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POV ISADORA
As flores eram brancas.
Cada arranjo cuidadosamente distribuído pela sala principal exalava um perfume doce e quase enjoativo. As taças de cristal, empilhadas em uma torre reluzente sobre a mesa de mármore, captavam a luz dourada do lustre e a multiplicavam em pequenos brilhos espalhados pelo ambiente. Parecia uma cena de celebração. Um evento de prestígio.
Isadora entrou com passos contidos, a bandeja vazia presa entre os dedos, tentando esconder o leve tremor que ainda insistia em seu corpo. Dormira pouco - ou quase nada. A lembrança do toque de Enzo ainda ardia sob a pele, como se o corpo dela se recusasse a aceitar que tudo aquilo tivesse acabado sem uma palavra.
Ele tinha sumido. E agora, ali, o mundo parecia seguir sem ela.
- Pegue a bandeja com o champanhe. E sorria. - Clarisse apareceu ao lado, o sorriso polido colado ao rosto como uma máscara de porcelana. O tom, porém, era cortante. - Está pálida. Vai assustar os convidados.
Isadora assentiu e caminhou até a mesa, onde uma das funcionárias mais jovens já distribuía as taças. Pegou a bandeja mais cheia, respirou fundo, e se virou para o salão.
A música ambiente preenchia o espaço com violinos suaves. Homens de terno e mulheres em vestidos de grife conversavam em grupos dispersos, rindo baixo, como se todos compartilhassem de um segredo.
Havia algo errado. Ela sentia no ar. Um tipo de tensão disfarçada de formalidade. Como se o clima estivesse prestes a virar, e só ela ainda não soubesse.
Isadora avistou Enzo de pé ao lado de Valentina.
Ele usava um blazer escuro, elegante, o cabelo perfeitamente arrumado, o mesmo sorriso discreto de sempre nos lábios. Postura impecável. Olhar neutro.
Ele nem me viu ainda, pensou Isadora. Ou está fingindo que não vê.
Valentina estava deslumbrante - como sempre. Vestido branco com aplicações douradas, os cabelos presos num coque baixo, maquiagem impecável. Ela parecia brilhar. E, ao lado de Enzo, brilhava ainda mais.
O coração de Isadora acelerou por um motivo que ela ainda não conseguia nomear.
Clarisse ergueu uma taça e, com um gesto sutil, atraiu a atenção dos convidados. A música diminuiu, e o burburinho foi silenciado por expectativa.
- Agradeço a todos por estarem aqui - começou, a voz firme, treinada. - Esta noite é especial para nossa família. Representa uma nova fase. Um laço entre nomes que sempre caminharam lado a lado, e agora, selam esse elo com algo ainda mais nobre.
Isadora parou de respirar. A palavra que ecoou dentro dela foi "elo". Logo em seguida, "união".
A bandeja pesava.
- Com orgulho - continuou Clarisse, com os olhos fixos na filha -, apresento o futuro marido da minha filha Valentina: Enzo Bianchi.
O mundo parou.
A garganta de Isadora fechou de repente, como se algo invisível tivesse se enrolado ao redor de seu pescoço. A visão ficou turva por um segundo.
O som dos aplausos soou distante, abafado. Valentina levantou a mão, exibindo um anel dourado grotescamente grande. Os convidados sorriram. Alguns brindaram. Enzo curvou-se e beijou a mão dela diante de todos.
Isadora mal sentia os pés no chão.
A bandeja começou a tremer. O metal vibrou contra as taças, produzindo um tilintar sutil. Tentou respirar fundo, mas o ar parecia pesado demais para entrar.
"Foi só um erro", pensou, desesperada. "Só um... desvio. Ele vai olhar pra mim. Vai dizer que isso não é real."
Mas Enzo não olhou. Nem uma vez.
Valentina, então, aproximou-se. Seu sorriso era doce como veneno.
- Não derrame, querida - disse, estendendo a própria taça. - Sei que suas mãos ainda tremem perto do meu noivo.
Alguns convidados riram.
A bandeja vacilou, mas Isadora segurou. Por dentro, queria gritar. Jogar tudo no chão. Sair correndo. Mas não fez nada. Apenas manteve o sorriso vazio e o olhar baixo.
Clarisse passou por ela, pausando apenas o suficiente para sussurrar:
- Acha mesmo que alguém como ele olharia para você? Tire esse brilho idiota dos olhos.
O zumbido começou ali.
Um som surdo, constante, como se estivesse dentro da cabeça dela. Os rostos viraram borrões. As vozes, distorcidas. A taça de champanhe foi entregue, mas ela já não via com clareza. O salão girava devagar, sufocante.
Ela precisava sair dali.
- Com licença - murmurou para ninguém em específico. - Vou trocar a bandeja.
As pernas pareciam de borracha, mas a raiva misturada à vergonha impulsionava os passos. Subiu as escadas tropeçando no próprio silêncio e entrou no banheiro do corredor com força.
Fechou a porta, trancou, e apoiou-se na pia. O estômago revirou.
A bile subiu rápida, sem aviso. Ela caiu de joelhos e vomitou com violência. Uma. Duas. Três vezes. As mãos tremiam. A testa estava encharcada de suor frio.
A sensação era mais do que náusea. Era uma vertigem que vinha de dentro, das entranhas, como se o corpo soubesse de algo que a mente ainda recusava.
- Isadora?
A voz a fez erguer o rosto, trêmula.
Clara, uma das funcionárias mais antigas da casa, havia aberto a porta com cuidado. Ela correu até Isadora e se ajoelhou ao lado, segurando seu ombro.
- Meu Deus, menina... você está gelada. Isso foi só nervoso ou...?
Isadora não respondeu. Não conseguia.
Clara a olhou nos olhos e depois baixou o olhar para o ventre dela. Havia algo em sua expressão que mudou. Um tipo de sabedoria antiga, silenciosa.
Ela estendeu a mão e tocou com delicadeza o ventre plano sob a camisa amarrotada.
- Você precisa ver um médico - disse, com a voz baixa, mas firme. - Isso não é normal.
Isadora arregalou os olhos.
E pela primeira vez, considerou a possibilidade que até ali parecia impossível.