem analisa uma escultura prestes a desmoronar -impecável, perfeita aos olhos de quem não sabe dos segredos ocultos nas rachaduras internas. A dúvida pulsava nele como um vírus, um espectro que o envolvia, sussurrando que ela poderia estar se afastando, que ela já não era mais a mesma. Cada batida de seu coração ecoava com as mentiras que Lucian despejara semeando traição. "Ela está com outro?", pensou, o veneno da incerteza corroendo suas entranhas. Ele podia sentir o peso daquele olhar fixo que ela, mesmo dormindo, parecia lançar sobre ele.
Seus dedos se fecharam em punho, a respiração tornou-se pesada. O medo estava ali, vivo, real. Ele sabia que estava enlouquecendo. Sentia que qualquer movimento podia ser seu último ato de controle. Mas e se fosse tudo verdade? Se enquanto ele caía na armadilha de suas próprias dúvidas, ela estivesse se entregando a outro?
Cassian sentiu o peso da escuridão que preenchia o quarto enquanto se movia silenciosamente até o lado da cama. Cada passo parecia ecoar o tumulto que vibrava dentro dele. Ele observou Selene por um momento mais, seus olhos correndo pela curva suave do corpo adormecido, os lábios entreabertos, como se sussurrassem segredos invisíveis. A dúvida ainda ardia em sua mente, mas, naquele instante, ele sentiu um cansaço brutal. Era como se a tensão que o consumira por horas estivesse agora drenando o que restava de sua força.
Com um suspiro baixo, ele deitou-se ao lado dela, virando-se de costas, o lençol fresco e leve tocando sua pele. A cabeça afundou no travesseiro, mas o desconforto emocional o mantinha tenso. Seus músculos continuavam rígidos, e o pulsar do próprio coração parecia ser o único som que ele conseguia realmente ouvir. A respiração de Selene era constante, tranquilizadora, mas ao mesmo tempo insuportavelmente distante. Cassian respirou fundo, como se tentasse expurgar o veneno das suas dúvidas com aquele gesto, mas o peso de tudo permanecia. Ele fechou os olhos, forçando a si mesmo a desligar os pensamentos, a se perder no vazio. Com o passar dos minutos, seu corpo cedeu, os ombros relaxaram, e o cansaço finalmente venceu. Seus pensamentos caíram em um silêncio sufocante, e ele afundou no sono, embora um sono inquieto, envolto na escuridão dos próprios temores.
Como uma tempestade que se avizinha, e depois de causar estragos, finalmente se dissipa, Cassian Thorn se levantou cedo, deslizando para fora da cama enquanto as gotas da chuva da noite anterior ainda deslizavam pelas vidraças. Vestia uma calça de moletom cinza e um casaco com capuz, que cobria parte de seus cabelos levemente amarrotados. Não tinha planos de correr naquele dia; sua mente era um turbilhão com os recentes acontecimentos, incapaz de encontrar descanso.
Cassian desceu as escadas sem pressa, seus pés descalços tocando o chão frio com uma suavidade inata. A pele de seus pés era quase pálida, com um leve tom rosado que se destacava a cada passo, como se sua brancura contrastasse com a madeira escura sob ele. A casa permanecia silenciosa, exceto pelo som suave de seus pés deslizarem pelos degraus, em uma calma que não refletia o turbilhão dentro dele.
Na cozinha, Cassian movia-se com destreza, familiarizado, como se o espaço fosse uma extensão de seu próprio corpo. Cada utensílio estava no lugar exato que ele havia deixado, e as mãos ágeis escolhiam os ingredientes com precisão. O brilho metálico dos instrumentos que manuseava refletia a luz suave que entrava pelas janelas, quase como se seguisse o ritmo de sua própria respiração controlada. Enquanto quebrava os ovos, misturava a massa e controlava o fogo com delicadeza, a cena parecia calma, quase terapêutica - mas por dentro, a batalha seguia implacável. Seus pensamentos giravam em torno das mentiras plantadas, das dúvidas corroendo sua mente como veneno na terra. Ele mexia a frigideira com movimentos cuidadosos, mas sua cabeça fervilhava. A linha entre o que era real e o que era manipulado por Lucian começava a borrar, mas as mãos de Cassian não tremiam. Mesmo assim, havia algo sombrio em sua serenidade, algo no modo como ele continuava a cozinhar, como se tentasse encontrar um equilíbrio no caos interno.
Ele sempre foi um bom garoto. Sempre. Suas notas eram altas, seu sorriso, suave e contagiante. Cassian fez grandes amigos durante o colegial, daqueles que se tornam quase irmãos, mas, com o tempo, como acontece com a maioria, essas amizades se perderam. Cada um seguiu seu próprio caminho, construindo vidas e histórias longe dali. Ele, por outro lado, ficou. Permaneceu em Flerks, ao lado de Selene. Sua doce e irresistível Selene. A mulher que ele escolheu para passar o resto de seus dias, com quem imaginava construir uma vida.
Mas, como as águas que mudam de curso constantemente, ele começou a notar uma transformação. No início, sutil, quase imperceptível, até que a mudança em Holloway, sua noiva, tornou-se inevitável. Cassian percebeu tarde demais. E agora, com as palavras venenosas de Lucian, seu irmão, ele tinha certeza de que algo estava errado. Ele sabia que Selene o traía, mas não fazia ideia de com quem. Pobre Cassian, sempre o último a perceber, sempre o último a saber... Como poderia lidar com isso agora?
Cassian desligou o fogo, olhando fixamente para as panquecas que preparava. Suas mãos descansaram pesadamente nas bordas do fogão, enquanto sua respiração saía lenta, controlada, como se estivesse tentando manter algo contido. Ele ouviu passos suaves no chão atrás de si, mas permaneceu imóvel, de costas, sem sequer olhar. Ainda assim, viu a figura de Selene se desenhar nas panelas de alumínio à sua frente. Seus cabelos estavam impecáveis, como sempre, mesmo depois de uma noite de sono. Ela o abraçou por trás, como costumava fazer nos tempos de adolescência, com uma familiaridade que deveria ser reconfortante. Os lábios dela depositaram beijos leves nas suas costas, num gesto que, em outros tempos, despertaria nele algo doce. Agora, no entanto, o toque era apenas uma lembrança distante do que eles foram, um afago que, ao invés de aquecer, acordava nele pensamentos e desejos confusos, desordenados.
Cassian fechou os olhos por um momento, deixando-se sentir aquele toque, mas algo dentro dele se agitava, algo que não era mais só desejo. Ele se virou lentamente para encará-la, tentando entender o que havia por trás daquele carinho. Selene Holloway não estava vestida como quem acabara de acordar para uma simples manhã de café. Ela estava em busca de algo mais, algo além de um gesto afetuoso de bom dia.
- Você não está aqui só para me abraçar, está? - Cassian perguntou, sua voz soando mais fria do que pretendia.
Ele sabia que ela queria mais. Ele podia sentir isso nos olhos dela, no jeito como ela o olhava, como se buscasse algo diferente do que tinham vivido até agora. Talvez, naquele abraço, ela estivesse tentando esconder uma verdade mais profunda, ou talvez buscando uma distração que só o corpo poderia oferecer.
Selene sorriu, mas era um sorriso carregado de lúxuria.
- Você sabe o que eu quero, Cassian... Nós não precisamos fingir.