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O elevador estava demorando mais do que deveria, então resolvi descer de escada. Cada passo fazia meu coração bater mais rápido, não sei se pela agitação ou como se ele antecipasse algo que eu não sabia o que era. E, quando cheguei ao hall do andar da Tay, eu congelei.
Eles estavam ali. Tay e Nick. Encostados na parede, os corpos tão próximos que era difícil dizer onde ela terminava e ele começava. Tay tinha as mãos no pescoço dele, os dedos brincando distraídos com o cabelo dele, enquanto Nick segurava a cintura dela com uma confiança desconcertante. Eles estavam tão mergulhados naquele momento, tão perdidos um no outro, que nem perceberam minha presença.
Eu devia ter desviado o olhar. Sido educada, discreta, qualquer coisa. Mas não consegui. Algo naquela cena me prendeu. Não era a novidade – Tay sempre foi assim, livre e sem amarras. O que me prendeu ali, foi a liberdade dela. O jeito como ela se jogava sem pensar no depois, sem medo do que isso poderia causar.
Eu me senti pequena. Presa. Era como se algo dentro de mim encolhesse enquanto eu observava Tay e Nick, tão despreocupados, tão... livres. Como ela fazia isso? Como conseguia viver o momento intensamente e não carregar o peso dele depois? Tay beijava hoje, esquecia amanhã, e seguia em frente como se nada tivesse acontecido, como se nada pudesse atingi-la.
E ali, parada no meio daquele hall, com o coração batendo pesado, um pensamento perigoso tomou conta de mim. E se...? E se eu pudesse ser assim? Pegar sem me apegar. Sentir sem criar expectativas. Me jogar sem medo de me quebrar. Curtir uma noite, sem querer que seja pra vida inteira?
Mas só de pensar nisso, um frio percorreu minha espinha. Era assustador. Sempre me orgulhei de manter o controle, de construir meus muros, altos e sólidos, pra me proteger de qualquer coisa que pudesse machucar. O amor dos livros de romance eram seguros, perfeitos, com finais felizes garantidos. Mas o amor da vida real... Ah, esse era traiçoeiro. Um campo minado ,onde um passo em falso, e você estaria destruída.
Só que agora, olhando pra Tay, rindo e flertando sem nenhum cuidado, algo dentro de mim começou a balançar. Talvez não fosse errado querer... mais. Querer me permitir. Sentir o que quer que fosse, sem medo de onde isso poderia me levar.
Respirei fundo, tentando espantar o turbilhão na minha mente. Endireitei a postura, pigarreei, e o som ecoou pelo hall como um aviso da minha chegada. Eles se afastaram num pulo, como dois adolescentes pegos no meio de algo proibido.
– May! – Tay disse, com uma risada sem graça, ajeitando o cabelo e tentando parecer casual.
– Não parem por mim. – Levantei as mãos num gesto despreocupado. – Eu não vi nada.
Eles riram, aliviados, e eu forcei um sorriso. Entrei no apartamento sem olhar pra trás, mas era impossível deixar aquilo ali, como se nada tivesse acontecido.
Por dentro, algo pulsava. Um desejo que eu não entendia, uma vontade que eu nunca tinha sentido antes. Pela primeira vez, me perguntei se eu realmente queria continuar vivendo atrás dos meus livros e dos muros que construí. Ou se, talvez, só talvez, eu estivesse pronta pra arriscar.
Só que o risco me assustava tanto quanto me atraía. Era uma batalha entre o medo e o desejo, e, pela primeira vez, eu não sabia qual lado venceria.
Do lado de dentro, o apartamento era pura energia. A música alta ecoava pelas paredes, enquanto Gael, no comando da playlist, dançava como se não houvesse amanhã, arrancando risadas e passos desajeitados de todo mundo. A sala parecia pequena demais para tanto movimento. No sofá, Erick estava largado, rindo sozinho da cena, com aquele jeito descontraído que parecia ser tão natural pra ele.
Eu fiquei ali por alguns segundos, encostada na parede, observando. Me sentia meio deslocada, mas ao mesmo tempo, algo em mim queria fazer parte daquilo. Inspirei fundo, decidindo tentar. Afinal, o que eu tinha a perder? Me aproximei de Erick, tentando parecer confiante, embora meu coração estivesse disparado.
– Se eu tivesse que escolher entre essa cena e a degradação, com certeza escolheria a degradação. – Soltei a frase, achando que era engraçada, interessante até. Um pequeno risco, só pra ver onde isso nos levaria.
Ele me olhou, levantando uma sobrancelha, claramente confuso.
– Não faço ideia do que você tá falando, mas tanto faz. – Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele simplesmente me puxou.
Foi rápido, inesperado. Os lábios dele tocaram os meus com uma firmeza que me desarmou completamente, como se aquilo estivesse destinado a acontecer desde sempre. Meu coração parou por um segundo e, logo em seguida, disparou como se tentasse alcançar o ritmo do que acabara de acontecer.
Por um instante, fiquei imóvel, pega de surpresa, mas a intensidade dele me puxou para fora de mim. Meu corpo reagiu antes que minha mente pudesse racionalizar, e eu me permiti. Pela primeira vez em muito tempo, me permiti sentir.
Eu não era nenhuma especialista. Minhas experiências com beijos eram tão escassas quanto antigas: um ou outro beijo roubado no parquinho da escola, desajeitados, quase inocentes. Depois, Gael, antes dele descobrir sua sexualidade e nos tornarmos melhores amigos. Desde então, nada. Era como se eu tivesse congelado aquela parte de mim, escondendo-a junto com tantos outros sentimentos que eu evitava encarar.
Mas Erick... Erick sabia o que estava fazendo. Era intenso e ao mesmo tempo cuidadoso, como se estivesse me ensinando, me conduzindo sem pressa, me fazendo sentir que eu fazia parte daquilo. Não havia hesitação nele, e isso me deu uma confiança que eu não sabia que tinha.
A forma como ele me puxou para mais perto, como seus lábios se moviam nos meus, despertou algo que eu nem sabia que estava ali. Meu coração parecia uma tempestade, minhas mãos tremiam, mas, ao mesmo tempo, eu não queria que aquilo acabasse.
Ele se afastou por um segundo, só o suficiente para me olhar nos olhos, e eu vi algo ali, uma mistura de provocação e curiosidade, como se ele estivesse tentando decifrar o que eu estava sentindo.
E o que eu estava sentindo? Nem eu sabia. Só tinha certeza de que, naquele momento, não queria pensar, não queria questionar. Só queria viver.
A música parecia ter diminuído, como se o mundo inteiro tivesse se fechado ao nosso redor. Tudo o que eu sentia era o calor dele, o toque das mãos firmes segurando minha cintura, o sabor do momento que parecia errado e certo ao mesmo tempo.
Quando nos separamos, só o suficiente para respirar, ele ainda segurava meu rosto, me olhando com um sorriso satisfeito.
– Isso foi... inesperado. – Murmurei, tentando recuperar o fôlego e a compostura.
– Às vezes, o inesperado é o melhor. – Ele piscou, com um sorriso cheio de confiança, como se soubesse exatamente o efeito que tinha causado em mim.
Meu corpo ainda estava em alerta, meu coração batendo tão rápido que eu tinha certeza de que ele podia ouvir. Olhei ao redor, meio perdida, mas ninguém parecia ter notado. Gael ainda estava no comando da festa, Tay dançava com Nick, e o mundo continuava como se nada tivesse acontecido.
– Então... – Tentei dizer algo, mas as palavras pareciam fugir de mim.
– Relaxa, May. É só um beijo. – Erick disse, encostando no sofá de novo, como se nada tivesse acontecido.
"É só um beijo." Essa frase ecoou na minha cabeça enquanto eu tentava processar o que sentia. Era só isso mesmo? Um beijo sem significado, sem consequências?
Eu quis acreditar nisso. Quis mesmo. Quis acreditar que poderia ser simples, que aquele momento poderia ser apenas o que era: um beijo. Mas, lá no fundo, uma voz sussurrava que, para mim, nunca seria tão fácil. Não com tudo que eu vinha evitando. Não com os muros que eu construí ao redor dos meus sentimentos. Não com todas as expectativas que carreguei por tanto tempo.
Porque, para uma romântica incurável como eu, "aquilo" não foi só um beijo. Foi o começo de algo que eu não sabia se estava pronta para enfrentar.
E, pela primeira vez, me perguntei: o que acontece quando as barreiras que eu ergui começam a desmoronar? Eu estava pronta para lidar com o que viesse depois? Ou aquilo seria só mais uma prova de que, quando se trata de sentimentos, eu nunca soube como manter o controle?
Fiquei parada ali por um instante, sentindo o calor ainda presente nos meus lábios, como se o toque dele tivesse deixado uma marca. "É só um beijo," pensei, tentando repetir a frase na minha cabeça até acreditar nela.
Com um movimento rápido, virei de costas e fui em direção à cozinha, querendo um momento para mim mesma. Peguei um copo de água, mas nem isso parecia ajudar a apagar o turbilhão que Erick tinha desencadeado. Meu corpo ainda estava em alerta, como se cada célula lembrasse daquele instante.
Enquanto bebia, ouvi passos atrás de mim. Meu coração disparou, e quando me virei, lá estava Tay, me olhando com um sorriso travesso.
- Você e o Erick, hein? - Ela cruzou os braços, me encarando como se soubesse de algo que nem eu sabia.
- Não começa, Tay. - Respondi, revirando os olhos, mas meu tom denunciava o nervosismo.
- Ah, qual é! Eu vi a faísca, May. E olha, só não leva isso a sério, tudo bem? Só aproveita o momento. Você tá precisando disso. - Ela deu uma piscadela e voltou pra sala, me deixando sozinha com meus pensamentos.
Aproveitar o momento. Era fácil pra ela dizer isso. Tay sempre foi tão livre, tão desprendida. Eu, por outro lado, não sabia lidar com o imprevisível. Cada passo fora do meu controle me deixava ansiosa, como se o mundo fosse desabar a qualquer instante. Mas, ao mesmo tempo, havia algo tentador na ideia de simplesmente... me permitir.
Voltei para a sala, tentando me distrair. A música estava mais alta agora, e Gael me puxou para dançar assim que me viu. Ele sempre fazia isso, como se quisesse me arrancar dos meus pensamentos. E, por um momento, funcionou. Nós rimos, giramos, e a leveza daquele momento quase fez com que eu esquecesse tudo.
Quase.
Erick ainda estava lá, sentado no sofá, me observando de longe com aquele sorriso relaxado que fazia minha mente girar. Nossos olhares se cruzaram, e meu coração disparou de novo, como se ele ainda tivesse algum controle sobre mim, mesmo sem dizer uma palavra.
Era um jogo perigoso, e eu sabia disso. Mas, pela primeira vez, me perguntei se valia a pena arriscar. Não por ele. Mas por mim. Talvez Tay estivesse certa. Talvez eu precisasse disso. Talvez, só dessa vez, eu pudesse deixar o mundo lá fora e simplesmente... viver.
A dança terminou com Gael me girando dramaticamente e soltando uma risada exagerada, como se fôssemos os protagonistas de algum filme brega. Todos aplaudiram, e eu ri, aproveitando o momento. Mas, assim que a música mudou para algo mais suave, me afastei. Eu precisava respirar.
Fui até a varanda, onde o ar noturno estava fresco e calmo, em contraste com o caos lá dentro. Encostei no parapeito e olhei para o céu, tentando organizar os pensamentos. A sensação dos lábios de Erick ainda estava comigo, como se meu corpo não quisesse esquecer.
- Achei você. - A voz baixa e rouca me fez virar de repente. Era Erick. Ele estava ali, parado na porta, com aquele sorriso preguiçoso que fazia meu estômago revirar.
- Eu só... precisava de ar. - Tentei parecer casual, mas minha voz entregava o nervosismo.
- Entendo. Lá dentro tá uma loucura. - Ele se aproximou, parando ao meu lado. - Mas eu tô curioso... por que você fugiu depois do beijo? Não gostou?
O tom despreocupado dele me pegou de surpresa. Ele parecia tão à vontade, como se o beijo tivesse sido algo pequeno, enquanto, pra mim, era como se meu mundo tivesse virado de ponta-cabeça.
- Eu não fugi. - Respondi rápido, tentando parecer confiante. - Só precisava... pensar.
- Pensar? - Ele arqueou uma sobrancelha, com um sorriso provocador. - May, foi só um beijo. Você não precisa complicar tanto assim.
Foi só um beijo. Aquilo me irritou mais do que deveria. Ele dizia isso como se fosse algo banal, mas, pra mim, tinha sido muito mais. E talvez fosse isso que me deixava tão confusa. O quanto eu queria que aquilo fosse só um beijo também.
- Talvez eu seja do tipo que complica as coisas. Não estou acostumada com esse tipo de relacionamento. - Retruquei, cruzando os braços e desviando o olhar.
Ele riu, mas não com deboche. Era um riso suave, quase carinhoso. Ele se inclinou um pouco, apoiando os cotovelos na grade, como se estivesse me analisando.
- Talvez você só precise relaxar. - Ele disse, a voz baixa, quase um sussurro. - Nem tudo precisa ser tão sério, sabe? Às vezes, a gente só precisa aproveitar o momento.
Era a mesma coisa que Tay tinha me dito antes. Aproveitar o momento. Viver o agora. Mas como fazer isso quando minha cabeça estava sempre um passo à frente, antecipando todos os "e se"?
Olhei para ele, tentando decifrar como alguém podia carregar tanta leveza no olhar, tanta liberdade nos gestos. Era como se o amanhã não importasse. Por um instante, eu desejei aquilo. Desejei ser como ele. Como Tay. Alguém que simplesmente vivia, sem se prender ao que viria depois. Porque, para eles, o depois não existia. Só o agora. Só o momento. E nada mais.
- Talvez você tenha razão. - Murmurei, quase para mim mesma. - Mas eu não sei ser assim.
Ele sorriu, como se soubesse que tinha vencido alguma batalha invisível. E então, sem aviso, ele se inclinou e deixou um beijo leve no canto da minha boca, tão rápido que me pegou de surpresa.
- Relaxa, May. Você vai descobrir como. - Ele disse, se afastando, mas antes que ele pudesse se afastar completamente, aguarrei sua mão , com os dedos apertando os dele num impulso que nem eu sabia de onde tinha vindo.
- Me ensina. - Minha voz saiu baixa, um pouco hesitante, mas ainda assim carregada de algo que eu mal reconhecia em mim: coragem e ousadia. Não era um pedido forçado, era sincero. Talvez até um pouco inocente.
Erick parou, me olhando como se tentasse entender o que eu estava pedindo de verdade. Seus olhos vasculharam os meus, e, por um segundo, eu achei que ele fosse rir, fazer algum comentário provocador. Mas, em vez disso, ele deu um passo à frente, me encurralando gentilmente contra o parapeito.
- Você tem certeza disso? - Ele perguntou, a voz rouca, baixa, como se as palavras fossem só nossas, mesmo com a música e as risadas vindo lá de dentro.
Eu só assenti. Não conseguia confiar na minha voz naquele momento.
Erick se inclinou, começando com um toque leve, os lábios roçando os meus como se ele estivesse me testando, esperando que eu recuasse. Mas eu não recuei. Eu nem queria. Minhas mãos, como se tivessem vontade própria, subiram para os ombros dele, e, quando senti seu sorriso contra meus lábios, foi como se algo dentro de mim simplesmente... desmoronasse.
Os beijos ficaram mais intensos, e eu me perdi completamente. A varanda inteira parecia desaparecer, o mundo sumia, e tudo que restava era o calor dele, o jeito que seus lábios exploravam os meus com uma confiança que me deixava sem ar. Minhas pernas ficaram trêmulas, e eu me segurei nele, tentando não desmoronar literalmente.
- Respira, May. - Ele murmurou contra meus lábios, com uma provocação que só me deixou ainda mais sem fôlego.
Mas eu não queria parar. Não queria pensar. Pela primeira vez em tanto tempo, eu só queria sentir. E, com Erick, tudo parecia tão natural, tão fácil, como se ele soubesse exatamente o que fazer pra me tirar da minha própria cabeça.
Quando ele deslizou as mãos para a minha cintura, me puxando ainda mais pra perto, um arrepio subiu pela minha espinha. Cada toque, cada beijo, parecia queimar, como se estivesse acendendo algo que eu nem sabia que existia em mim.
- Tá vendo? - Ele sussurrou, os lábios tocando meu pescoço agora. - Não é tão difícil assim viver o momento. Não é?
Eu queria responder, mas minha voz não saía. Tudo que consegui fazer foi soltar um suspiro, inclinando a cabeça para o lado, dando mais espaço pra ele.
E, naquele instante, enquanto eu me perdia nele, percebi que eu não estava pensando no amanhã, nas consequências, ou em qualquer "e se". Eu estava simplesmente... ali.
Foi quando a porta da varanda abriu, e a voz de Tay nos interrompeu.
- Opa, atrapalhei? - ela falou cheia de malícia, e nesse momento a realidade voltou com tudo.
Eu me afastei de Erick tão rápido que quase tropecei no parapeito. Meu rosto queimava, e eu sabia que estava corada. Ele, por outro lado, parecia completamente calmo, apenas sorrindo de canto enquanto olhava pra mim, como se já estivesse esperando por isso.
- Acho que é minha deixa. - Ele disse, dando um passo pra trás, mas não antes de deslizar o dedo pelo meu braço de um jeito que me fez arrepiar de novo.
E, antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele já estava entrando no apartamento, deixando eu e Tay na varanda, ela com um sorriso enorme e eu tentando recuperar o fôlego e, quem sabe, minha dignidade.
Tay cruzou os braços, encostando-se no parapeito ao meu lado, com um olhar tão cheio de malícia que eu sabia que ela estava prestes a fazer algum comentário.
- E aí, vai me contar ou vou ter que adivinhar? - ela começou, o sorriso dela praticamente brilhando na escuridão da varanda.
Eu bufei, tentando parecer indiferente, mas sabia que não ia enganá-la. Ainda sentia os lábios de Erick nos meus, o calor das mãos dele na minha cintura, e meu coração estava batendo tão rápido que parecia impossível disfarçar.
- Não tem nada pra contar. - Minha voz saiu baixa, quase engasgada, e eu sabia que Tay não ia comprar aquilo.
- Ah, claro. Porque eu sou cega, né? - Ela riu, se virando de frente pra mim, os olhos estreitando.
- Ele é bom, né? Tipo... muito bom.
Meu rosto ficou ainda mais quente, e eu desviei o olhar, encarando o horizonte como se ele fosse me salvar. Tay soltou uma gargalhada alta, claramente se divertindo com o meu desconforto.
- Relaxa, May. Isso é ótimo! É exatamente o que você precisava. Uma escapada da sua bolha perfeita.
- Eu não sei do que você tá falando. - retruquei, mas até eu sabia que soava fraca.
- Claro que sabe. - Tay deu de ombros, ainda sorrindo. - Só não sei se você tá pronta pra isso. Porque, olha, se for pra viver o momento, você vai ter que aprender a não se apegar. Erick não é do tipo que namora, sabe?
Eu a encarei, o estômago revirando com as palavras dela. Eu sabia que ela tinha razão, mas isso não fazia o impacto ser menor. Ele não era do tipo que namorava. E, mesmo que eu quisesse acreditar que estava pronta pra viver o momento, parte de mim sabia que isso seria um desafio.
- Eu não tô me apegando. - menti, tentando parecer confiante.
- Tá bom, May. Você quem sabe. Só não se esqueça do que eu disse. Pega mas não se apega. Nem tudo é amor. Se você tiver a mente aberta pra isso, você vai conseguir se divertir muito. Vai por mim.
Ela me deu um tapinha no ombro antes de voltar pra festa, me deixando sozinha na varanda com meus pensamentos.
Encostei no parapeito, soltando o ar que nem sabia que estava prendendo. Meu peito ainda estava pesado, como se algo ali dentro estivesse tentando escapar. Erick tinha acendido algo em mim, algo que eu não sabia explicar. Algo que me fazia querer mais... mas também me assustava.
Eu sabia que Tay estava certa. Ele não era o tipo que queria nada sério. E eu? Eu não sabia se era do tipo que conseguia simplesmente "só ficar".
Quando finalmente voltei pra sala, encontrei Erick rindo com Gael, como se nada tivesse acontecido. Ele me olhou por um instante, o sorriso dele mais suave, mais... convidativo.
E foi nesse momento que eu percebi: talvez eu estivesse entrando em um território perigoso. Mas, por alguma razão, eu não queria sair.
Me aproximei da mesa com passos lentos, o som da música abafando o turbilhão de pensamentos na minha cabeça. Erick ainda estava rindo de algo que Gael disse, completamente à vontade. Ele nem parecia afetado pelo que aconteceu na varanda. Enquanto isso, eu sentia como se estivesse presa em um loop, revivendo o calor do toque dele, o gosto do beijo, o jeito como ele me fez sentir.
- May, finalmente! - Gael me puxou para perto, interrompendo meu devaneio. - Olha só, tô tentando convencer o Erick a me ajudar com a playlist. O cara é DJ da vida real, sabia?
DJ? Claro que ele era DJ. Isso explicava o jeito despreocupado, o charme natural, como se ele carregasse o mundo inteiro no bolso e nada o afetasse.
- Ah, então você é especialista em fazer as pessoas se divertirem? - Perguntei, tentando soar casual, mas minha voz ainda carregava uma tensão que só eu conseguia perceber.
Erick ergueu uma sobrancelha, os olhos brilhando de um jeito que me desarmava.
- Não sei se sou especialista, mas... - Ele inclinou a cabeça levemente, me encarando como se estivesse prestes a dizer algo que só nós dois entenderíamos. - Tenho minhas táticas.
Eu senti meu rosto esquentar e desviei o olhar, fingindo interesse na bebida que Gael me oferecia.
- E aí, vai querer? - Gael perguntou, balançando um copo colorido na minha frente, uma mistura de licor de côco e suco de laranja. Eu nunca havia bebido nada alcoólico, mas arrisquei.
- Claro, por que não? - Peguei o copo, tentando disfarçar o nervosismo.
A noite continuou em um ritmo animado, mas eu não conseguia me soltar completamente. Sempre que Erick passava por perto, meu coração dava um salto, como se ele carregasse uma espécie de campo magnético que puxava todos os meus sentidos pra ele.
Em um momento, enquanto todos estavam dançando, senti alguém se aproximar por trás. O toque leve na minha cintura foi suficiente para que eu soubesse quem era.
- Tá quieta demais pra uma festa. - A voz dele era baixa, próxima ao meu ouvido, e o arrepio que percorreu minha espinha foi instantâneo.
- Só tô curtindo do meu jeito. - Respondi, virando-me levemente para encará-lo.
- E qual é o seu jeito, May? - Ele perguntou, o sorriso provocador brincando nos lábios.
Minha respiração falhou por um segundo. Ele estava perto, perto demais. O cheiro dele, a intensidade dos olhos... tudo em Erick parecia feito para me atrair
-Ainda tô descobrindo. - Murmurei, surpreendendo até a mim mesma com a sinceridade da resposta.
Ele inclinou a cabeça, analisando-me como se estivesse tentando desvendar algo escondido bem no fundo.
- Então deixa eu ajudar. - Ele estendeu a mão, esperando que eu aceitasse.
Olhei para a mão dele por um momento que pareceu uma eternidade. Eu sabia que cruzar essa linha poderia mudar tudo. Sabia que, com Erick, não haveria promessas ou garantias. Só o agora.
Mas talvez... só talvez, eu quisesse viver isso
Segurei a mão dele.
- Tá bom. Me mostra.
Ele me puxou para a pista improvisada no meio da sala, onde Gael comandava a música com empolgação, e o ambiente parecia vibrar no ritmo da batida. As luzes da sala piscavam num tom suave, criando uma atmosfera quase íntima, mesmo em meio ao caos da festa.
Erick se posicionou na minha frente, os olhos fixos nos meus, como se estivéssemos sozinhos naquele espaço. O som alto parecia desaparecer quando ele colocou as mãos na minha cintura, guiando meus movimentos. Eu não sabia dançar daquele jeito, mas ele também não parecia se importar.
- Relaxa. - Ele murmurou, a boca perto o suficiente do meu ouvido para que eu pudesse sentir o calor de sua voz. - Só sente a música.
Eu tentei. Fechei os olhos como fazia nas aulas de dança e por um segundo, permiti que ele me conduzisse. Cada movimento dele era calculado, como se ele soubesse exatamente como quebrar minhas barreiras, me tirar do controle que eu tanto prezava.
- Tá melhor do que eu esperava. - Ele disse, o tom provocador, mas com uma ponta de sinceridade que me fez rir.
- Melhor do que você esperava? - Arqueei a sobrancelha, entrando no jogo. Eu danço profissionalmente, tá?
- É, achei que ia ser mais difícil te soltar. - Ele deu de ombros, mas o sorriso nos lábios dizia mais do que as palavras.
Eu não respondi. Em vez disso, deixei que ele me guiasse, nossos corpos se movendo em sincronia. A música trocou para algo mais lento, mais envolvente, e eu senti o clima mudar. A mão dele subiu levemente pelas minhas costas, os dedos deslizando de forma quase imperceptível, mas que fez minha pele arder em alerta.
- Você é cheia de surpresas, May. - Ele disse, os olhos descendo dos meus para meus lábios por um breve segundo. - Você é especial sabia?
Meu coração disparou. Eu sabia que estava brincando com fogo, mas, naquele momento, não me importei. Meus instintos tomaram conta, e eu me aproximei, diminuindo a distância entre nós.
- Talvez você só não tenha olhado direito. Eu não sou tão especial assim. - Minha voz saiu mais baixa do que eu esperava, quase um sussurro.
Ele sorriu, aquele sorriso perigoso que me fazia esquecer do resto do mundo. Antes que eu pudesse processar o que estava acontecendo, ele inclinou a cabeça, e nossos lábios se encontraram novamente, dessa vez com mais intensidade, mais certeza.
Foi diferente. Na varanda, foi impulsivo, inesperado. Aqui, era uma escolha. Minha escolha. E eu estava rezando para não me arrepender de cruzar essa linha.
O tempo pareceu parar enquanto o beijo se aprofundava, e a música ao fundo parecia distante, quase inexistente. Quando ele se afastou, seus olhos estavam ainda mais intensos, como se ele pudesse enxergar através de mim.
- Você tá pegando o jeito. - Ele disse com um sorriso largo, o tom brincalhão, mas com uma seriedade subjacente que me deixou sem palavras.
Eu sorri de volta, sem saber o que dizer, mas sentindo que, de alguma forma, ele tinha razão. Talvez eu estivesse mesmo pegando o jeito.
E, pela primeira vez naquela noite, eu não senti medo. Senti apenas liberdade.