Capítulo 2 Nada para ninguém

Cheguei em casa depois que a recepção já havia acabado e fiz de propósito. Eu não estava preparada para esse momento.

O dia, que havia começado como um turbilhão de emoções, agora me parecia um pesadelo sem fim.

O silêncio da casa me envolveu assim que entrei pela porta, mas logo fui acordada de meu estado de exaustão emocional quando ouvi os passos pesados do meu pai, Isaías, vindo da sala.

Ele apareceu na porta, os olhos escuros e carregados de raiva, como se eu fosse a causa de todos os problemas da sua vida.

O peito dele subia e descia com rapidez, e o suor na testa indicava que ele estava verdadeiramente furioso. Eu não sabia o que esperar, mas sabia que nada de bom viria dali.

- Onde você estava, Letícia? - A voz de Isaías era baixa, mas com uma tensão palpável.

Ele já sabia de tudo. Sabia que eu havia saído da igreja antes do final da cerimônia. Sabia que eu não tinha comparecido ao jantar. E sabia, também, que a humilhação de estar ali em casa, sozinha, agora sem a presença de Matias ao meu lado, era o suficiente para me colocar no centro de sua raiva.

Eu não sabia o que dizer. Não tinha mais forças para justificar meus atos. Eu sentia que cada palavra que eu dissesse seria em vão, então, tentei evitar olhar diretamente para ele, sentindo o peso da rejeição parecia aumentar a cada segundo. Apenas olhei para o chão, esperando que o pior fosse acontecer.

- O que você tem a dizer para mim? Não acha que tem que se justificar? - ele continuou, agora mais alto, avançando em minha direção. - Você me fez passar vergonha em público, Letícia! Você não tem respeito por nada e por ninguém. O que você fez foi uma falta de consideração total, para com a nossa família, sua irmã e com a cerimônia que ela tanto esperou! Como você pode ser tão egoísta?

Ele se aproximou ainda mais, e senti o cheiro do seu suor misturado com o álcool que ele havia ingerido. Eu sabia que não tinha sido o dia dele também, mas não era isso que eu queria ouvir agora.

Não naquela hora.

- E você ainda tem coragem de sair dessa casa e me deixar aqui, no escuro, sozinho, esperando por você como se nada tivesse acontecido? Como se você não fosse parte da família? Você fez isso porque não tem o mínimo de respeito por ninguém! - Ele parecia fora de controle, e tudo o que eu conseguia fazer era olhar para ele, tentando segurar as lágrimas.

Brenda apareceu na porta da cozinha, sua expressão de falsa decepção estampada no rosto. Ela olhou para mim com aquele olhar de desprezo que sempre teve, como se eu fosse a causa de todos os problemas dela. Ela não esperava que eu estivesse ali para fazer algo tão "baixo" como o que eu fiz.

Sua voz cortante se fez ouvir.

- Eu avisei que não daria certo. - Brenda disse, com um sorriso forçado, aproximando-se de nós. - Não consigo entender como você pode fazer isso, Letícia. Você realmente achou que iria conseguir destruir o meu casamento? Se você não queria estar lá, por que simplesmente não se afastou desde o começo, sem causar mais dor para todos nós? Mas não. Você sempre tem que ser o centro das atenções, não é?

Eu não aguentava mais. A pressão estava tomando conta de mim, e todas aquelas acusações infundadas estavam me esmagando. Como se eu tivesse sido responsável por tudo o que estava acontecendo. Como se fosse minha culpa.

- Eu não fiz nada, Brenda! - eu finalmente explodi, tentando erguer a voz. - Eu só saí de lá porque eu não aguentava ver aquele casamento acontecendo. Porque eu não aguentava ver ele com você! Eu não sou egoísta, vocês que não entendem nada! O que eu sinto, o que eu passei, e o que vocês fizeram comigo, mereciam ser ignorados assim!

Brenda deu uma risada sarcástica, cruzando os braços. Ela estava no controle, sempre teve esse poder de me fazer parecer a vilã da história, mesmo quando eu não fazia nada além de tentar viver a minha vida.

- Ah, claro, Letícia, você e seus dramalhões. Sempre foi assim, não é? A grande vítima, a pobrezinha que ninguém compreende. Você é tão previsível. Olha só, você não é mais uma criança, já passou da idade de ficar inventando histórias para justificar suas próprias inseguranças.

Ela roubou o meu noivo, a minha festa e meu pai. E ainda tem coragem de me chamar de egoísta.

Isaías não podia mais segurar a raiva. Ele se aproximou de mim, um dedo levantado como se estivesse me acusando de um crime hediondo.

- Se você tivesse ao menos algum caráter, saberia que esse casamento não tem nada a ver com você, Letícia. Não tem nada a ver com suas frustrações. Matias não te quer, e não vai te querer! Você precisa aceitar isso de uma vez por todas! Não adianta fingir que está tudo bem ou que você tem algum direito sobre ele. Ele seguiu em frente, e você é a única que ainda não entendeu isso!

- Sua protegida que estragou tudo pai. Como você não consegue ver isso?

De repente eu senti um tapa, meu pescoço virou com o forte impacto, minhas bochechas ardendo pelo contato agressivo com a palma da mão do meu pai.

- Sua irmã não é uma inútil como você e um homem do calibre de Matias Souza só poderia ser marido de Brenda.

Eu senti como se um soco tivesse sido dado diretamente no meu estômago. As palavras de Isaías estavam me deixando sem ar.

Ele estava completamente certo sobre dizer que Matias não me queria, eu sabia disso, mas aquilo doía demais, mas o tapa e a segunda parte me machucou profundamente.

O silêncio tomou conta de mim, enquanto ele se afastava, como se me condenasse de maneira irrevogável. Não havia mais espaço para discussões ou para qualquer tipo de defesa. Eu estava errada. Sempre estive.

Brenda olhou para mim com um sorriso de superioridade, satisfeita com a dor que estava me causando. Ela sabia que tinha vencido, que mais uma vez eu era a culpada por tudo o que estava acontecendo.

- Eu não sei o que você espera, Letícia. O que eu fiz, o que você fez, nada vai mudar o que aconteceu hoje. - Ela continuou, sua voz fria e calculista. - Você poderia estar lá para celebrar a felicidade da sua irmã, mas, ao invés disso, escolheu se comportar como uma criança mimada. Eu espero que você se lembre disso da próxima vez que decidir agir sem pensar.

Eu queria gritar, queria desabafar, mas as palavras simplesmente não saíam. Nada do que eu dissesse faria diferença. Nada mudaria o que já estava feito.

Eu estava sozinha em minha dor, e todos ao meu redor pareciam se alimentar dela, como se fosse um espetáculo que todos pudessem assistir, mas nunca se importar.

Isaías, que agora estava se acalmando, olhou para mim com um último olhar de desprezo, como se eu fosse apenas mais um erro em sua vida.

- Vá para o seu quarto, Letícia. Não tenho paciência para mais nenhuma explicação sua. Você já fez o suficiente para me envergonhar. Agora, vá! - ele ordenou, a raiva ainda visível em seu rosto.

Eu não disse uma palavra.

Apenas me virei e fui para o meu quarto, cada passo me afastando mais da minha própria família. Eu estava derrotada, humilhada, e o pior de tudo: sozinha. A última esperança que eu tinha em algo que fosse real e verdadeiro havia se dissipado ali, na igreja, diante dos olhos de todos.

Eu não era mais nada para ninguém.

Fechei a porta do quarto atrás de mim, afundando-me na cama, o peso da solidão me esmagando.

A casa estava silenciosa agora, mas o barulho das acusações de Isaías e Brenda ainda ecoava em minha mente. Eu não sabia como enfrentar o futuro. O que eu poderia fazer agora? Como continuar depois de tudo o que tinha acontecido?

Com os olhos cheios de lágrimas, deixei que a escuridão do quarto me envolvesse, na esperança de que o sono me fosse um alívio. Mas, em meu coração, eu sabia que o pesadelo estava apenas começando.

            
            

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