Capítulo 5 Chuva Sobre Ruínas

POV ISADORA

A caixa branca sobre a pia parecia uma bomba-relógio.

A chuva batia nas telhas com uma cadência hipnótica e cruel, como se marcasse os segundos até o fim de tudo. O banheiro dos fundos era frio, pequeno e mal iluminado, mas oferecia a única privacidade que Isadora encontrara desde o anúncio devastador na noite anterior.

Estava descalça, o cabelo preso às pressas e as mãos úmidas de suor, embora sentisse frio. O teste ainda estava virado, o visor contra a parede, como se ela quisesse fingir que não dependia daquilo. Que não fosse real.

Se for negativo, eu respiro. Finjo que ontem nunca aconteceu. Esqueço que acreditei em alguém como Enzo.

O coração martelava alto como se quisesse sair pela garganta.

Se for positivo... eu...

Ela não conseguiu terminar o pensamento. Só sabia que não estava pronta.

O tempo pareceu parar quando estendeu a mão e virou o teste devagar, os olhos se ajustando ao visor digital ainda embaçado pela umidade do ambiente.

Duas linhas.

Nítidas. Cruéis. Inquestionáveis.

Isadora deixou o teste escorregar da mão.

Sentou no chão de azulejos gelados, as costas encostadas na parede, o peito colapsando num silêncio aterrador.

Não chorou. Nem um soluço.

Estava em choque. Os olhos arregalados encaravam o vazio como se quisessem sair dali, escapar do próprio corpo.

Estou grávida.

A ideia ecoou como um trovão abafado. Ela repetiu mentalmente, mas a realidade não parecia se encaixar.

"Estou grávida."

Do homem que a ignorou.

Do homem que mentiu - e agora beijava outra, na frente de todos.

As mãos dela buscaram o celular com movimentos quase automáticos. Abriu o chat com Enzo. A última mensagem dele ainda estava ali, seca, simples, antes do desaparecimento: "Descanse bem."

Ela digitou:

> "Preciso falar com você. É urgente."

Esperou. O ícone azul apareceu. Visualizado.

E então, sumiu. Bloqueado.

Tentou ligar. Uma. Duas vezes. A chamada não completava. Voz de operadora. Silêncio. Rejeição.

O celular escorregou das mãos e bateu no chão com um som seco, um estalo que parecia pequeno demais para o tamanho da dor que reverberava dentro dela.

Ela ficou ali, por longos minutos. O silêncio preenchido apenas pelo barulho da chuva e da respiração curta.

***

Vestiu qualquer roupa. Um casaco velho, chinelos de dedo. Não penteou o cabelo. Mal enxergava o caminho à frente.

Saiu pela lateral da casa sem avisar ninguém. Os pingos de chuva grudavam nos cílios e escorriam pelo pescoço, gelados, como se quisessem acordá-la daquele pesadelo.

Caminhou até uma farmácia de bairro, uma daquelas discretas que quase ninguém notava. As prateleiras cheiravam a desinfetante e mofo. O chão rangia. A atendente nem levantou o olhar.

Isadora estendeu o dinheiro com dedos trêmulos e comprou outro teste.

Sabia que o primeiro já bastava. Mas precisava da confirmação. Queria algo que dissesse: foi um erro.

Saiu com a sacola em mãos e se encolheu sob a marquise da frente, tentando se proteger da chuva fina. Respirava com dificuldade. A cabeça girava.

Foi então que o corpo dela colidiu com outro.

- Me desculpe - murmurou automaticamente, abaixando o olhar.

Uma mão grande segurou seu braço, evitando que ela tropeçasse.

O toque não foi agressivo. Mas foi firme.

Ela ergueu os olhos e encontrou um homem que parecia ter saído de um pesadelo elegante.

Terno escuro impecável. Cabelos castanhos penteados com precisão. Mas o que mais a atingiu foram os olhos - cinza-escuros, quase sem brilho, como aço molhado. Olhos que não pareciam apenas olhar. Pareciam avaliar. Pesar. Sentenciar.

Isadora se encolheu um pouco, o instinto gritando sem motivo claro.

- Você deveria tomar mais cuidado. - A voz dele era baixa, grave, com um tom de aviso, não de gentileza.

Antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, ele a soltou e entrou na farmácia como se o esbarrão nunca tivesse acontecido.

Isadora ficou ali, parada, a respiração presa.

Ela não sabia quem ele era. Mas o calafrio que subiu pela espinha deixou claro: aquele homem não era alguém comum.

***

Clara estava na cozinha quando Isadora voltou.

- Meu Deus, menina. Você tá encharcada! Onde você foi desse jeito?

- Eu... só precisava ver uma coisa - respondeu, desviando o olhar.

Subiu direto para o quarto, com passos que vacilavam. Fechou a porta, sentou na cama e guardou o segundo teste na gaveta do criado-mudo. Ainda não queria vê-lo. Ainda não conseguia aceitar.

Deitou, encolhida, os olhos fixos no teto. O ventilador fazia um barulho irregular. A chuva agora era apenas um som distante.

A frase de Enzo ecoou na mente:

"Ninguém nunca vai machucar você de novo."

Mentira.

O enjoo veio outra vez. Correu até o banheiro, mas dessa vez, vomitou apenas ar - e lágrimas.

***

No fim da tarde, vestida com uma roupa seca, o rosto lavado, o cabelo preso com mais firmeza do que o coração, Isadora desceu as escadas.

Encontrou Clara perto da lavanderia.

- Preciso ir até o escritório do meu pai. Agora.

Clara a olhou, surpresa. Quase preocupada.

- Aconteceu alguma coisa?

Isadora respirou fundo, firme.

- Só preciso saber se ele ainda é capaz de fazer alguma coisa por mim.

Não esperou resposta. Caminhou até o corredor que daria para o escritório do pai, cada passo mais firme que o anterior.

Ela ainda não sabia como Eduardo reagiria. Mas sabia que aquilo que carregava dentro de si - aquela vida nova e frágil - ia mudar tudo.

Ou destruir o pouco que ainda restava.

                         

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