- Olha só... A fugitiva! - reconheci aquela voz na hora, era do cassino. Ele parecia que estava parando... Droga!
- Você?! - minha voz saiu trêmula, mas cheia de ódio.
Ele sorriu de um jeito que me embrulhou o estômago. Já havia tentado me comprar do meu progenitor uma vez, como se eu fosse uma mercadoria, mas fugi. E agora, ali, no meio do nada, era como se estivesse realizando um plano antigo dele.
- Seu pai não quis fazer negócio porque você tinha sumido. Que bom que você apareceu sozinha... Vai facilitar.
Tentei correr. Ele foi mais rápido. Agarrou meu braço com força e me jogou contra a lateral do carro, onde derrubei a pequena faca que trouxe das mãos.
- Larga, larga de mim! - gritei, lutando com tudo o que me restava, sentindo raiva, pavor.
- Hoje você é minha! Pare de escândalo e entre no carro!
- Não vou! Não encosta em mim! Odeio todos vocês! - lutei contra ele, mesmo com os braços fracos e doloridos.
- Entre no carro, porra! Quer levar na cara? Quer dinheiro?
- Me solta! - tentei empurrar, sentindo o desespero tomando conta de mim. Já não sabia se havia feito a escolha certa em sair da casa do louco que me comprou...
- Você vai ver o que acontece com mulher teimosa! - ele levantou a mão, pronto para me bater, tentei esconder o rosto, com muito medo.
Foi quando ouvi um disparo. Seco, preciso.
O homem gritou e caiu de joelhos, agarrando o braço que agora sangrava. Olhei para os lados apavorada, vi luzes.
- AHHHH MERDA! PORRA! SUA VADIA, LAZARENTA! OLHA O QUE ACONTECEU POR CULPA SUA! - gritou.
Arregalei os olhos. O mundo parecia girar em câmera lenta. Era Ezequiel.
Ali estava ele. Respiração acelerada, arma ainda em punho, os olhos selvagens. Como um animal em fúria.
- Quem quer morrer primeiro?! - ele rosnou, avançando.
O homem tentou recuar, se arrastando, mas Ezequiel chutou a arma que tirou da cintura pra longe.
Meus pés recuaram, mas não consegui correr. Meu corpo não obedecia. Tudo doía.
Ezequiel virou o rosto para mim. O olhar dele era uma mistura de raiva e desespero.
- Você está bem? - perguntou, a voz mais baixa, rouca, quase falhando.
Mas eu não conseguia responder. Só conseguia olhar para ele. Seus cabelos escuros e soltos cobrindo parte da sobrancelha, seu olhar profundo, a respiração acelerada.
Era o homem que parecia me proteger..., mas também era o mesmo que me prendeu.
E agora... tinha me salvo.
Meus joelhos fraquejaram. E antes que eu caísse, ele me segurou. Senti seus braços me apoiarem e seu cheiro peculiar de perfume caro. Engoli seco, abri a boca por um momento enquanto seus olhos me devoravam.
- Aguenta porra! Para fugir estava ótima - murmurou, me segurando firme contra o peito dele. Senti a arma encostando nas minhas costas - Ah, merda! Eu tô aqui agora, acorda caralho!
Abri os olhos e senti medo e alívio ao mesmo tempo. Medo do que ele era. Alívio por ele estar aqui. De certa forma meu coração dizia que ele estava me salvando. Mas quem me salvaria dele?
Fiquei confusa, perdida, mas estava viva.
- Yulssef! Corta as duas mãos dele e o deixe vivo. Todos saberão que irritou o velho Ezequiel! Vai ficar com uma marca linda na cara - senti meu corpo mole, fui colocada num carro e não consegui reagir.
Quando abria os olhos via Ezequiel de relance, mas ele nem olhava para mim. Dirigia como louco.
- Para onde está me levando?
- Não faça pergunta idiota que a minha paciência agora é zero - respondeu falando alto.
- Eu não quero voltar com você!
- Já chega! Quer voltar lá com aquele cara? Gostou de apanhar? Quer que te largue para fora? - não respondi. Por hoje eu não conseguia voltar pra lá.
O carro parou, senti náuseas quando derrapou os pneus na entrada da casa.
- E eu deveria fazer o quê com você? - vi que desceu, abriu a porta e me puxou. Automaticamente tentei me esquivar, mas ele me prendeu no carro segurando parte da minha roupa.
- VOCÊ É UM MENTIROSO! DISSE QUE SALVA, LIBERTA, MAS É UM DEMÔNIO IGUAL OS OUTROS!
- NÃO SOU PORRA! NÃO SOU COMO NINGUÉM! - gritou me sacudindo.
- AH NÃO? O QUE TE TORNA DIFERENTE? QUE PAGOU MAIS CARO? SINTO MUITO TE DECEPCIONAR, MAS EU NÃO FAÇO PROGRAMA! VAI FAZER COMO OS OUTROS E ME FORÇAR? - ele parou na mesma hora, eu conseguia ouvir a sua respiração agitada.
Ezequiel deu um murro na parede, estremeci.
- Já chega por hoje - falou bem baixo, com pouca emoção - Você vai para o seu quarto e vai ficar trancada lá. Porque está machucada, não comeu nada, não deixou o médico te examinar. Eu sou responsável por você e não vou permitir que saia daqui e se machuque ainda mais.
Ele estava perto. Ficou me olhando de novo.
- Sei... - eu sabia exatamente o que ele queria. O mesmo que os outros, meu corpo.
Ao me soltar, virei as costas e fui caminhando de volta para o quarto que eu já conhecia o caminho. Cansada, exausta na verdade.
Abri a porta engolindo o choro, sabendo que ele viria atrás de mim, que o pesadelo voltaria mais essa noite.
Senti sua presença me seguindo. Deixei a porta aberta e entrei. Estava cansada de lutar, estava cheia de tudo.
Sentei-me na cama esperando que ele fizesse o que veio pra fazer. Limpei uma lágrima que escorreu sem querer, sem que eu controlasse, então estremeci quando se aproximou, mas ele me abraçou.
Comecei a empurrar.
- Calma... Eu só queria dizer que não sou como os outros. - Ele me abraçou suavemente, e foi estranho como o deixei fazer isso. No começo pensei que fosse a minha desistência de tudo: a indignação, humilhação, mas depois eu o apertei mais forte. Eu precisava tanto de um abraço.
- Então me prove que não... - sussurrei.
Ele me soltou e voltei a sentir aquele medo novamente. Abracei meu próprio corpo enquanto ele se afastava sem me responder.
- Boa noite Maryam...
"Eu não sou Maryam"... - respondi pra mim mesma, mas ele não ouviu.