Capítulo 3 O Gosto do Nunca

POV ISADORA

O quarto era bonito demais. Janelas abertas, cortinas esvoaçando com o vento que trazia o cheiro salgado do mar. Lençóis brancos, colchão macio, uma poltrona azul ao canto e um armário de madeira escura entalhada com arabescos.

Mas apesar da beleza, o silêncio era o que mais preenchia o espaço. Um silêncio denso. Suspenso. Quase perigoso.

Isadora estava sentada na beirada da cama, as mãos espremendo a barra do casaco. Ainda não entendia por que estava ali. Por que Enzo a tinha trazido para aquele lugar afastado? Por que olhava para ela daquele jeito?

Ele estava próximo, mas não muito. Encostado na parede, observando-a com uma calma que beirava o reverente. Como se tivesse medo de espantá-la.

- Está tudo bem? - ele perguntou, a voz baixa, quebrando a tensão como quem quebra gelo com a ponta dos dedos.

Ela hesitou, sem saber como responder. Não sabia se estava tudo bem. Não sabia de nada, na verdade. Só sentia o peito apertado, os batimentos fora de ritmo.

- Você não precisa ficar se tiver com medo - ele continuou. - Eu só... queria conversar. Longe do barulho. Da hipocrisia daquela casa.

Ela assentiu, engolindo em seco.

Enzo deu dois passos à frente e se sentou ao lado dela. Os ombros largos, os cabelos levemente bagunçados, os olhos intensos com um brilho de exaustão - ou sedução. Talvez os dois.

- Às vezes, eu penso que estou vivendo a vida de outra pessoa - ele começou. - Que tudo já veio decidido, planejado, engessado... e eu só tô ali, fazendo figuração.

Isadora o olhou de lado, sem saber como reagir. Ele parecia genuinamente abatido.

- A Valentina é linda. Inteligente. Mas... é política. Meu noivado com ela não tem nada a ver com sentimento. É sobre manter o sangue limpo. As alianças intactas.

Ela não disse nada.

- Ninguém me vê, Isadora. Nem meu pai. Nem minha mãe. Nem Valentina. Eles enxergam o que querem: o nome, o sobrenome, o poder. Mas você... você olha de verdade.

O coração dela disparou. Porque ele estava dizendo exatamente o que ela sempre quis ouvir. Que ela não era invisível. Que alguém, enfim, a via.

Enzo estendeu a mão devagar e tocou os dedos dela. Os movimentos eram lentos, quase tímidos. Como se ele soubesse que, se fosse rápido demais, ela fugiria.

- Você escuta sem julgar. Fica em silêncio, mas está presente. Você é tudo o que eu deveria querer... mas não posso.

Isadora prendeu a respiração.

Os olhos de Enzo estavam nos dela. Ele se aproximou mais, e ela não recuou. As mãos dele seguraram seu rosto com uma leveza quase contraditória àquele homem que sempre fora duro, confiante, inalcançável.

E então, ele a beijou.

O toque foi suave no início. Um sussurro de desejo contido. Mas logo se intensificou, como se ele estivesse se desfazendo nela, como se o mundo todo estivesse naquele momento. Naquele beijo.

Isadora se entregou.

Seu corpo, tão acostumado ao gelo, derreteu sob o calor daquele gesto. Era terno, era intenso. Era carregado de promessas que ela nem sabia que precisava.

Quando os lábios se afastaram, ele encostou a testa na dela.

- Eu precisava disso.

Ela também.

Enzo a puxou com cuidado até o centro da cama, como se conduzir uma dança. Cada movimento dele era gentil. As mãos percorriam seus braços, suas costas, como se pedissem permissão a cada segundo.

- Você é linda - ele sussurrou. - Ninguém nunca vai machucar você de novo.

Ela acreditou.

As roupas caíram devagar, com hesitação e desejo misturados. Era a primeira vez dela. E mesmo sem dizer isso em voz alta, Enzo parecia saber. Tratou cada toque como uma oferenda, cada carícia como um segredo compartilhado.

Isadora fechou os olhos quando ele a penetrou, e chorou em silêncio. Mas não era dor. Era o peso de uma vida inteira de abandono sendo anestesiado, por um instante, pela ilusão de amor.

Enzo a abraçou com força. E, por alguns minutos, o mundo pareceu certo.

***

Depois, deitados sob os lençóis desarrumados, ela se virou para ele. A cabeça no peito nu, os dedos brincando com a corrente que ele usava no pescoço.

- E a Valentina?

Ele demorou a responder.

- Eu resolvo isso. Você merece mais.

Ela sorriu.

E pela primeira vez em muito tempo, adormeceu com o coração leve.

***

O sol entrava pela janela, quando ela abriu os olhos. O quarto estava vazio.

O lugar onde ele dormira ainda guardava a marca do corpo dele. Mas era só isso: uma marca. A roupa que ele usara - a camiseta largada na poltrona - não estava mais ali. Nem o relógio. Nem o cheiro dele.

Isadora se sentou devagar.

O silêncio tinha mudado de tom. Agora era incômodo. Frio. O tipo de silêncio que avisa: algo está errado.

Vestiu o casaco de novo. O coração já apertado antes mesmo de sair do quarto. Na garagem, um carro a esperava com um motorista que ela não conhecia.

- Ele me mandou de volta? - perguntou, sem conseguir esconder o desconcerto.

- Tenho ordens de levá-la pra casa, senhorita - foi tudo o que o homem respondeu.

Durante o caminho de volta, ela tentou se convencer de que ele só havia saído para resolver algo importante. Que explicaria tudo depois. Que havia uma razão. Sempre há uma razão. Mas nada disso silenciava o peso no peito.

Ao chegar na mansão, mal teve tempo de respirar. Um funcionário se aproximou, tenso.

- Senhora Clarisse quer vê-la na sala principal. Agora.

Isadora congelou. Algo havia acontecido. Algo grande. Algo que faria o mundo dela - e o coração - despencar de onde acabara de subir.

            
            

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