O Legado do Lobisomem
img img O Legado do Lobisomem img Capítulo 8 Ayla Solano
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Capítulo 8 Ayla Solano

O silêncio na sala era rompido apenas pelo ranger leve da madeira sob os pés de Rick enquanto ele se movia. A tensão era quase palpável, uma presença invisível, mas impossível de ignorar. A menina no sofá ainda não dizia nada, mas algo na forma como ela nos observava fazia minha pele arrepiar. Havia um mistério no olhar dela, algo que eu não conseguia decifrar.

Rick soltou um suspiro longo e pesado antes de voltar a falar.

- Se não fizermos algo agora, pode ser tarde demais.

- Tarde demais para o quê? - Retruquei, o tom ácido escapando antes que eu pudesse me conter. - Rick, estamos lidando com algo que não entendemos. Você realmente acha que podemos proteger uma criança conectada... a isso?

Ele me encarou, as sobrancelhas franzidas, como se estivesse tentando encontrar as palavras certas. Mas Rick nunca foi de perder tempo com palavras delicadas.

- Não acho, Ayla. Eu sei. Ela é a única chance que temos.

A palavra "única" ecoou na minha cabeça. A única chance. O único caminho. E se estivéssemos errados? E se protegê-la fosse exatamente o que nossos inimigos esperavam?

Antes que pudesse questioná-lo novamente, senti um frio percorrer a sala. O tipo de frio que não vinha de uma janela aberta, mas de algo muito mais profundo. A menina finalmente se moveu, inclinando-se ligeiramente para frente, e então falou pela primeira vez desde que chegou até nós. Sua voz era fina, quase um sussurro, mas tinha um peso que me fez prender a respiração.

- Eles estão aqui.

Meu coração parou por um instante. Rick girou o corpo para a janela, os olhos percorrendo a floresta como se esperasse ver algo surgir da escuridão. Mas não havia nada, apenas o som do vento balançando as folhas.

- Quem está aqui? - Perguntei, incapaz de conter o tremor na minha voz.

Ela não respondeu. Apenas apontou para a janela.

Rick não esperou por mais explicações. Ele pegou a arma que estava sobre a mesa e foi até a porta, os movimentos firmes, mas silenciosos. Eu queria detê-lo, mas o olhar dele me avisou para não dizer nada. Ele abriu a porta devagar, a madeira rangendo sob a pressão.

- Fique com ela. - Ele murmurou antes de desaparecer na escuridão.

Eu me virei para a menina, meu coração batendo forte no peito. Ela estava tão calma, como se tudo aquilo fosse esperado. Como se ela soubesse o que estava por vir.

- Você precisa me dizer o que está acontecendo. - Exigi, tentando parecer firme, mesmo que por dentro eu estivesse em pedaços.

- Você verá. - Foi tudo o que ela disse.

E eu vi. Não demorou muito. Um barulho alto ecoou na floresta, algo que parecia um rugido, mas que não era de nenhum animal que eu conhecia. Corri até a porta e olhei para fora, o coração na garganta. Rick estava parado a poucos metros da cabana, a arma apontada para algo que não consegui identificar.

E então, eu os vi. As sombras. Elas não eram humanas, mas também não eram totalmente bestiais. Moviam-se rápido, envolvendo Rick como uma tempestade viva. Ele atirou uma, duas, três vezes, mas parecia não fazer diferença. As balas atravessavam as sombras sem causar impacto.

- Rick! - Gritei, sentindo o desespero me consumir.

A menina apareceu ao meu lado, os olhos fixos na cena.

- Não se preocupe. - Disse ela, com uma calma assustadora. - Eles não podem machucá-lo. Não enquanto eu estiver aqui.

Eu a encarei, tentando entender. Antes que pudesse perguntar o que ela queria dizer, ela deu um passo à frente, saindo da proteção da cabana. Meu instinto foi puxá-la de volta, mas algo me impediu. Havia uma força ao redor dela, algo invisível, mas impossível de ignorar.

Ela ergueu a mão, e as sombras pararam. Tudo ficou em silêncio, como se o tempo tivesse congelado. Rick olhou para trás, confuso, mas não se moveu. A menina começou a murmurar algo, uma língua que eu nunca tinha ouvido antes. As sombras começaram a se dissipar, uma a uma, até que não restava mais nada.

Rick se virou para mim, o rosto dele uma mistura de choque e alívio.

- O que ela fez? - Ele perguntou, ofegante.

Eu não tinha respostas. Apenas mais perguntas. Mas naquele momento, soube que nossa luta estava apenas começando.

O passado parecia agora um quebra-cabeça que eu nunca quis montar, mas que lentamente começava a se encaixar, peça por peça. Minha mãe sempre foi uma mulher reservada, mas atenta. Seus olhos pareciam sempre estar observando algo além do que eu podia ver. Quando criança, eu achava que era apenas o cuidado excessivo de uma mãe superprotetora. Agora, eu entendia que era algo muito mais profundo.

Lembrei-me de um dia específico, quando eu tinha oito anos. Estávamos em um mercado, comprando frutas, quando um homem estranho apareceu. Ele era alto, vestido de preto, e seus olhos eram de um tom tão claro que pareciam brilhar. Minha mãe congelou ao vê-lo. Largou as sacolas no chão e segurou minha mão com tanta força que doeu.

- Não olhe para ele, Ayla. - Ela sussurrou, o tom urgente.

Eu não entendi o motivo, mas obedeci. Ela me puxou para fora do mercado às pressas, quase correndo, como se nossas vidas dependessem disso. Quando finalmente paramos, sua respiração estava ofegante, e ela segurou meu rosto com ambas as mãos, olhando nos meus olhos.

- Você nunca, nunca deve falar com estranhos que têm olhos como aquele homem. Prometa pra mim, Ayla. Prometa!

Eu prometi, assustada com o tom dela. Na época, achei que era paranoia. Hoje, percebia que era algo muito maior. Aquilo não era um homem comum, e minha mãe sabia disso.

Outra lembrança surgiu, desta vez de uma noite em que ela estava sentada na sala, segurando o amuleto que sempre carregava. O brilho da luz do abajur iluminava suas feições cansadas enquanto ela murmurava algo que eu não conseguia entender. A cena parecia um ritual, mas na minha mente infantil, era apenas minha mãe rezando. Agora, entendia que ela estava tentando proteger nossa casa, nossa família.

- Você é tão especial, Ayla. - Ela costumava dizer, beijando minha testa antes de me colocar na cama. - Nunca deixe ninguém fazer você duvidar disso.

Na época, essas palavras pareciam um consolo genérico. Agora, percebendo o significado por trás delas, sentia uma onda de culpa por nunca ter perguntado mais, por nunca ter percebido o peso que ela carregava. Minha mãe viveu com medo, sempre olhando por cima do ombro, e tudo por minha causa.

Rick limpou a garganta, trazendo-me de volta ao presente.

- Sua mãe era parte de algo antigo, Ayla. Uma linhagem que existe para proteger o equilíbrio entre os mundos. Quando você nasceu, tudo mudou. Eles perceberam que você era diferente, que tinha algo que ninguém mais tinha.

- O quê? - Minha voz saiu embargada.

Ele hesitou por um momento, mas então falou:

- O poder de abrir e fechar portais. Você é a ponte entre este mundo e o outro.

As palavras dele me atingiram como um soco no estômago. Minha mente voltou à última vez que vi minha mãe no hospital. Mesmo fraca, ela segurou minha mão e disse:

- Não importa o que aconteça, você é mais forte do que pensa.

Agora, entendia. Ela sabia o que estava por vir. Sabia que minha vida seria marcada por essa luta, e ainda assim, nunca deixou de me proteger. Minha mãe deu tudo para que eu pudesse viver, e não importava o quanto isso me assustasse, eu estava decidida a honrar o sacrifício dela.

A sala ficou em silêncio após as palavras da menina. Era como se o ar tivesse ficado mais pesado, dificultando até respirar. Rick passou a mão pelos cabelos, claramente tentando processar o que acabava de ouvir. Eu, por outro lado, senti uma mistura de pânico e raiva crescer dentro de mim. Ela era apenas uma criança, mas as sombras pareciam ter dado a ela um peso que nem mesmo um adulto deveria carregar.

- Você entende o que está dizendo? - Perguntei, tentando manter a voz firme. - Está nos pedindo para lutar contra algo que nem sabemos como enfrentar.

Ela me encarou com aqueles olhos grandes e assustadoramente calmos, como se já tivesse aceitado o que estava por vir.

- Não é sobre o que vocês sabem. É sobre o que estão dispostos a fazer. - Ela disse, cada palavra pesada como chumbo.

Rick suspirou ao meu lado, parecendo exausto.

- Por que eles te querem? O que exatamente você pode fazer?

A menina desviou o olhar, parecendo buscar as palavras certas. Depois de alguns segundos, ela respondeu:

- Eu sou a passagem. Meu corpo, minha mente... eles são a porta. Sem mim, eles não podem atravessar completamente para este mundo. Mas, se eles conseguirem me controlar, tudo o que vocês conhecem vai desaparecer.

Minha garganta secou. Era mais do que eu estava preparada para ouvir. A ideia de que essa criança era a chave para um evento tão catastrófico parecia surreal, mas, ao mesmo tempo, tudo fazia sentido. Desde que ela apareceu, as sombras nos perseguiam, os ataques estavam se intensificando, e agora sabíamos por quê.

- E o que acontece se eles não conseguirem te controlar? - Perguntei, hesitante.

Ela nos olhou novamente, a expressão dela mais sombria do que nunca.

- Então eles me destroem.

Um arrepio percorreu minha espinha. Rick deu um passo à frente, ajoelhando-se para ficar na altura dela.

- Isso não vai acontecer. Nós não vamos deixar.

- Você não pode prometer isso. - Ela retrucou, com uma calma que me fez questionar sua idade mais uma vez. - Eles são fortes. Muito mais do que vocês imaginam.

O símbolo na minha mão começou a brilhar novamente, quente e pulsante. Instintivamente, coloquei a outra mão sobre ele, tentando abafar a luz. A menina olhou para mim, sua expressão mudando para algo que parecia... esperança.

- Mas você pode lutar contra eles. - Ela disse, como se soubesse algo que nem eu sabia. - Você e o Rick. Vocês são diferentes.

- Diferentes como? - Rick perguntou, franzindo o cenho.

Ela hesitou por um momento antes de responder:

- Vocês têm algo que eles temem. Algo que nem mesmo eles podem destruir.

- O quê? - Pressionei meu coração batendo mais rápido.

A menina sorriu levemente, um sorriso pequeno e enigmático.

- Vocês têm um ao outro.

As palavras dela me atingiram de forma inesperada. Olhei para Rick, que desviou o olhar, claramente tão desconfortável quanto eu com aquela afirmação. Não era o momento para discutir sentimentos ou conexões, mas algo no tom dela fazia parecer que havia uma verdade maior ali, algo que ainda precisávamos entender.

- Isso não muda nada. - Disse Rick, levantando-se e cruzando os braços. - Ainda precisamos descobrir como lutar contra essas coisas e proteger você.

A menina se levantou do sofá e caminhou até a janela, olhando para a escuridão lá fora.

- Eles virão em breve. Precisamos estar prontos.

Ela falou como se tivesse certeza, e isso me deixou inquieta. Olhei para Rick, que parecia estar pensando a mesma coisa. Não importava o quão assustadora fosse a situação; sabíamos que não havia como voltar atrás. A luta estava chegando, e tudo o que podíamos fazer era decidir se estávamos dispostos a enfrentá-la.

Rick finalmente quebrou o silêncio.

- Nós vamos lutar. - Ele disse, sua voz firme. - Não importa o que aconteça.

Eu assenti, mesmo que o medo estivesse me consumindo por dentro. Não tínhamos todas as respostas, mas tínhamos a única certeza que importava naquele momento: desistir não era uma opção.

O silêncio que se seguiu foi pesado, mas diferente de antes. Não era mais a tensão sufocante de um conflito sem solução, mas algo mais carregado de propósito. Rick ainda segurava minha mão, e a sensação daquele contato - firme, caloroso, quase protetor - era desconcertante. Ele sempre foi o tipo de pessoa que agia como uma muralha, inabalável, mas agora eu via o que estava escondido por trás da fachada de força: medo, responsabilidade, e talvez até mesmo um pouco de fé em mim.

Soltei sua mão com um movimento brusco, não por rejeição, mas para retomar o controle das minhas emoções. Não podíamos nos dar ao luxo de distrações, não com o que estava por vir. Rick parecia entender e deu um passo para trás, voltando a cruzar os braços, o semblante sério de sempre. A menina, no entanto, continuava nos observando, como se estivesse analisando o que havia acabado de acontecer.

- Então, qual é o plano? - Perguntei, quebrando o silêncio.

Rick respirou fundo, sua expressão endurecendo novamente.

- Precisamos saber onde eles estão e como vão atacar. Não podemos esperar que eles venham até nós sem estarmos preparados.

- Concordo. - Respondi, mesmo sabendo que seria mais fácil dizer do que fazer. - Mas como encontramos algo que literalmente vive nas sombras?

A menina interrompeu, sua voz mais firme do que antes:

- Eu posso senti-los. Sempre posso. Mas quando eles se aproximam, eu perco o controle.

Eu franzi o cenho, tentando entender.

- Perde o controle como?

Ela hesitou antes de responder, como se estivesse tentando encontrar a melhor maneira de explicar.

- É como se eles entrassem na minha mente. Usam minha conexão com o portal para se fortalecer. Quanto mais perto eles estão, mais fraca eu fico.

Rick e eu trocamos olhares. Era um problema maior do que imaginávamos. Se ela era o elo entre os mundos, qualquer falha da parte dela poderia significar a vitória das sombras.

- Então precisamos afastá-los de você. - Rick disse, com aquele tom de decisão que ele sempre usava.

- Isso não vai adiantar. - A menina respondeu, balançando a cabeça. - Eles sempre vão me encontrar. O que precisamos é de algo que os enfraqueça.

Minha mente começou a trabalhar em possibilidades. Os livros de Rick mencionavam rituais antigos, símbolos de proteção e artefatos capazes de selar passagens entre mundos. Se pudéssemos encontrar algo assim, talvez tivéssemos uma chance.

- Os livros. - Falei, voltando-me para Rick. - Devem haver mais informações lá. Algo que possamos usar para proteger o portal... e a ela.

Rick assentiu, já se movendo em direção à prateleira onde mantinha seus volumes mais antigos. Enquanto ele procurava, olhei para a menina. Ela parecia tão pequena, tão frágil naquele momento, mas seus olhos eram profundos, carregados de uma sabedoria que não era dela.

- Por que você? - Perguntei, minha voz mais suave do que pretendia.

Ela me olhou, sem surpresa.

- Porque eu fui feita para isso.

- Feita? - Repeti, confusa.

- Eu não sou como você, Ayla. - Ela disse, sua voz firme, mas com um toque de tristeza. - Minha existência não é um acaso. Fui criada para ser o portal, para equilibrar os mundos. Mas eles me querem para desequilibrar.

As palavras dela me atingiram como um golpe. Era uma revelação que mudava tudo. Se ela não era apenas uma criança, mas algo criado para um propósito específico, isso significava que sua luta era ainda maior do que imaginávamos.

Rick voltou, segurando um livro pesado com páginas amareladas.

- Aqui. - Disse ele, colocando-o na mesa com um baque. - Tem algo sobre rituais de selamento. É arriscado, mas pode funcionar.

Olhei para o livro e depois para ele. Sabíamos que qualquer tentativa seria perigosa, mas, naquele momento, não havia espaço para hesitação.

- Vamos começar. - Disse, decidida.

Rick assentiu, e a menina se aproximou lentamente, observando enquanto abríamos o livro. O ar parecia mais pesado na sala, como se a própria presença das sombras estivesse nos observando, esperando o próximo movimento. Mas, pela primeira vez, eu sentia que estávamos um passo à frente.

E isso, por si só, já era um começo.

            
            

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