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Capítulo 6 Mal estar matinal

Capítulo 7 Preocupações


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Eles percorreram longas horas de estrada para chegarem até quase o outro lado do país, onde se localizava a casa dos Matarazzo. Em outros tempos ela costumava ser encantadoramente alegre e habitada por muitas pessoas, mas depois de alguns anos, Donatela foi tudo o que sobrou daquela linda e alegre mansão, que no momento mais parecia uma casa abandonada, pois a mãe de Bertiolli não tinha tempo e muito menos ânimo para reformar a casa que seu marido tanto idolatrou em vida. Ela evitava se envolver em reformas como esta, pois assim evitaria se lembrar de seu amado e sofrer mais.
Quando escureceu, entraram em uma via que se distanciava completamente do local agitado, eles passaram por uma estrada com arbustos dos dois lados, as casas eram bem separadas umas das outras e o vizinho mais próximo ficava bem distante para uma caminhada a pé e nenhuma era rodeada por muros altos. Talvez uma pequena cerca de arames, aparentemente uma vila muito segura.
Júlia olhou para sua irmã que dormiu durante todo o trajeto, depois encarou o motorista desacompanhado no banco da frente pelo retrovisor com as sobrancelhas juntas e o olhar preocupado, Bertiolli parecia um tanto nervoso, estava inquieto enquanto dirigia. Por dentro, o homem só tinha medo do que encontraria depois de tantos anos sem sequer tentar contato. Logo passaram por um pequeno portão quase ao fim da estrada, aproximando-se de uma casa ao final do grande e verdejante espaço. Uma pequena estrada que levava até a casa, ao meio havia uma fonte com uma estátua de uma mulher semi-nua com a estrada de pedras rodeando-a, ostentando ainda mais o local tão bem cuidado. Júlia de repente se lembrou de sua mãe, a casa dos Bertiolli não era nada parecida com seus dois andares, pintura em perfeito estado para conservação e janelas brancas grandiosas que poderiam ser vistas até de longe, mas lembrou-se de sua pequena casinha porque sentiu que ali lhe passava um ar familiar, o ambienta já a fazia se sentir em casa desde o lado de fora. Bertiolli parou o carro e se virou para trás vendo todo o encantamento da garota com o imóvel. Ele nunca gostou da ostentação exagerada que seu pai insistia em manter, pois sempre pensou que chamava muita atenção, mas agora que havia voltado para aquele local, não o incomodava mais, pelo contrário. Estava feliz por Donatela haver mantido da maneira que seu pai sempre gostou, assim o homem sentia que mesmo após sua morte, ele estava de algum lugar os olhando, era a única maneira de se lembrar tão bem dos momentos bons.
Bertiolli não conseguiu não a encarar, silenciosamente esperando sua aprovação. Ela parecia se sentir a vontade com o local tão lindo, talvez fora seu sonho crescer em uma casa como esta. Ele sorriu, satisfeito, seus olhos se cruzaram e ele logo desviou para a Janet que estava dormindo. Seu único intuito era não a incomodar com seus olhares masculinos, pois sabia que Júlia já havia sofrido demais para proteger a irmã.
- Bom, chegamos.
Voltou-se para a frente. Bertiolli tirou o cinto de segurança e saiu do carro indo para a parte de trás e abriu a porta para pegar Janet em seus braços, não queria a acordar, portanto ele a levaria para o quarto em seus braços. Pegou a menina no colo enquanto Júlia, que já havia saltado do carro os esperava pacientemente. Ela já confiava no investigador a ponto de o deixar tocar em sua irmã. Passou por ela lhe lançando um sorriso nervoso, fazia muito tempo que não via sua mãe que provavelmente ainda era a mesma pessoa em seu jeito sempre meigo e receptivo, era uma mulher sorridente e bondosa com todos que mereciam isso dela. Ainda assim o homem sentia um estranho nervosismo por ter que ficar na presença da senhora Matarazzo novamente. Também sentia uma saudade absurda apertar-lhe o peito, apreensão e medo, tudo misturado em um só corpo. Cada passo que dava em direção a entrada o deixava mais apreensivo por finalmente estar de volta. Era sua casa, seu lar. Subiu os degraus feitos de mármore branco envelhecidos pelo longo tempo, percebendo que sua mãe não havia sequer tocado em qualquer parte do imóvel para o mudar, tudo estava como antes.
Ela havia feito o que o investigador pediu, contratando alguns seguranças para a casa, mais tarde pediria permissão para instalar câmeras de segurança, era arriscado ter duas fugitivas da máfia sob seus cuidados e não ter câmeras de segurança espalhadas por todos os lugares. Ao final dos grandes degraus, um dos seguranças abriu a porta e se ofereceu para levar Janet em seus braços até o quarto de hóspedes, mas a reação da que vinha atrás já era de se esperar pelo investigador, que segurou um fio de sorriso pelo seu autoritarismo.
- Não!
Aproximou-se imediatamente com os braços cruzados, o olhar que lançava para o tal segurança o faria ficar com medo se ela não fosse de pequena estatura e tão franzina quanto um grilo saltitante. Bertiolli a encarou sério, mesmo querendo rir.
- Por que não?
- Porque...- Ela olhou para Janet, imaginando o pior se um homem ficasse sozinha com ela em um quarto.- Porque eu não quero. E quer saber? Nenhum dos dois vai levar Janet para o quarto, acabou a festa!- Chacoalhou a irmã.- Vamos, acorde Janet.
A irmã mais nova se remexeu sob os chacoalhos da mais velha, protestando.
- Me deixe...
- Janet acorde!
Janet finalmente abriu os olhos depois do tom duro e elevado de Júlia, vasculhou o lugar com os olhos, não o reconhecendo e não conseguindo raciocinar de imediato. Estava no carro quando dormiu, mas agora estava em um local desconhecido, nos braços do investigador e sob o olhar de um homem alto e forte, amedrontador como os seguranças que ficavam no bordel. Um arrepio espantou-lhe a espinha. Desceu do colo de De imediato, se sentindo um pouco constrangida e amedrontada, se pondo ao lado de sua irmã. Júlia mantinha uma carranca impossível não notada à quilômetros de distância. Odiava sentir vulnerabilidade.
- Vamos entrar.- Disse Bertiolli.
Ele se adiantou e foi na frente, abrindo a velha porta de madeira escura, ansioso para voltar a encarar as paredes que tiveram quase todas as fases de sua vida. Naquela casa ele havia crescido realmente feliz, a criança com um lar completo e saudável, sem traumas ao lado de país amorosos. Também foi dentro daquele ambiente que sofrera a maior desilusão de sua vida, o dia que recebeu uma apunhalada nas costas vindas de duas pessoas que confiou cegamente, recebeu a traição e a dor. As meninas o seguiram e entraram. A claridade do interior do imóvel era baixa devido suas lâmpadas antigas, mesmo assim, a beleza e grandiosidade não poderiam ser ofuscadas. O hall de entrada tinha um teto de vidro transparente extremamente limpo e não haviam construções acima, dando uma bela e nítida visão do céu estrelado e escuro, as lamparinas ficavam nas paredes pintadas de uma cor clara. O chão era de um carpete antigo e escuro, ornamentado por poltronas sofisticadas na cor cinza, os móveis eram quase um estilo medieval, deixando um ar antigo e gracioso.
Deixaram seus casacos pendurados, para ir mais adiante, já sendo aquecidos pelo aquecedor interno. Júlia se lembrava que em momentos frios como este a garota e sua irmã eram obrigadas a vestir seus casacos velhos e ainda assim não sentir o calor em seus corpos, pois sequer o aquecedor quebrado sua mãe poderia arrumar, ou ficariam sem comida. O homem abriu a primeira porta dupla, dando de cara com uma sala enorme e não menos ostensiva na cor bege, com móveis da mesma cor, mas em um tom mais escuro. As únicas cores que reinavam naquele cômodo - exceto pelas paredes rosé - eram bege e marrom. No sofá uma senhora de aparentemente uns cinquenta anos estava sentada enquanto assistia a televisão com suas pernas cruzadas. De longe via-se sua classe e postura. Vestia um conjunto social branco, o blazer era enfeitado por pérolas em volta das mangas e no lugar onde deveriam ser os botões. Um salto baixo em seus pés na cor vinho com o bico pouco mais elevado a frente e um colar de pedrarias que pareciam preciosas em seu pescoço. Pela primeira vista e impressão, Júlia se sentiu como o patinho feio no meio de mãe e filho tão cultos e quase que naturalmente chamativos. Os dois tinham seus olhares automaticamente elevados, como se tivessem nascido assim, era uma coisa natural. Assim que Donatela os viu, se levantou imediatamente e praticamente correu para os braços do filho, sem dizer uma só palavra. A postura e elegância não eram nada diante de anos sem ver o único herdeiro que havia colocado no mundo, o único filho. Bertiolli nunca gostou muito de abraços e carinhos, principalmente depois que seu pai morreu, para ele aquilo era inconveniente e imprestável para demonstrar o amor, isso se demonstrava com outros tipos de atos, como proteção, correção, entre outros. No entanto, nunca negava os braços de sua mãe ao redor de seu corpo e a recebeu mesmo assim, de forma desajeitada. Júlia ria em silêncio com a bela cena, pois o homem parecia ser daqueles bem durões que não demonstrava os sentimentos, mas sua mãe mudava isso completamente quando sem pudor algum ultrapassava seus limites. Ela sentiu ainda mais falta de sua mãe que, apesar de não ter muito dinheiro nunca deixou faltar o amor e o respeito dentro de sua casa.
- Figlio mio, perché non vieni a trovarmi? Hai dimenticato la tua vecchia madre?
(*Meu filho, por que não veio me visitar? Esqueceu-se de sua velha mãe?*)
- Mamma.- Segurou seus braços.- Converse em inglês, as meninas aqui são americanas e não vão entender nada do que disser assim.
Ela olhou para o lado, finalmente encarando o rosto das duas garotas franzinas que acompanhavam seu filho, lembrando-se de que ele havia avisado que não estaria sozinho. Sabia quem elas eram, há muito, em uma ligação com seu filho havia descoberto que o investigador estava no famoso caso das quinze garotas que desapareceram nos Estados Unidos, mas mais especificamente sobre o suposto pai que as descobriu serem suas filhas quando foram sequestradas e estava desesperado para as encontrar, pagando a um investigador muito famoso para obter resultados. De início, Donatela se preocupou pela segurança de Bertiolli por se envolver com a máfia Italiana nessa investigação - sim, todos, inclusive a polícia já sabiam que a máfia estava diretamente ligada aos desaparecimentos, no entanto, não queriam se meter com ela, colocando o caso como arquivado assim que a poeira baixou. Agora, encarando as garotas, ela sentiu compaixão por seus olhares tristes, disfarçados com leves sorrisos e entendeu o porquê de Bertiolli nunca ter desistido. Nenhuma pessoa merecia viver o que elas viveram, passar anos em cárcere privado, como dois ratos de laboratório, sendo usadas quando seus sequestradores bem entendessem. Afastou-se do filho com um passo de distância e aproximou-se de leve das garotas.
- Eu tinha me esquecido desse detalhe.- Sorriu caminhando um pouco mais, matando a distância entre as três.- Muitíssimo prazer garotas, sou Donatela, mas podem me chamar de Dona.- cumprimentou cada uma delas com um beijo na bochecha e um sorriso sapeca de criança.- Qual dessas duas será minha nora? Aposto que é essa aqui.- Encarou Júlia, segurando seus braços.
Júlia sentiu suas bochechas queimarem pela vergonha no mesmo momento em que as palavras saíram de sua boca, enquanto Bertiolli se divertia por dentro com aquela cena e a maneira com que a garota lidava. Donatela havia apenas jogado verde, ela já sabia como era o olhar do filho quando estava apaixonado e deduziu que seria pela que parecia ser mais velha. O investigador encarava-a divertidamente e quando seus olhos se viraram para ele, ela instantaneamente direcionou seu olhar para a irmã e em seguida ao chão, era como um mecanismo de defesa, ou vergonha. A garota nunca se imaginaria em um relacionamento com ninguém, os homens não eram para ela, considerava todos tão cruéis como Enzo e mesmo confiando em Bertiolli, nunca lhe daria seu corpo, pois nem mesmo ele merecia a tocar. Estava quebrada demais, imperfeita de mais, culpada demais, pensava que nenhum homem merecia uma garota tão suja quanto ela. Um arrepio percorreu sua espinha só por imaginar ser tocada novamente, ela não poderia imaginar uma cena tão aterrorizante. Suas mãos de fecharam em punhos, preferia morrer, pois mesmo que já se sentisse tão suja, não voltaria a ser forçada por mais ninguém. Nenhuma das três pessoas ao seu redor foram capazes de perceber seu repúdio e desespero pelas palavras de Donatela. Bertiolli se divertia com a situação, no fundo ele sabia que sentia algo por Júlia, mas se negava, pois era um amor impossível. Logo o homem teve que intervir, pois Janet lhe lançou um olhar mortal, isso o despertou para perceber que Júlia poderia estar se sentindo incomodada.
- Mamma, nenhuma delas é sua nora.
Se virou para o filho e lhe lançou um olhar repreensivo. O que estava acontecendo com as mulheres naquela casa? Pensou o Matarazzo. Ele apenas manteve o olhar sério, embora por dentro estivesse saltitante como uma criancinha feliz.
- Mas será, bambino!- se voltou para elas.- Venham, entrem e se acomodem.
Enquanto as meninas se direcionaram silenciosamente para o sofá, Bertiolli segurou levemente o braço da mãe, a fim de lhe advertir por ter o chamado de "bambino" - criança -, um apelido que nunca havia gostado, desde que era apenas um menino, mas a mãe insistia em dizê-lo.
- Não me chame de criança na frente das pessoas, mamma.- sussurrou.
- Mas você é e sempre será meu bambino.
Beijou seu rosto como sempre fazia, feliz por finalmente ter companhia naquela casa solitária e velha, que durante a noite fazia roncos e sons estranhos, como se estivesse prestes a cair. Apesar disso, um profissional lhe disse que estava tudo bem com a estrutura e não precisava se preocupar, pois o motivo de sua casa ruir, era somente por ser velha. Lembra-se de que quando ela e seu marido se mudaram para lá, a casa já estava construída e ele lhe disse que pertenceu a seus avós. No começo, Donatela não queria morar em um imóvel tão velho, pois tinha medo que houvessem assombrações passeando pelo interior do cômodo, mas logo se acostumou com o lugar e não muito depois de seus dois primeiros anos de casamento, nasceu seu primeiro e único filho, o qual lhe fazia companhia quando seu amado precisava ficar ausente. O local que pensou que lhe traria medo, lhe trouxe felicidade por muitos anos, até que então, a trágica notícia da morte de seu esposo a chocou e fez viver quase que no automático, não fosse Bertiolli, ela estaria em uma depressão profunda. Se virou para as meninas sentadas em seu sofá marrom.
- Estão com fome? Irei preparar chá e alguns petiscos.
...
Escritório do Enzo:
- Senhor?
Dispôs-se o homem na frente de sua mesa com os braços a frente do corpo.
- O que descobriu?
Levou o copo com a bebida aos lábios, esperando o homem se pronunciar, sentia-se ansioso por ter notícias de suas fugitivas, mais especificamente queria saber sobre a mais velha que lhe chamou a atenção em demasia quando a conheceu. A jovem de cabelos escorridos e olhos negros havia enfeitiçado o homem com sua beleza, o deixando obcecado a ponto de estar aos seus pés e fazer tudo o que ela pedia. No entanto, com a fuga, Júlia lhe mostrou sua "ingratidão" e naquele momento ele a queria encontrar para dar uma lição que, segundo seu pensamento, ela merecia. Enzo havia aberto seus olhos graças a sua fuga e quando a encontrasse - pois sabia que a encontraria em algum momento, nada escapa-lhe - a faria pagar muito caro. Sabia que não teria forças para matá-la, tentou por diversas vezes o fazer até que se conformou em pensar que a amava e que não tinha forças para viver longe de Júlia, mas Janet... Poderia descontar a raiva que sentia matando Janet na frente da irmã, a fazendo sofrer e se arrepender por cada segundo que ficou longe do mafioso. Estava sentado em sua cadeira desfrutando de vários pensamentos a respeito dela, queria a ver sofrer e chorar, voltando para seu lado como uma ratinha afugentada. Enzo a teria novamente em suas mãos e para isso, estava disposto a fazer o que estava ao seu alcance, talvez até o que não estava. Ele tinha homens infiltrados na polícia italiana e até mesmo na corporação do FBI, nos Estados Unidos, queria garantir que as duas voltassem de onde fugiram e que não houvessem escapatória.
Enzo conhecia Bertiolli desde que o investigador fazia seu trabalho há alguns anos atrás e sem muita experiência acabou sendo descoberto, naquela época o mafioso ainda tinha um pingo de humanidade e acabou deixando Matarazzo viver por pura piedade. Ele via um potencial no italiano, esperava que algum dia se deixasse contaminar com a máfia, assim como tantos outros grandes investigadores, mas não foi o que aconteceu. Por mais uma vez o homem estava em seu caminho, mas dessa vez, Enzo não estava disposto a ter piedade de ninguém. Considerava o investigador apenas mais um estorvo em sua vida, um verme que precisava imediatamente ser extinto para que seus objetivos fossem alcançados. E seu objetivo inicial era ter Júlia imediatamente, pois para ele nenhuma era melhor que ela, apenas aquele corpo satisfazia seus desejos do jeito que ele queria. Depois, ganharia muito dinheiro com a virgindade de sua irmãzinha mais nova, mas não a deixaria viva, Júlia precisava aprender a nunca mais sair de seu lado. Iria fazer a irmã mais velha presenciar a venda da virgindade de mais nova, ela acompanharia cada cena da irmã sendo tocada por um desconhecido e depois também acompanharia sua morte. Enzo já tinha todo um plano, arquitetado em sua mente.
- Meus homens foram até a casa de Matarazzo e implantaram escutas e microcâmeras lá, mas o farabutto conseguiu achar todas e de alguma maneira não captamos nenhuma imagem sua dentro do imóvel.- Enzo lhe lançou um olhar mortal, não se importaria em tirar a vida de mais um ali mesmo em seu escritório.- O bom é que contatei um de nossos rackers, que conseguiu imagens de câmeras de segurança nas ruas e comprovou que Janet e Júlia estão em suas mãos.
O homem colocou um envelope pardo sobre a mesa apreensivo e temendo por sua vida, pois não eram as provas que Enzo queria, mas havia se esforçado muito para dar pelo menos o mínimo resultado.
- E já sabem para onde as duas foram levadas?
- Infelizmente ainda não, senhor.
Encarou friamente o homem careca e cheio de rugas atrás daquela mesa, considerando-o ingrato por não ter conseguido mais. Poderia imaginar uma tentativa de traição por parte de seus homens mais lerdos que o normal, mas se estivesse acontecendo, ele iria tomar as devidas providências e os traidores não sobreviveriam. Pela primeira vez em muito tempo as coisas não andavam da forma como ele queria e Enzo se sentia traído e desapontado, seu ódio o consumia por inteiro. Da última vez que isso aconteceu, não sobraram testemunhas para contar tamanho massacre entre os seus. Pegou o envelope na cor parda quase escuro em suas mãos, ansiosa e nervosamente o abrindo, vendo de imediato raras fotos de Julia e Janet entrando no carro de Bertiolli. Soltou o ar pesadamente enquanto analisava bem as fotos uma a uma. Queria saber quais eram os próximos passos do investigador e por este motivo havia pedido que cautelosamente colocassem microcâmeras espalhadas pela casa, enquanto distraiam o investigador, mas os homens atrapalhados não haviam obtido sucesso. O ódio por estar as cegas naquele momento o consumia causando o borbulhar de sua ira nas veias, jogou as fotos no chão e tomou o resto do líquido dentro do copo, se levantando em seguida. Encarou pela janela o lugar em que se encontravam, era muito afastado da cidade e quase não passavam carros por lá, era um local específico e cheio de seus seguranças para que sequer uma garota conseguisse escapar, mas as irmãs conseguiram e Enzo iria descobrir como.
- Eu quero que encontrem elas!- Exclamou.- E tragam-me também o Matarazzo, quero eu mesmo o matar! - Se voltou para o que estava sentado em uma cadeira a frente da mesa.- Agora saia daqui!!!
Jogou o copo que ainda mantinha nas mãos na direção da porta, vendo-o espatifar-se por inteiro, fazendo o homem presente pular pelo susto e tremer pelo medo. Rafaello gostava de ser temido.
- Sim, senhor Rafaello.
O homem se retirou imediatamente, olhando para o chão enquanto caminhava na direção da saída, sentindo-se cada vez mais aliviado a cada passo até que finalmente o deixou sozinho com seus monstros internos. O chefe da máfia estava furioso pela pequena brecha que deixaram em aberto, deixando escapar as duas garotas mais importantes dali, uma que não conseguia viver sem, de qualquer maneira Júlia o acalmava quando seus monstros o atacavam, e Janet que lhe daria muitos milhões em um leilão que já havia sido organizado para a "venda" de seu corpo, mas teve que cancelar, causando-lhe prejuizos. Pegou um cigarro, acendendo-o e abriu a janela.
- Vocês não vão se livrar de mim, Jackson, trarei as duas de volta, principalmente minha menininha. E o Matarazzo logo estará com sua cabeça em uma bandeja de prata transbordando sangue.
...
Dia seguinte, na casa de Donatela (09:00 AM):
- Isso aqui é lindo!- disse Janet.
A mais nova admirava a grande casa que estava hospedada a cada passo que dava, não deixando faltar um detalhe aos seus olhos, nunca havia entrado em uma casa tão grande como aquela, o máximo que já fez, foi acompanhar sua mãe em uma de suas faxinas nas casas de pessoas que nem eram tão ricas. Elas estavam caminhando na direção da mesa na área externa da mansão, era ali que tomariam café da manhã naquele dia, o sol estava escondido pelas nuvens no céu, indicando que seria mais um dia nublado naquela cidade habitualmente fria da Itália. Júlia estava encantada em como alguma parte da Itália poderia ser quente enquanto a outra parte seria fria, sorriu imaginando sua mãe morando com elas naquele lugar tão aconchegante e cheio de verde, uma coisa que não era tão comum em sei país natal. Nunca foi muito fã de seu país, sempre quis morar fora dos Estados Unidos, bem longe do tráfego de Nova Iorque e este parecia ser o lugar perfeito, afastado e cheio de árvores e grama, do jeito que a garota gostava. Sorriu abraçando seu próprio corpo enquanto caminhavam pelo jardim em direção a mesa onde já se encontravam os Matarazzo. O vento havia as tomado, fazendo suas peles se arrepiar, apesar de vestirem blusas - Donatela havia pedido para que um de seus funcionários comprassem roupas para as duas esta manhã- o vento ainda se fazia corpulento em seus rostos.
- É muito lindo mesmo.- Concordou, se aproximando vagarosamente.- Janet, se não estivéssemos sendo perseguidas por Enzo, você gostaria de morar aqui, na Itália?
- Mas é claro que sim, Júlia. Este lugar é um paraíso.
Sorriu com o pensamento de que um dia elas estariam morando em um bom lugar, assim como este e não mais passariam fome ou por necessidades, Júlia só teria que alternar entre os estudos e o trabalho, quando já estivesse de volta em sua casa. Elas logo alcançaram os dois sentados à mesa. Olhou para a mesa de vidro repleta de coisas para comer, fazia muito tempo que não se sentava em uma mesa assim, se sentiu acolhida por Donnatela. Os dois não perceberam a chegada das garotas, pois conversavam animadamente enquanto comiam. Em cima havia uma lona na cor branca personalizada e era tudo muito lindo, logo perto da mesa um pequeno sofá com muitas almofadas e o chão era uma pequena área de piso bege. Elas foram percebidas segundos depois.
- Bom dia, meninas.- Donnatela se levantou e deu um beijo no rosto de cada uma.- Como passaram a noite? Sentem-se.
- Bom dia.- disseram juntas e logo se sentaram.- Passamos bem, obrigada.- Completou Júlia.
Elas mal se sentaram à mesa e a atenção já lhes fora retirada de imediato quando uma outra mulher se aproximou sorrateiramente, era loura dos olhos claros, parecia muito animada naquela manhã. Os Matarazzo sabia exatamente de quem se tratava, a paz logo lhes fora retirada apenas por encarar o rosto lavado e audacioso de Antonella. A loura direcionou seu olhar para todos sentados ao redor da mesa, não se importando muito com a presença de duas pessoas novas no ambiente, fixou-os em Bertiolli. Ela deu a volta na mesa rapidamente, vendo o homem se levantar com o olhar sério e duro, enquanto seu maxilar estava travado. Antonella o agarrou.
- Berti, que saudades! Como está, meu amor?- Perguntou, o soltando e se sentando em uma cadeira vaga ao lado dele.- Sente-se comigo.
O investigador não queria encher a cabeça das meninas com um escândalo desnecessário, por isso recusou imediatamente a ideia que se passou por sua cabeça, de colocar para fora a loura e apenas se sentou ao seu lado, perdendo o apetite.
- Bem, Antonella. Estou bem.- Respondeu, seco.
Antonella se virou para Donnatela, que parecia disfarçar sua irritação ao ver a ex namorada de seu filho se sentando a mesa como se nada tivesse feito, como se ainda estivesse prestes a entrar para a família. Tudo poderia fazer parte de um jogo e Donatela não iria fazer parte daquilo, a loura poderia querer demarcar seu território agora que sabia que Bertiolli havia voltado com duas garotas sob sua proteção, mas Antonella havia se esquecido de que não havia mais nenhum território na vida do investigador sob sua posse. Júlia examinou bem a garota ao perceber sua chegada e se sentiu incomodada com o abraço cheio de intimidade entre ela e o Matarazzo enquanto comia em silêncio, desejando não ser pronunciada naquela mesa, queria estar invisível e alheia a tudo, mesmo que por dentro estivesse gritando de raiva.
- Dona, por que não me avisou que Berti voltou? Senti tanta falta dele. Soube por sua funcionária que encontrou por acaso essa manhã quando fui fazer compras.
Donatela sorriu sem graça, não suportava estar na presença de sua nora, mas por Bertiolli e pelas garotas recém chegadas, ela tinha que suportar, não podia estourar e dizer tudo o que pensava a respeito da mulher que conversava cinicamente com ela naquele momento. Olhou para Júlia que nem sequer levantava seu olhar para presenciar os conflitos familiares, já Janet deixava evidente em sua expressão de curiosidade pelo momento tenso entre família.
- Eles chegaram pela madrugada. Não iria te perturbar com uma informação a esta hora.
- Pois poderia ter me ligado a hora que fosse.- se virou para Janet.- E essa gracinha de menina? Quem é?
- Ela se chama Janet.- respondeu Bertiolli.
- Adolescentes são sempre uma gracinha, não é?
Estava evidente o tom de ironia e falsidade em sua voz, até o mais pausado o perceberia. Janet a encarou maldosa, não abaixando sua cabeça. Abriu um sorriso cínico assim como Antonella estava fazendo, ela iria colocar a mulher em seu lugar. Começou a falar:
- Não queira conhecer a gracinha que somos, querida. Você pode se arrepender.
Antonella respirou fundo já sabendo que a garota poderia ser um problema em sua vida, portanto ficaria por perto sempre que pudesse. Ignorou seu comentário e se virou para a outra, que encarava seu prato quase vazio, enquanto brincava com a comida para disfarçar o incômodo. Essa poderia ser mais perigosa que a anterior, pois sua beleza era poderosamente exuberante e poderia usar como arma para lhe tirar o investigador, se sentiu ameaçada. Sua intenção era voltar com Bertiolli Matarazzo e se casar com o mesmo, pois lhe era conveniente ter um homem cheio de dinheiro aos seus pés, já que seu pai estava falido, mas em sua mente, para isso acontecer ela teria que lutar para conseguir tal feito e estava disposta a fazer o que fosse preciso. A verdade era que Antonella sempre foi uma pessoa um tanto descontrolada e problemática, Bertiolli gostava disso em sua juventude, mas agora tudo o que queria era alguém de pé no chão para o apoiar quando estivesse certo e abrir seus olhos quando errado. Queria alguém que fosse mais centrada e não uma "garota problema". Além do mais, ela já havia o traído uma vez, foi por isso que seu relacionamento se findou, quem o garantiria que não aconteceria novamente? O homem pensou que quando a veria poderia ter uma recaída e esse fora mais um motivo pelo qual se manteve tão distante da fazenda, mas a encarando naquele momento, não sentia absolutamente nada.
- E essa garotinha, quem é?- Antonella não tirava seus olhos famintos da garota.
- Julia.- respondeu Donnatela de imediato.- Essa é a nossa querida Júlia.
- Hum..- levou a mão no queixo.- E qual sua idade, querida Júlia?
A menina finalmente ergueu sua cabeça e encarou a loura bem em sua frente, sabendo que não passava de uma pessoa esnobe e cheia de si que queria apenas pregar peças nas pessoas ao seu redor. Ela conheceu diversas garotas como Antonella quando estava confinada em posse de Enzo, essas garotas não duraram por muito tempo no cativeiro por pensar que eram melhores que as outras.
- Vinte.- Respondeu apenas.
- Oh, querido.- Se virou para Bertiolli e pegou em sua mão.- Ela poderia ser facilmente adotada quando nos casarmos.
Insinuou, encarando Júlia com um sorriso fino nos lábios rosa pelo batom. Queria demonstrar que não sentia medo de ter "seu homem" tirado de suas mãos e para isso subestimou a garota, mas sua idade era apenas mais um sinal de alerta, pois Antonella era muito mais velha, possuía a mesma idade do ex noivo. Ele tirou sua mão debaixo da mão dela sobre a mesa e se levantou da mesa enfurecido. Este era um dos tantos motivos pelo qual não ia visitar sua mãe, Antonella era muito inconveniente quando queria. Suspirou colocando as mãos sobre a mesa e se inclinando, a encarando no fundo dos olhos.
- Você e eu somos passado, Antonella. Nunca nos casaremos.
- Não, querido, você é quem não enxerga que ainda me ama, meu lindo.
Matarazzo abriu sua boca para rebater o que a loura havia dito, mas antes que pudesse, Júlia se levantou interrompendo toda aquela situação constrangedora para ela. Sentia um enjôo no estômago por ter presenciado a cena tão patética de uma mulher que não aceitava o fim do relacionamento e acabava se rastejando por alguém que não sentia mais nada por ela.
- Bom, com licença a todos.- Seu olhar cruzou com o dele, mas rapidamente o direcionou a Donatela, vermelha de vergonha pela tal cena.- Preciso ir para o quarto descansar. Desculpem-me. Esse tipo de assunto não convém a mim escutar, afinal, não sou da família. Além do mais, não me sinto muito bem.
Tendo dito isso, colocou o guardanapo sobre a mesa e se retirou, Janet foi logo atrás dela após pedir licença brevemente. Bertiolli deixou de lado Antonella e suas provocações e saiu daquela mesa como um furacão após as duas, mas não foi em sua direção, ele queria um pouco de silêncio e a voz fina da sua ex namorada não era o ideal naquele momento. Portanto começou a caminhar em direção a seu carro, entrando e dando logo a partida para escapar do ambiente tão sufocante que se tornou quando a loura fora percebida. Na mesa ficaram apenas as duas restantes, Antonella estava satisfeita com o que acabara de fazer naquele momento. Sabia que Júlia inocentemente se incomodava quando ela se jogava para cima do Matarazzo. Sorriu levando a xícara de café a boca e logo recebendo um olhar mortal de Donatela que não se sentia nada feliz com aquele momento, ela temia que seu filho não suportasse e mais uma vez fosse embora da fazenda. Também não suportava a hipótese de uma chama reacender entre os dois e Bertiolli voltar a se relacionar com Antonella, ele tinha que se dar uma nova chance de amar outra pessoa, alguém que lhe fosse fiel.
- O que foi?- Se fez de desentendida.
- Você sabe muito bem que está tentando confundir meu filho e eu não deixarei que faça isso!- Jogou o guardanapo sobre a mesa, sem apetite.- Ele merece a chance de ter alguém melhor que você na vida dele e vou lutar para que não estrague tudo, ou não me chamo Donatela Matarazzo.
Antonella revirou os olhos e reprimiu os lábios, contendo uma gargalhada. Era seu dom subestimar as pessoas ao seu redor, pois sempre conseguiu o que queria e pensava que não seria diferente com Bertiolli.
- Ah, qual é?- Ela se levantou e Donatela em seguida.- Nós duas sabemos que seu filho me ama e que se eu estalar os dedos ele volta para mim, então não tente jogar aquela criança de vinte anos para cima dele!- riu sem humor.- Bertiolli nunca vai querer alguém que é dez anos mais nova, portanto você já perdeu essa guerra.
- É o que veremos, Antonella.
Dona saiu sem ao menos esperar ela revidar novamente, deixando a mulher sozinha na área externa da casa. Precisava fazer algo para que a víbora da Antonella não conseguisse seduzir seu filho novamente, ela conhecia muito bem esse tipo de pessoa, Antonella só queria se divertir ao lado de Bertiolli e depois o dispensar como das outras vezes e ele, cheio de mágoa voltaria para a capital deixando sua mãe para trás mais uma vez. Antonella brincou com o coração de Bertiolli uma vez e quem pagou por isso foi Dona, mas dessa vez ela não deixaria se repetir. Não queria passar mais anos sem ver seu querido filho, não suportaria, portanto ela tinha entrado na guerra e não ia perder tão facilmente. Os principais alvos dela eram Bertiolli e Júlia, seu plano era os juntar, fazendo ambos superar seus medos e traumas juntos, afinal, quem mais seria tão perfeita para seu filho? Entrou na casa, encontrando Júlia e Janet sentadas na sala conversando, sorriu com a cena das irmãs, elas eram muito unidas.
- O que vocês acham de ir a cidade para comprar mais roupas?- perguntou chamando sua atenção.
- Não queremos dar trabalho, senhora Matarazzo.- disse Júlia.- Já temos roupas suficientes, vocês já gastaram demais conosco.
- Considere presentes meus, querida. Aquelas roupas eram apenas o básico.- sorriu.- E por favor me chamem de Dona. Vamos logo, eu não aceito um não como resposta.
- Então vamos, Júlia!- Janet animou-se.
Ela olhou para irmã meio receosa, mas só por ver sua alegria já se sentiu um pouco mais a vontade de ter um pouco mais de intimidade com Donna Matarazzo. Ainda sentia um leve enjôo no estômago, mas acreditava que uma volta para conhecer a cidade poderia a fazer melhorar.
- Está bem.- sorriu.