/0/1454/coverbig.jpg?v=f64030d947de1fa798bf156c495775db)
Matarazzo havia passado mais uma noite sob os efeitos do álcool, o homem havia bebido muito dentro de sua própria casa, suportando a solidão e a amargura da tristeza. Desde que rompeu seu namoro quando ainda morava com sua mãe e se mudou para uma cidade fria e longínqua de onde sua progenitora morava, Bertiolli nunca voltou a ser o mesmo. Não suportava a realidade de ter sido traído por Antonella bem embaixo de seu nariz, também não entendia o que havia feito para merecer uma traição vinda de duas pessoas que amou e confiou tanto.
Sim, sua namorada o traiu com alguém muito próximo na época e era isso o que mais doía no homem. Abriu seus olhos, sem se mexer na cama, apenas encarava o nada, jogado de bruços nós lençóis de seda com a mente vazia e ao mesmo tempo transbordando. A dor latejante não era mais forte que seus pensamentos infames de querer romper sua vida imediatamente, Matarazzo havia acostumado com a dor de ter seus sonhos não realizados, mas não conseguia parar a dor da frustração. Ter uma família ao lado de seu primeiro amor, filhos, uma casinha de campo e um cachorro, ele seria capaz de tudo para que isso fosse realidade, mas tudo acabou quando entrou na biblioteca daquela casa, pegando Antonella aos beijos com seu primo mais próximo. Como o imaginado, houve uma briga muito feia, onde Bertiolli espancou seu primo e escurraçou os dois de dentro de sua casa. Sua mãe tentava o acalmar a todo momento, mas não era possível, pois o homem presenciou uma das piores cenas de sua vida, uma que não estava sendo fácil superar, mesmo depois de três anos. Quando se mudou da casa da mãe, imaginou que seria mais fácil superar a cena que marcou seus sentimentos ao nunca mais cruzar com Antonella que, insistia em invadir sua casa várias vezes, mas não foi bem assim. Ainda depois de três anos, ele bebia para afogar as mágoas e esquecer o rosto daquela maldita loura e magricela.
O aparelho ao seu lado o assustou com o som estridente de uma chamada que estava recebendo. Poderia ser mais um cliente, afinal, esses anos morando sozinho serviram para Bertiolli se dedicar ainda mais na carreira de investigador particular e se tornar conhecido não só em seu país, mas em muitos lugares do mundo. Ainda sentindo a cabeça pesar pelo efeito do álcool, o homem se inclinou até o criado mudo e pegou o aparelho, vendo no visor um número internacional. Respirou fundo, quem poderia ser? Neste tempo como investigador, não adquiriu nenhum inimigo pelo caminho, mas todo o cuidado que tomaria ainda era pouco. Seu trabalho era extremamente sério e sigiloso, ele apenas investigava casos de forma particular e algumas vezes fazia perguntas a testemunhas colaboradoras, mas nunca se envolveu a fundo com a criminalidade ou com os envolvidos em questão. Entrava e saía de seus casos sem que fosse percebido pelos investigados, a maioria eram criminosos. Depois de haver desistido de ser delegado, essa era a sua profissão que vinha levando já há alguns anos.
A chamada de findou sem ser atendida, Bertiolli estava se sentindo muito lento para atender alguém naquele momento e mesmo um cliente teria de esperar. Colocou o aparelho ao seu lado na cama e voltou a fechar seus olhos, a fim de dormir por mais algumas horas e então estaria novo como um bambu à beira do rio. No entanto, seu celular voltou a tocar, o importunando. Apertou ainda mais seus olhos e se virou na direção contrária do aparelho, não queria escutar a voz de ninguém, não queria ser importunado, apenas dormir até que se sentisse bem novamente. Deixou que tocasse até cair na caixa de mensagens, dessa vez não voltando a tocar, se sentiu satisfeito. Ele permaneceu deitado por mais algumas horas do dia, não se importando com as horas, ressonando e voltando à consciência por algumas vezes, até que decidiu se levantar. Pegou o aparelho em suas mãos e saiu de seu quarto, em busca de sua máquina de café, era isso que o mantinha acordado durante o dia.
Preguiçoso, era o que lhe descrevia depois que havia saído da casa de Donatela, sua mãe. Bertiolli passava a maior parte do tempo dormindo quando não estava trabalhando, não fazia vínculos mais fortes além dos homens que trabalhavam para ele em alguns casos e nunca se relacionava com mulheres, principalmente as loiras, pois apenas uma havia deixado uma marca que se lembraria pelo resto de sua vida. Já na cozinha, colocou a cápsula dentro da máquina e esperou o café cair em sua xícara lentamente, enquanto pegava uma torrada dentro de seu armário. Se encaminhou em direção à sala e se jogou lá mesmo, ligando a televisão e colocando em um programa infantil. Desenhos eram os seus favoritos, talvez a alma ainda fosse a de uma criança que nunca cresceria dentro dele. Sorriu, enquanto tomava seu café e assistia a programação.
Bem, parecia que quem quer que fosse, não o deixaria em paz até conseguir falar com ele, pois seu celular voltou a tocar quando estava na parte mais importante do desenho. Bertiolli bufou, pegando o aparelho em mãos e encarando o mesmo número no visor. Atendeu imediatamente, esperando a primeira palavra vir da pessoa que estivesse do outro lado da linha.
- Olá, senhor Matarazzo.- A voz grave ecoou em seus ouvidos em um idioma diferente do seu.
- Boa tarde.- Respondeu em inglês ao estranho.
- Sou Lucke Walker, é um prazer finalmente falar com o senhor, espero não estar atrapalhando.- Bertiolli não o respondeu.- Bem, liguei para o senhor a fim de contratar seus serviços, recebi muito boas referências a seu respeito. Espero que esteja disponível.
Bertiolli relaxou um pouco, por saber que se tratava apenas de um cliente. Ele sabia que em qualquer momento algum criminoso poderia se dar conta de que fora investigado pelo Matarazzo e querer se vingar. Levou a xícara a sua boca, ingerindo um grande gole de café, antes de responder:
- Estou disponível, senhor Walker. O que deseja?
- Estou a procura de duas pessoas muito importantes para mim, investigador. Elas desapareceram perto do lugar onde moravam, aqui em Nova Iorque, no Bronx.
- Certo.
Ele estava acostumado a lidar com casos de desaparecimento, na maioria deles as pessoas foram encontradas, ou apenas seus corpos, deva ser por este motivo que o homem havia ligado, afinal, Bertiolli era muito bom no que fazia. Esse era mais um caso de desaparecimento, dessa vez, nos Estados Unidos.
- Elas são apenas duas adolescentes imaturas e cheias de sonho.- Suspirou.- Acredito que possam ter sido enganadas.
- Não me leve à mal, senhor Walker.- Ironizou.- Mas são duas adolescentes, podem ter fugido com os namorados!
Ele sentia que já tinha experiência suficiente para fazer esse tipo de comentário. No mais, eram casos quase fúteis que vinham a sua mão, os mais importantes sempre eram mais raros, por este motivo o homem sentia que por mais uma vez encontraria adolescentes rebeldes pensando ser adultos.
- Não, investigador.- O homem riu nervoso do outro lado da linha.- Minhas filhas foram sequestradas pela máfia Italiana, sei disso. Antes de o contatar, a polícia local fez algumas investigações sobre o caso e não conseguiram muito, mas as câmeras mostraram um rosto familiar ao lado delas. Enzo Rafaello.
O nome fez Bertiolli parar por um instante, se dando conta de que o caso era muito mais sério do que imaginava. Então estava lidando com um caso relacionado à máfia Italiana e isso era muito perigoso. Ninguém que se metia com Enzo Rafaello, líder dessa organização criminosa, saía impune. O homem tinha não só sangue italiano em suas mãos, mas também era filho da "princesa" da máfia russa e fazia jus à fama. Bertiolli sentiu sua espinha se arrepiar, da última vez que chegou perto desta tal máfia foi descoberto e esteve a um passo da morte, mas não iria desistir de exercer seu trabalho, mesmo que isso lhe custasse a vida.
- Então pensa que se trata de...
- Tráfico humano.- Walker o cortou.- Elas vão ser escravas sexuais.- Concluiu com pesar.- Preciso que salve minhas filhas, investigador.- Suplicou.- Venha para Manhattan amanhã, pagarei sua estadia aqui e falaremos mais a fundo sobre o caso, aceita?
- Eu não nego serviço, senhor Walker. Claro que aceito.
Eles acertaram mais algumas coisas, como sua estadia que seria paga por Lucke e o local onde deveriam se encontrar. Matarazzo encerrou a chamada feliz por seus serviços ainda ser um dos mais requisitados, mas ao mesmo tempo a preocupação de ter que investigar a máfia mais uma vez o tomou e todo o seu corpo tremeu, sentindo um calafrio. Refutou aqueles devaneios e se levantou, levando sua xícara até a máquina de lavar louças e depois se dirigiu ao quarto, a fim de tomar um belo banho. Iria encontrar as bambinas mesmo que isso lhe custasse a vida, era um compromisso sério que tinha com o seu trabalho todas as vezes que assumia algum caso, dando sua total dedicação e até sua vida, se fosse necessário. Desistir não era uma opção. Bertiolli estava na tal profissão por amor. Rafaello não seria o primeiro que o faria parar.
...
Alguns dias antes:
Bronx, às 09:00h.
O sinal tocou, liberando os alunos para fora da sala, era a hora de se dirigirem ao refeitório para comer algo e descansar, pois ainda haviam algumas aulas após este intervalo. Júlia Jackson tinha dezesseis anos e era estudante do décimo ano, estava no ensino médio da escola que ficava há algumas quadras de sua casa, a menina e sua irmã estudavam em tempo integral. Ela amava quando o sinal tocava, era o momento que ficaria com sua única e melhor amiga antes de uma tortura de muitas aulas pela frente. As irmãs tinham apenas uma a outra e mesmo que Janet fosse três anos mais nova que a irmã, as duas se entendiam muito bem. Ambas não tinham amigas na escola, afinal, eram as mais pobres e nunca tinham dinheiro para fazer o que os outros adolescentes faziam, como ir ao shopping comprar um lanche, ou ir a uma festa na casa dos amigos. Elas dependiam unicamente de sua mãe, que trabalhava como faxineira na casa de uma senhora rica e ganhava uma mixaria por isso, ela mal conseguia sustentar as filhas. Juntou suas coisas e estava prestes a sair da sala, acompanhando o aglomerado de pessoas, quando o professor Peter parou bem em sua frente, fazendo-a estancar.
- Senhorita Jackson, bom dia.
A garota o encarou confusa, não entendia o que o professor queria, já que só tirava notas altas em sua matéria, estava morrendo de fome, pois em sua casa na noite passada, não puderam nem desfrutar de um jantar decente, aliás, não teve jantar em sua casa e muito menos o café da manhã. Sua mãe estava atolada em dividas e descobriu um câncer na cabeça em estado avançado, precisando comprar remédios caros e quimioterapias para a sua sobrevivência, mas mentiu para as filhas, dizendo ser apenas um tumor leve e benigno que logo seria sanado.
- Bom dia, professor Peter.- Sorriu.- Algo errado?
- Comigo, não.- Ajeitou seus óculos fundos de garrafa no rosto.- O diretor Wilker me mandou entregar este documento, você deverá entregar a sua mãe imediatamente, é o segundo mês que ela não paga a mensalidade da escola.
O professor esticou a mão em sua direção, contendo um envelope com o remetente da escola. Júlia juntou as sobrancelhas, sua mãe não havia comentado sobre a falta de pagamento das mensalidades da escola. A garota até se ofereceu para ajudar a mãe nas horas vagas, arrumando um serviço em uma loja de conveniência qualquer, mas a mãe da garota negou, disse que seu único dever no momento era se dedicar aos estudos e nada mais. No fundo, ela apenas queria que as filhas não tivessem o mesmo fim que ela.
- O que?- Pegou o papel.- Minha mãe não comentou nada sobre isso comigo.
- Diga a sua mãe que se ela não pagar as duas mensalidades em uma semana, teremos que barrar Janet e você na entrada da escola.
- Uma semana é muito pouco, professor.
- Sinto muito, podem recorrer a uma assistência social para pedir apoio.
A garota tinha seus olhos cheios de lágrimas. A única coisa que gostava tanto fazer poderia ser tirada dela em apenas uma semana, ela poderia ser barrada de entrar na escola e se dedicar aos estudos, como fazer sua família sair da miséria se não poderia estudar? Comprimiu os lábios. A fome já não era mais tão importante para a garota.
- Júlia, se não houver uma ação de sua mãe, teremos que processá-la pela falta de pagamento e por colocar vocês duas em uma situação como esta e aí pode ser pior.- Colocou a mão no ombro da garota.- Se o juiz a achar incapaz de criá-las, vocês serão levadas para orfanatos.
- Por favor, professor. Dê-nos mais uns dias.
- Sinto muito, não sou eu quem decide isso.
As lágrimas quase transbordaram dos olhos dela, que apenas assentiu e saiu corredor adentro até a sala do diretor. Estava decidido, Júlia iria começar a estudar apenas meio período e arrumar um emprego para ajudar com as contas dentro de casa, já que sua mãe fazia questão de as criar sozinha e nunca lhes contara quem é seu pai. Ela sequer recebe ajuda financeira do homem, levando a filha mais velha a crer que seu pai nem sabe da existência das duas. Um dia ela tiraria essa história a limpo, mas no momento certo, agora era a hora de tentar pedir mais alguns dias ao diretor Wilker. Ela sabia que o superior era um cara durão, mas tentaria mesmo assim.
- Bom dia, senhorita.
A secretária a atendeu assim que chegou na recepção. Encarou a mulher sentada na mesa próxima a porta que dá acesso a sala do diretor. Trajava um vestido azul e emanava um sorriso curto em seus lábios pequenos. Era loura, a pele bem clara e olhos azuis. Mesmo com seu sorriso, a garota pôde perceber o olhar que a secretária lhe lançou disfarçadamente através dos óculos quadrados em seu rosto. A garota se perguntava naquele momento o que diferenciava-a da que estava sentada naquela mesa, se eram as roupas velhas e desgastadas, os tênis All Star com a sola começando a descolar, a falta de dinheiro ou se era a cor de sua pele ser mais escura. Qual era o motivo para tal olhar de reprovação e até mesmo nojo?
- Bom dia, o diretor Swan está?
- Sim, espere um minuto.
Ela pegou o telefone e o colocou ao ouvido, desviando seu olhar para um lado qualquer.
- Senhor Swan, há uma aluna que deseja falar com o senhor.
A voz do homem ecoou do outro lado da linha, perguntando algo que Júlia não conseguiu entender.
- Sim.- Respondeu apenas.- O nome dela é...- Colocou a mão tampando a entrada de voz do aparelho e se virou para a aluna.- Qual o seu nome, querida?
- Júlia Jackson.
- Júlia Jackson!- Repetiu.- Certo... Ok, senhor.
Ela desligou o telefone, devolvendo um olhar ainda pior para a adolescente, dessa vez sem sorrisos e se levantando em seguida para falar-lhe diretamente. O disfarce não era mais vivido em seu rosto, agora emitia um certo desprezo, Júlia se sentiu constrangida, mas continuou ali, esperando pela resposta.
- O diretor Swan disse que não tem nada a tratar com a senhorita e que se quiser resolver a questão da falta de pagamento das mensalidades escolares, que traga a sua mãe e ele falará diretamente com ela. Tenha um bom dia, senhorita Jackson.
A secretária não deixou nenhuma brecha para que a menina pudesse insistir e suas palavras foram cortantes como facas pontiagudas em seu peito. As lágrimas que antes foram seguradas, agora venceram as forças de Júlia, saindo para fora imediatamente e banhando seu rosto pela água salgada. Ela apenas assentiu a contragosto, se virou e foi embora, inconformada por não poder resolver sequer um assunto sobre seus estudos. O que iriam fazer? Caminhando por entre os corredores, em busca do refeitório, Júlia sentia que nada poderia piorar em sua vida. Se ao menos conseguisse convencer sua mãe de contar onde estaria seu pai, talvez a menina conseguisse o convencer de as ajudar financeiramente, ou o colocar na justiça para sequer conseguir fazê-lo pagar as mensalidades da escola para as filhas. Era um homem tão ruim ao ponto de ter rejeitado a mulher com duas filhas?
A menina chegou ao refeitório, vendo sua irmã acenar para ela alegremente enquanto estava sentada sozinha em uma mesa, com duas bandejas de comida. Janet selecionou exatamente o que a irmã mais gostava enquanto estava ausente e esperou pacientemente por ela, sem se importar com os olhares dos outros adolescentes, Janet era muito inocente para entender que seus olhares se dava porque as duas eram as únicas negras e as mais pobres da escola. A mais velha disfarçou, limpando as lágrimas e reprimindo o choro enquanto se aproximava da mesa, se sentou ao lado de sua única amiga, que parecia muito entusiasmada nessa manhã.
- Onde estava? Demorou! Ah, veja, serviram pudim hoje.
- Tive que ajudar o professor Peter até a sala dos professores, ele estava com muitos livros e não conseguiria levar sozinho.- Mentiu.
- Oh, coitado. Que bom que tenho uma irmã boa como você.
Ela se virou levemente, pegando um papel no bolso de sua jaqueta estendida na cadeira e o entregou à Júlia.
- O que é isso?- Pegou o papel em suas mãos.
- É uma inscrição para modelos! Peguei do mural da escola.- Esse era o motivo de seu entusiasmo.- Sabe quem vai estar lá? Jack Williams, o maior estilista do país! Foi ele quem impulsionou a carreira de dezena de modelos. O que acha?
Julia havia entendido a animação da irmã naquele momento. Era seu sonho ser modelos, mas era uma carreira muito cara, precisaria de muitos investimentos e ainda assim poderia correr o risco de ir ao fracasso, para piorar, as duas não tinham dinheiro para investir no sonho de sua irmã mais nova. Ela sorriu fracamente para a mais nova, tentando contornar a situação, não queria decepcionar Janet, mas um evento como este seria impossível levando em consideração a situação que levavam.
- Jan, isso é muito caro. Provavelmente para se apresentar nessa passarela, não vai custar menos de mil dólares.
- Você não leu? É gratuito!
- Mas e se você ganhar? Quem vai pagar seu book, quem vai bancar sua carreira?
Janet revirou os olhos, como se aquilo fosse a coisa mais óbvia no mundo. Ela havia lido o panfleto mais cedo e sabia todas as informações contidas. Estava decidida a ir até o local onde seria o evento, mesmo que tivesse que ir sozinha.
- Jack Williams!- Ela sorriu.- Está escrito bem aí, ele vai ajudar os três melhores a alavancar a carreira, será como um empréstimo, se ficarmos famosos, então devolveremos o investimento. Vamos comigo, por favor?
- Não sei...- Júlia abriu o papel, analisando-o.- Parece suspeito, tem certeza de que é real?
- Você acha que a escola colocaria um anúncio falso no mural? Se está aqui, é confiável, vamos, por favor.
A mais velha voltou a encarar o rosto da irmã, pensando não fazer sentido. O que um famoso iria fazer no Bronx, numa das áreas mais perigosas? No entanto, ver a animação da irmã a fez ceder, afinal Júlia tinha medo de que se não fosse com Janet, ela iria sozinha e não teria como se proteger.
- Tudo bem.
...
Manhattan
21:00h.
Bertiolli encarava o homem em sua frente, sentado, vestindo um terno. Havia descoberto que o pai das duas garotas pobres era um banqueiro milionário. Não entendia como alguém como ele poderia deixar duas filhas viverem no Bronx, em um dos bairros mais ralés, enquanto ele desfrutava de uma vida milionária, cheia de regalias. Lucke Walker havia contado tudo o que a polícia havia descoberto sobre as filhas, também mencionou a mãe com câncer que mal conseguia pagar as mensalidades da escola de ambas. Seu sangue estava fervendo, não aceitava que alguém tão bem de vida tivesse deixado as filhas à própria sorte. Teve que perguntar:
- E onde estava o senhor todo este tempo?- Viu o homem o encarar com uma expressão tranquila.- O senhor abandonou suas filhas, Lucke?
Um sorriso fraco apareceu nos lábios do homem já velho, desviando seus olhos para a janela grande que o fazia ver o céu. As memórias lhe atingiram.
- Eu já era casado quando conheci Lindsay Jackson. Ela começou a trabalhar em minha casa quando a profissional que limpava o apartamento infelizmente faleceu. Foi paixão a primeira vista. Não demorou muito e nós começamos a ter um caso extraconjugal, eu não amava a minha mulher, me casei por conveniência. Iria me divorciar e assumir o amor que senti por minha empregada quando minha esposa anunciou que teríamos o primeiro filho.
O velho se levantou, caminhando calmamente até a janela, acendendo um cigarro. O investigador também se levantou para o encarar, estava curioso para saber o que o levou a abandonar duas filhas.
- Contei a Lindsay e mesmo com o filho que iria ter, me separaria, a pensão alimentícia não é um carma para mim e minha esposa também tem seu dinheiro, mas ela não quis. Se demitiu imediatamente e desapareceu, secretamente levando Júlia em seu ventre. Alguns meses se passaram até eu descobrir sobre a criança e seu paradeiro com minha primogênita, Júlia é mais velha que meu filho Brad por dois meses, ele ainda estava na barriga de minha esposa quando ela nasceu. Foi mágico ver aquele bebê tão pequeno e tão parecido comigo.- Sorriu.- Era meu sangue correndo em suas veias. Bom, tivemos uma recaída depois disso, que durou mais alguns anos.
- E depois você as abandonou?
Bertiolli recebeu o olhar do velho Lucke, ele entendia a revolta emanada dos olhos do investigador, nenhum homem que abandona o próprio sangue merece viver, mas não foi bem assim que aconteceu.
- Lindsay decidiu ir visitar a mãe, aquela foi a última vez que a vi. Não sei onde sua mãe morava, só sabia que era em outro país. Depois disso ela me ligou desesperada, anunciando a falsa morte de Júlia. Eu pedi que ela viesse, implorei para ver pela última vez o corpo de minha filha, mas não foi possível a convencer. E eu tentei de várias maneiras a encontrar, fui em vários países, fiz contatos com investigadores, mas nenhum foi capaz de descobrir o paradeiro de minha ex amante. Com minha filha Janet foi diferente. Ela cresceu longe de mim, nunca pude a pegar em meus braços, beijar sua face, eu sequer sabia da existência da garota até alguns dias atrás.
- E como você ficou sabendo?
- Eu vi o noticiário, vi a foto das duas, liguei os pontos e tive a certeza de que eram minhas.- Suas lágrimas apareciam nos olhos, mas Walker era durão, não se deixava chorar.- Para confirmar, Lindsay me procurou no banco no outro dia de manhã e me contou tudo e que o que a levou a esconder as filhas de mim, foram meu casamento e meu filho Brad. Eu a odeio agora. Amor está muito distinto, pois fui enganado por diversas vezes por essa mulher. Ela deixou minhas filhas passarem fome e necessidade por orgulho, só soube delas por causa do desaparecimento.
As notícias na cabeça de Matarazzo fizeram uma mudança de opinião. Se foi assim mesmo que aconteceu, então o homem não tinha culpa de nada, mas a mãe das duas. Sentiu seu peito doer, não conseguia sequer imaginar ter crescido longe de seu falecido pai. Ele era tudo para Bertiolli. Quando morreu, o homem sentiu por algum tempo que a vida não fazia mais sentido, ele tentou suicídio por duas vezes, mas desistiu e decidiu ser forte por Donatela.
- Quando as encontrar, senhor Matarazzo,- Interrompeu seus pensamentos.- peço que tenha sigilo. Não fale nada sobre mim, ainda. Não quero que saibam de mim nessa situação, quero me aproximar, ganhar sua confiança. Elas não vão me aceitar de imediato se me conhecerem antes de Lindsay dizer toda a verdade e a fiz prometer isso. Espero que entenda.