OS FANTASMAS DEVEM FICAR NO LUGAR EM QUE PERTENCEM. Mortos.
Então por que diabos aquele fantasma está olhando para mim como se estivesse pronto para me arrastar para o túmulo?
No meu mundo, é o contrário. Eu sou aquele que arrasto coisas - e pessoas - para onde eu quiser.
Já é ruim o suficiente ter que estar na casa de Ethan para celebrar o casamento de meu filho com sua filha - que ainda não acho ter sido a decisão mais brilhante de Aiden.
Eu não preciso que a situação piore com este... fantasma.
Se eu não tivesse visto Alicia morta com meus próprios olhos, acreditaria que ela de alguma forma ressuscitou.
Talvez tenha voltado para se vingar. Talvez seja sua hora de buscar justiça.
Mas o que é justiça? Se a percepção de todos sobre essa palavra é diferente, a verdade de quem é a verdade real?
Para mim, justiça não existe. É uma palavra inútil que as pessoas politicamente corretas usam para acalmar suas pequenas mentes.
Justiça é uma ilusão em um mundo onde gente como eu segura as rédeas do poder com mãos implacáveis.
Eu não acredito em justiça. Meu pai fez isso, e morreu ainda procurando por ela. O que a justiça deu a ele? Porra de pêsames, é isso.
Desde então, construí meu reino com métodos impiedosos e coloquei a justiça de joelhos bem na minha frente.
É aí que todo mundo que me desafia fica. De joelhos, porra.
Alicia - ou sua sósia - está a uma mesa com Ethan, bebendo uma taça de champanhe. Seus delicados dedos com unhas pintadas de vermelho circundam o copo com infinita elegância.
Ela é ainda a mesma. Desde o vestido e a postura tensa até a curva do pescoço e a suavidade das bochechas. Seu cabelo preto como tinta e o nariz pequeno. Até os contornos de sua boca carnuda.
É tudo uma réplica.
Porém uma coisa está errada. Ou, mais precisamente, duas.
Um, o batom vermelho. Alicia nunca usaria isso.
Dois, a cor dos olhos. É como o céu azul-escuro logo após uma guerra.
Ou pouco antes de uma tempestade.
Ao que parece, guerras e tempestades são minhas especialidades. Se houver uma chance de perturbar a paz de alguém e agarrar o que estiver disponível, eu não hesito.
Ao contrário da crença comum, não sou insensível. Sou implacável. Eu não paro até que a guerra e a tempestade terminem a meu favor.
Se não o fizerem, podem muito bem continuar até que caiam de joelhos na minha frente - como todos os outros.
Pela primeira vez em uma década, não ajo primeiro.
Eu paro.
Eu assisto.
Eu saboreio o momento e o valor de choque contido nele.
Ela me surpreendeu, admito.
Eu não gosto de surpresas - a menos que seja eu quem as apresenta.
Demoro um momento para separar o que está na minha frente do que eu já conheço.
A verdade do passado.
A verdade da imaginação.
E é ela.
Não é Alicia.
Mas alguém próximo, que conseguiu escapar do meu radar por anos.
Por anos, porra.
Achei que ela havia morrido em um buraco qualquer ou que tinha ido para outro canto do mundo.
Acontece que não foi nenhum dos dois. Ela está aqui no meu império. Bem debaixo do meu nariz.
Ela apareceu do nada como a porra de um fantasma.
Ela acha que vai escorregar entre os meus dedos tão facilmente? Ou que pode escapar de mim em meu próprio território?
Agora que superei a névoa e estou pensando de forma mais racional, lembro da primeira e última vez que a encontrei.
Foi no meu casamento com Alicia.
Uma garotinha com cabelo despenteado trombou em mim, ergueu os enormes olhos brilhantes e sua boca formou um "O". Suas primeiras palavras para mim foram: "Sinto muito, senhor." Ela vai se arrepender muito mais agora.
Ela vai desejar ter ficado longe do meu reino.
Aquele canalha do Ethan deve ter desempenhado um papel nisso, mas ele também vai pagar. E isso vai acontecer comigo usando-a a meu favor.
O fantasma.
A sorrateira.
A irmã mais nova da minha falecida esposa.