Capítulo 9 Futuro perdido

ELA

Inspirei profundamente, sentindo a brisa morna, que trazia o cheiro do mar, tocar o meu rosto. Será que o clã da Lua de Sangue é perto da praia? Se for, reservarei bastante do meu tempo para aproveitar o mar.

Eu sorri, olhando para o céu ao recordar bons momentos da minha infância.

Meus pezinhos na areia, meus pais, um de cada lado, segurando as minhas mãos. Meu coração acelerado em expectativa de sentir a onda. O sorriso meigo da minha mãe ao me olhar e o brilho dos olhos do meu pai ao admirá-la.

Havia tanto amor naquele momento, gravado para sempre na memória.

Infelizmente, não visito tanto o mar como gostaria, em especial após as investigações do meu pai.

- Luna Odessa.

Abri os olhos, ainda sorridente, e me deparei com o Beta me fitando com o rosto sério, Após me avaliar por alguns segundos, ele se curvou para mim, assumindo a atitude formal diante de um superior.

Um belo macho Beta, forte, austero, até mesmo intimidador. Quase tão alto quanto Orium, com cabelos castanhos longos e lisos, como a crina do meu cavalo.

- Beta? - O encarei, intrigada.

Desde que estávamos no meu território, ele mal olhou para mim, ignorou a minha existência na maior parte do caminho, e agora, me cumprimentava com respeito.

O que mudou?

- Eu gostaria de ter te conhecido em circunstâncias mais agradáveis. Ainda assim, quero dizer que é uma honra te conhecer, Luna!

As palavras dele e surpreenderam, fiquei ali parada, sem reação, apenas deixei a semente ser plantada: ele me acolheu como Luna.

- Obrigada, Beta!

Ele acenou com a cabeça e passou a mão do lado do cavalo. O animal não gostou muito e deu alguns passos para trás, sacudindo a cabeça.

- Oh! Ei, garoto, calma! - Segurei as rédeas e dei um puxão, para que o animal parasse.

O Beta me ajudou a descer, agindo como um perfeito cavalheiro.

- É um belo animal. O meu filhote tem adoração por cavalos, vive me pedindo um de presente.

- Tem filhotes?

- Sim, Luna, um macho. Tive a sorte de emprenhar a minha fêmea na primeira vez que montei nela, durante o nascimento de sua loba.

- Oh... Eu pensei que machos se precaviam contra a possibilidade de emprenhar fêmeas de outros...

- Sim, está correta, Luna, mas nós já sabíamos que ela era minha alma gêmea. Conheço Irina desde sempre, e quando o meu lobo nasceu, eu sabia que era ela.

- Nossa! Que história bonita a de vocês! Deve ser bom ter sempre a sua alma gêmea ao seu lado, formarem uma amizade antes de, você sabe...

- Obrigado, Luna! Eles são tudo para mim.

- Estou interrompendo alguma coisa?

A mão de Orium segurou o meu pescoço pela nuca e ele parou ao meu lado. O dedo polegar, inquieto, deslizava pela pele abaixo da minha orelha.

- Alfa! - Eu estava contando a nossa Luna sobre o meu filhote e seu amor por cavalos.

O calor da pele dele estava mexendo com os meus sentidos. Três dias após o contato visual inicial entre nossas naturezas e nenhum outro contato físico real estava causando um rebuliço em nosso vínculo.

Tão perto, mas tão distante...

Orium encarou o Beta, a intensidade de sua aura se intensificando até que, finalmente, o Beta exibiu o pescoço em uma demonstração de respeito e submissão.

- Estamos chegando, leve o cavalo, ordene aos homens que hasteiem as bandeiras e envie dois sentinelas para avisarem o clã de nossa chegada!

- Sim, senhor!

O Beta se retirou para cumprir as ordens e Orium se virou de frente para mim, parecia estar irritado.

A minha loba se ergueu em meu âmago, abanando o rabo para a desnecessária demonstração de poder do Alfa. Ela tinha orgulho da força e da virilidade de seu macho, enchendo a minha mente com imagens de como os nossos filhotes seriam fortes e saudáveis.

- Estamos bem próximos da fronteira, venha, vou te mostrar uma coisa.

Sem esperar a minha resposta, ele pegou a minha mão e me levou para o alto de uma ribanceira.

- Oh, Grande Deusa, que lindo! Eu amo o mar! Podemos ir a praia?

Daquela altura, era possível ver o mar por detrás das árvores, azul, límpido, ainda mais exuberante adornado pelos últimos raios de sol.

- Sempre que desejar, a praia toda faz parte de nossas terras.

Ele chegou mais perto, por detrás de mim, sem me tocar, mas senti quando ele abaixou a cabeça perto do meu pescoço, inspirando o ar em busca da minha essência.

Ele apontou para a beira-mar, onde alguns navios e barcos estavam ancorados.

- Aquele é o nosso cais do porto. Enviamos navios comerciais por toda Oníria, nossa frota é a maior e mais eficiente.

Ele falava do clã cheiro de orgulho e paixão do que possuia, mas, em especial, do seu povo.

- As árvores desse bosque - Disse referindo-se ao bosque que estava entre a ribanceira e a praia. - são muito antigas, não permitimos que desmatem ou interfiram na natura.

Ele segurou a minha cintura e virou um pouco o meu corpo. Não me contive e deixei o meu corpo relaxar para trás, tocando o seu peito com as minhas costas. Ele sibilou, mantendo a posição, eu podia ouvir o seu coração batendo mais rápido e mais forte dentro do peito.

Quando voltou a falar, a sua voz era um sussurro rouco em meu ouvido.

- Ali, naquelas montanhas, tem um lago banhado por uma cachoeira muito bonita, você vai gostar. A água do lago é morna e o fundo e composto de cristais coloridos. Todos os meus ancestrais levaram as suas fêmeas para acasalar lá após a cerimônia de união.

Pelos deuses, ficou tão quente de repente, a cada palavra, a voz dele encharcava mais a minha roupa de baixo. O seu membro duro pressionado nas minhas costas, o hálito quente no meu ouvido fazia coisas com o meu corpo que eu jamais imaginei, nem nas minhas noites mais solitárias...

A sua mão tocou a minha barriga, mesmo sobre o tecido fino da vestimenta humana, minhas entranhas despertaram. O nariz dele deslizou pelo meu pescoço, minha pele estava toda arrepiada de desejo. Seus longos cabelos trançados esconderam o seu rosto e eu notei as fitas violetas mais uma vez.

- O que são essas fitas cor de violeta? - Perguntei tentando distrair a minha mente e recobrar o juízo.

Ele parou os avanços e se afastou de mim, dando dois passos para trás. Uma sirene tocou ao longe, os lobos ao nosso redor uivaram alto, todos ao mesmo tempo. Eles bateram no peito, a armadura de metal que os protegia o peitoral emitindo o som da batalha.

Longas lanças foram erguidas, hasteando bandeiras com a insignia do clã, sinal de vitória.

Ao longe, mais uivos, o clã sabia que seus homens retornavam vitoriosos de mais uma batalha.

Em seguida, o uivo solitário de Orium, acompanhado por bandeiras vermelhas.

- O que significa isso? - Perguntei quando os lobos ecoaram o seu uivo.

- Anunciei o clã a chegada de sua nova Luna.

*****

ELE

Mantive distância enquanto a observava.

Estávamos perto do território, a culpa me torturava, logo teria que ver Lídia, encarar a fêmea que me aguardava como todas às vezes em que eu saia em campanha. Sempre retornava ansioso por vê-la, provar da refeição que ela preparava especialmente para mim.

Meu assado favorito e um bom vinho antes de fodê-la até não poder mais, matando a nossa sede, com juras de amor eterno.

Não estava ansioso dessa vez.

Meus passos lentos e pesados seguiram sem pensar na direção da amazona montada em seu cavalo.

Ela olhou para cima e quase me fez tropeçar. O rosto perfeito apresentava covinhas nas bochechas e os olhos franziam no primeiro sorriso genuíno dela que testemunhei.

Eu não era a razão daquele sorriso...

O meu Beta falava com ela, postura de submissão, antes de ajudá-la a descer.

Por que ela sorria para ele? O que ele disse a ela que a fez sorrir?

- Estou interrompendo alguma coisa? - Perguntei, segurando a sua nuca.

Estava reiterando a minha posse.

"Minha!"

Rosnou a minha fera dentro de mim, me corrigindo.

Dispensei o meu beta e a levei para ver nosso clã, seu novo lar. Uma carga de energia passou por minhas veias quando ela se recostou em mim, aceitando o meu corpo, meu toque....

" Minha!'

A fera rugiu internamente, repetindo a reivindicação. Minha terceira forma estava tão afastada de mim, que me via como outra pessoa, não como parte de um todo.

Eu precisava me manter são e forte, conservar a pureza dela até a cerimônia de união, onde a montaria diante de todo o clã como dita a lei, mas ela tornava tudo tão difícil com esse aroma delicioso, o corpo colado ao meu, incitando o meu desejo.

Não havia mais nada, só ela e eu, pele na pele, meus lábios tocaram o seu pescoço, onde ficará a minha marca.

Sem pensar, mais rápido do que eu poderia antecipar, minha mão tocou a sua barriga, o ventre que carregará nossos filhotes. Meu membro latejou, desejando estar dentro do que me pertencia. O seu corpo estremeceu e ela se encostou mais me mim.

O calor percorreu a minha espinha, o efeito da fêmea em mim era fenomenal, ter o seu corpo junto ao meu era natural, era o certo.

" Minha"

A terceira forma tentou tomar o controle com ciúmes da forma humana. A beberagem estava perdendo efeito, a fera queria marcar a nossa companheira ali mesmo, sem atinar para as consequências.

- O que são essas fitas cor de violeta?

Sua pergunta me tirou do transe, eu me afastei, antes que a terceira forma a marcasse sem consentimento.

A sirene do clã ecoou, meus sentinelas já aviam anunciado a nossa chegada.

Um uivo coletivo, entoando o cântico da vitória.

O meu coração ardia, era chegada a hora. Bandeiras vermelhas estendidas, era o momento do meu anúncio.

O clã uivou em retorno, celebrando a nova Luna.

Agora ela sabia... Todos sabiam o que o meu segundo uivo solo significava.

Nosso futuro se perdeu...

Lidia...