Capítulo 3 A queda

O apartamento que Clara dividia com Ricardo era amplo e bem decorado, mas, para ela, começava a parecer mais uma prisão do que um lar. As paredes, antes acolhedoras, agora a sufocavam. Cada canto do lugar carregava lembranças de momentos que haviam começado com promessas de amor e terminado em lágrimas e medo.

Ricardo havia se tornado um especialista em manipulação. Ele sabia exatamente como fazer Clara se sentir culpada por coisas que nem eram sua responsabilidade. Se ela chegava alguns minutos tarde do estúdio, ele a acusava de negligência. Se ela tentava conversar com um colega de trabalho, ele insinuava que ela estava traindo sua confiança. E, sempre que ela tentava se defender, ele distorcia as palavras dela, fazendo-a parecer a errada da situação.

- Você não me ama mais, não é? - ele perguntava, com uma voz carregada de falsa tristeza. - Se amasse, não agiria assim.

Clara se via constantemente justificando suas ações, tentando provar seu amor, como se ele fosse algo que precisasse ser conquistado todos os dias. Ela parou de sair com amigos, deixou de visitar a família e até mesmo sua arte começou a sofrer. As telas que antes transbordavam cores e emoção agora eram sombrias, cheias de traços confusos e formas angulares.

A violência física, que antes era esporádica, começou a se tornar mais frequente. Um dia, após uma discussão sobre um jantar que ela havia "estragado" por chegar atrasada, Ricardo a empurrou com tanta força que ela caiu no chão, batendo a cabeça na quina da mesa. Ele ficou em pânico, ajudou-a a se levantar e prometeu que nunca mais faria aquilo. Mas, no fundo, Clara sabia que as promessas dele não valiam mais nada.

O pior de tudo era o isolamento. Ricardo havia cortado todos os laços dela com o mundo exterior. Ele monitorava seu celular, lia suas mensagens e até mesmo acompanhava suas redes sociais, garantindo que ela não tivesse contato com ninguém que pudesse "influenciá-la negativamente". Clara se sentia sozinha, como se estivesse presa em uma bolha onde apenas ele existia.

Uma noite, após uma discussão particularmente violenta, Clara se trancou no banheiro e olhou para o espelho. O reflexo que a encarava era o de uma mulher que ela mal reconhecia. Seus olhos estavam fundos, cercados por olheiras escuras. Seu rosto, antes radiante, agora parecia pálido e cansado. Ela se perguntou como havia chegado àquele ponto, como havia permitido que alguém a reduzisse àquela sombra de si mesma.

Foi então que ela ouviu a voz de Ricardo do outro lado da porta, suave e doce, como se nada tivesse acontecido.

- Clara, amor, eu sinto muito. Você sabe que eu nunca quis te machucar. Eu só quero o melhor para você. Por favor, abre a porta. Vamos conversar.

Ela hesitou. Parte dela queria acreditar nele, queria acreditar que ele mudaria, que tudo voltaria a ser como no início. Mas outra parte, pequena e frágil, começava a questionar se aquilo era realmente amor.

- Clara, por favor - ele insistiu, batendo levemente na porta. - Eu te amo. Você é tudo para mim.

Ela abriu a porta. Ricardo a abraçou, murmurando palavras de arrependimento e promessas de mudança. Clara deixou que ele a segurasse, mas, pela primeira vez, sentiu algo diferente. Não era alívio, nem esperança. Era uma faísca de raiva, uma pequena chama que começava a queimar dentro dela.

Naquela noite, enquanto Ricardo dormia ao seu lado, Clara ficou acordada, olhando para o teto. Ela sabia que não poderia continuar daquela forma. Algo precisava mudar. Mas, para isso, ela precisaria encontrar uma força que nem sabia que possia ter.

A queda havia sido longa e dolorosa, mas Clara começava a perceber que talvez houvesse uma maneira de se levantar. O difícil seria encontrar a coragem para dar o primeiro passo.

            
            

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