Capítulo 3 Dia do sequestro

- Assinei um contrato de sigilo, Júlia.- Desabafou.- Você saberá na hora certa toda a verdade. No entanto, ainda preciso saber como tudo começou, quero saber com quem estou lidando, só assim poderei te ajudar.

...

Lembrança:

Dia do sequestro.

Bronx, cinco e quarenta e cinco da tarde.

Elas haviam acabado de chegar no prédio onde seria o tal desfile que iria selecionar garotas profissionalmente para se tornar famosas. Logo na entrada já haviam muitas garotas de diferentes características, o que deixou Janet um pouco desanimada, ela não sabia se poderia ser selecionada, já que haviam tantas meninas lindas, mas não iria se deixar abater por isso. Agarrou a mão da irmã e saiu puxando, passando pelo aglomerado de adolescentes presentes para o evento. Ela queria ver Jack Williams, era sua fã e só de saber que ele poderia fazer parte de sua carreira como modelo a deixou muito eufórica e ansiosa.

Havia um segurança barrando a entrada das garotas, acalmando-as, informando que só iria entrar, quem fosse selecionada pelos organizadores do evento que estavam prestes a chegar. Janet esperava ansiosamente, na esperança de que sua espera seria muito bem recompensada, enquanto Júlia se preocupava, pois se a irmã fosse selecionada, a garota teria que entrar sozinha. Aquilo estava muito suspeito para a mais velha, que rezava para que a irmã mais nova nem fosse notada, ela se preocupava demasiadamente, pois Janet era muito inocente, não conhecendo as maldades do mundo. Nenhuma das duas conhecia, mas estavam prestes a conhecer.

Júlia estava prestes a chamar a irmã para voltarem o caminho, pois sequer sua mãe tinha conhecimento de onde estavam, quando o aglomerado de garotas se abriu ao meio e todas se viraram para ver o automóvel que havia parado bem em frente. Era uma limusine preta, não muito longa, mas o suficiente para hospedar três pessoas que haviam acabado de descer. Uma mulher muito elegante, de cabelos soltos e dois homens vestidos com o terno mais fino que haviam encontrado. Um deles havia acabado de tirar o óculos de sol de seu rosto, dando uma visão perfeita. Várias garotas encaravam-no, algumas sonhando em se casar com alguém tão bonito quanto Enzo Rafaello.

Júlia por sua vez, analisava os três. Nada tirava de sua cabeça que havia algo suspeito e ela esperava saber a tempo e tirar sua irmã dali imediatamente. A mulher era alta e elegante, uma expressão jovem no rosto, mas sua idade a entregava pelo pescoço levemente flácido e com algumas pontas, resultado de alguma plástica rejuvenescedora. Em suas mãos segurava uma maleta, parecia ser uma espécie de assessora particular ou secretária, ainda assim muito elegante e linda como qualquer modelo. O segundo homem tinha cabelos cacheados e bigode, seus cabelos faziam uma espécie de proteção ao redor da cabeça, rebeldes como fios de eletricidade. Um sorriso fraco sem mostrar os dentes, mãos a frente do corpo, óculos de sol e postura despojada. Já o que estava no meio, já sem seus óculos de sol, fizeram a espinha da garota dar pontadas de alerta. Sentiu um arrepio ao encarar seu rosto pálido e quadrado, o maxilar firme, músculos saltando da roupa, relógio caro no pulso esquerdo, pele alva lábios rosados e carnudos e olhos azuis como o céu do meio dia. Aquele homem, apesar de ser o mais lindo que havia visto, era algo de misterioso e medonho, alguém a quem ninguém tem coragem de enfrentar. E ela sentiu um certo pavor quando seus olhos azuis e gélidos a encontraram no meio da multidão, não se desviando dela.

Eles se aproximavam caminhando ativamente, mas seus olhos não saiam da garota de cabelos e pele negros. Júlia olhou para o lado, desviando os olhos, mas ainda sentindo o olhar frio sobre ela. Janet cochichou ao seu lado:

- Ai, meu Deus, Júlia!- Sacudiu seu braço de leve.- Jack realmente veio!

- E quem é ele?

- O que tem o cabelo cacheado. Não acredito que não o conhece.

- Quem quer ser modelo aqui é você, irmã, não eu!

Nesse momento, algumas meninas tentaram ir para cima do trio, a fim de dar um abraço em seu ídolo, ou tirar uma foto, elas queriam a todo custo pelo menos tocar em Jack, mas alguns seguranças que vagavam pelo local rapidamente impediu o ato. Eles passaram por todos com exito, alcançando a porta e parando ali, enquanto os homens fortes faziam uma barreira naquele aglomerado para que não conseguissem passar, apenas quem fosse selecionada.

- Olá, Pessoal.- Jack começou, chamando a atenção de todos.- Que bom que estão animados para hoje. Sinto informar que iremos selecionar apenas quinze de vocês, mas não fiquem chateadas, eu posso voltar a realizar esse evento...

Enzo internamente revirava-se para o discurso intediante do homem o qual ele pagou para ser sua marionete naquele dia. Jack era apenas a ferramenta que ele usaria para capturar as mais belas dentre tantas jovens desesperadas por fama, mas uma em específico lhe chamou a atenção, uma beleza imensurável aos seus olhos. Ele não conseguia deixar de olhar para a garota de pele escura ao lado de alguém que parecia sua irmã, Enzo tinha ótimos planos para as duas de olhares inocentes. Surpreendentemente a que estava a seu interesse não parecia estar gostando de estar ali, como se estivesse sendo obrigada e a qualquer momento pudesse sair correndo arrastando a irmã junto. Ele sorriu, não se importava com a diferença crucial de idade entre os dois, em sua mente já imaginava coisas sexualmente absurdas para uma adolescente imatura. Enquanto Jack fazia o discurso, Enzo sussurrou em seu ouvido:

- Deixe duas em aberto, eu já as escolhi.

- Ah, ok.

Alguns minutos se passaram e o estilista finalmente anunciou que escolheria algumas dentre as garotas, começando imediatamente pelas mais altas, magras e as que julgava mais aparentes ao seu ver profissional, mas logo chegou a vez de Enzo, então, ele voltou a encarar as irmãs.

- Vocês duas.- Apontou com o queixo e logo os seguranças abriram caminho para que elas pudessem passar.

- Eu só estou aqui para acompanhar minha irmã, não estou neste concurso.

Anunciou a garota o surpreendendo e dando uma pontada de esperança para as outras garotas ao redor, ainda restará uma vaga, elas pensaram.

- Então entre junto com ela e a veja desfilar.

A sugestão de Enzo era suspeita, já que o segurança havia anunciado há alguns minutos que acompanhantes não entrariam. Júlia engoliu seco, sentindo as mãos suar e as pernas tremer, algo dizia para ela sair dali imediatamente, levando a irmã, antes que fosse tarde de mais. No entanto, a euforia de Janet por ter sido escolhida a venceu mais uma vez quando recebeu um abraço da irmã, e logo depois foi arrastada pela mesma para dentro, passando pelo homem. Enzo inalou o cheiro da bela menina que havia acabado de passar não muito distante dele, fechando os olhos por breves segundos. Havia conseguido. A partir do minuto que as garotas entraram no prédio, elas jamais sairiam livres. Assim que Jack fez um último discurso, eles entraram, o show iria começar.

O estilista sabia desde o começo em que estava se metendo, sabia que as garotas, na verdade se tornariam escravas sexuais, mas havia entrado nesse jogo, pois o dinheiro que Enzo lhe ofereceu era muito alto. Fora uma jogada de mestre o envolver nisto.

Já dentro do prédio, havia um grande salão de entrada, era ali que deveria acontecer o tal desfile, mas não era bem assim. Enzo deu ordem ao seguranças para tirar toda aquela aglomeração de meninas da frente de seu prédio o mais rápido possível, não queria correr o risco de ter testemunhas contra ele, para elas teria de ser mais um dia comum, onde perderam a seletiva do concurso para quinze garotas. Enquanto isso, lá dentro já estavam todas enfileiradas, uma ao lado da outra, ele observou as quinze garotas com uma certa emoção, com a beleza de cada uma, ele tinha certeza de que mais um ramo de seus "negócios" iria bombar ainda mais, tornando-o cada vez mais poderoso e temido. Eram garotas jovens demais, mas que iriam ser obrigadas a ver seus sonhos interrompidos por um psicopata criminoso que só pensava em sua maldita máfia. Caminhou por entre as garotas, observando-as de cima abaixo, fazendo uma lista de onde cada uma iria, haviam muitos locais no mundo onde ele tinha seus negócios ilícitos, em parceria com outras máfias, era assim que se mantinha de pé. Parou, especificamente de frente para uma certa garota de beleza extravagante que se destacava entre todas presentes, de cabelos negros e longos, olhos castanhos claros, boca carnuda e pele escura, ela era dona de um corpo escultural e mesmo já imaginando sua idade abaixo da maioridade, ele já imaginava-a em sua cama, imagens ilícitas. Olhava no fundo de seus olhos, sabendo que aquela era uma garota muito esperta, pelos sinais que dava, parecia já saber que não sairia de dentro do local da forma que entrou, pois ela segurava o braço da outra que Enzo julgou ser sua irmã com certa força enquanto o encarava desconfiada. Pegou uma mexa de seus longos cabelos, levando às narinas e sugando cada partícula de seu cheiro, ele poderia jurar que a garota tremeu de medo no mesmo segundo.

- O que está acontecendo?

Enzo sorriu para sua pergunta que quase saiu como um fio de sussurrou da garganta fina da menina. Encarou seus olhos temerosos, deixando a mexa cair de seus dedos. Ele inclinou um pouco a cabeça para a encarar, ignorando completamente a pergunta:

- Como se chama?

- J-Júlia...- Sua voz estava tão baixa que quase sussurrou, mas foi o suficiente para o homem escutar.

- Júlia.- Repetiu seu nome como se fosse a última coisa que diria em sua vida.- Lindo nome.- Encarou a mais nova ao lado.- Sua irmã, certo?

A mais velha apenas balançou a cabeça positivamente, afirmando sua questão. Ele se afastou, ainda sem tirar seus olhos de Júlia, indo até Leila, a mulher que o acompanhara até o local, juntamente de Jack. Ela era a responsável por enviar as meninas escolhidas para os locais de preferência de seu chefe, na maioria das vezes ele a deixava escolher, por julgar que ela tinha mais experiência no ramo como sua gerente. Desta vez, duas delas o acompanharia até a Itália, seu lugar de origem e onde o homem estava morando já há alguns anos, depois que se cansou da Rússia, país natal de sua mãe.

- As irmãs irão comigo.

Informou a Leila em um tom de ordem, a mulher apenas confirmou com a cabeça e em seguida escolheu o local de cada uma das garotas em sua mente. Ela não concordava com alguns fetiches de seu patrão, já havia presenciado uma cena como essa outras vezes e em cada uma delas, as garotas terminavam mortas, pois ele havia se cansado de "brincar" de obsessão, mas nada poderia fazer, questionar Enzo seria como pedir para ser morta. Vencida, ela apenas encarou o rostinho de felicidade de cada uma das meninas, olhando para o palco que fora montado falsamente para não levantar suspeitas e elas tentassem fugir antes da hora.

- Boa tarde garotas.- Elas responderam em uníssono.- Bom, sei que esperavam um concurso espetacular, mas vou ter que pedir para que todas se acalmem e tirem suas roupas!- Fez uma falsa expressão de tristeza.- Infelizmente vocês foram enganadas e não passam de nossos produtos.

Ver a expressão de confusão nós rostos das garotas lhe causou uma sensação de tédio, era sempre assim, elas não obedeciam e acabavam sendo forçadas pelos seguranças e foi exatamente o que aconteceu no minuto a seguir, quando ficaram alvoroçadas pelo medo e pela vontade de fugir. Algumas medidas extremas precisaram ser tomadas e algumas até apanharam, criando hematomas em seus rostos. No final, todas tiveram suas roupas rasgadas pelos homens muito mais fortes e tomaram sentimentos de pavor em seus rostos, não sabiam o que aconteceria com elas, provavelmente pediam a alguma força sobrenatural para serem salvas e voltar para casa em segurança, ou pelo menos que aquilo fosse apenas um sonho ruim. Leila entendia cada sensação emitida por cada uma delas, ela havia passado por aquilo quando adolescente também, mas no seu caso era um pouco diferente. Quando tinha doze anos, seu pobre e miserável pai a vendeu por dinheiro para o pai de Enzo, que prometeu cuidar dela como uma filha, mas quando chegou na Itália, tudo o que recebeu foram belas surras e depois fora jogada em um bordel qualquer, onde fora estuprada por diversos homens. O tempo passou e Leila nunca tentou fugir, pois apesar de ter uma vida terrível, ela pelo menos não mais passava fome e pouco a pouco conquistava a confiança do velho. Quando finalmente pôde sair, pediu vingança e lhe fora cedida, assim, voltando para a Venezuela com alguns homens a escoltando e matando seu pai com suas próprias mãos. Depois, ela jurou fidelidade à máfia e ao seu chefe, nunca mais se desprendendo deste ramo, o qual a tornou cada vez mais fria com o tempo.

Com tudo preparado, as garotas foram todas desacordadas e treze foram colocadas dentro de um caminhão, onde foram levadas para o porto, era assim que eles exportação as garotas. Com excessão das duas irmãs, Enzo exigiu que elas fossem levadas com ele em sua limusine e Leila não questionou, mas sabia exatamente onde isso iria parar, ela imaginava uma morte cruel para as duas pobrezinhas.

...

Momento atual, Itália:

Júlia não questionou o investigador por dois motivos: um, ela ainda desconfiava de que ele não estaria a ajudando realmente e não queria provocá-lo e acabar colocando sua irmã em perigo e dois, se ele a estivesse ajudando realmente, ela saberia em algum momento quem o enviou e por mais que demorasse, um dia tudo iria se encaixar. Respirou fundo, antes de lhe dar alguns detalhes do que se lembrava do dia em que fora sequestrada, ela tinha flashes de lembranças de quando ficava ressonando e acordando ao ser dopada e não eram as melhores. Afastou aquilo da mente, tentando focar apenas no que poderia ajudar o investigador, ele precisava saber quem estava o ajudando e o quão forte era a máfia de Enzo Rafaello.

- Eu me lembro de que no dia em que fui sequestrada havia uma mulher que mais tarde descobri ser Leila, a gerente do tráfico humano. Não sei ao certo seu sobrenome, pois só escutei uma vez em anos, mas tem a ver com Vianello, Barrichello, algo assim. Não é alguém conhecida publicamente, mas ela está ligada diretamente nesse ramo. Também havia... Um estilista, Jack...- Tentava se lembrar.

- Jack Williams, eu o idolatrava.- Completou Janet.

- Sim, esse era o nome. Ele faz alguns serviços por fora para Enzo, mas não é diretamente ligado a máfia, só pensa em dinheiro. Com os anos que fiquei presa lá dentro descobri que Enzo tem muito mais que apenas Jack, ele controla e manipula muitos famosos para conseguir cada vez mais garotas inocentes, eu mesma as via chegar. Eles não tem dó de ninguém.- Sua mente viajava por algumas lembranças, dolorosas.- As garotas eram obrigadas a dar conta de no mínimo cinco homens por noite, era a meta delas. E quando pegavam alguma doença, ou quando deixavam de tomar seus remédios e engravidavam, eram espancadas até a morte.

Bertiolli sentiu seu peito estranhamente doer ao imaginar Júlia em uma situação parecida como a que descrevia. Quantos homens passavam pelas boates de Enzo, para que as garotas pudessem dar conta? Suspirou, pois o tipo de pessoas nas quais ele iria lidar eram as piores. A pior máfia da Itália por mais uma vez estava nas mãos de Matarazzo, mas desta vez ele tinha mais experiência, não iria se deixar ser descoberto, mesmo que precisasse se infiltrar lá dentro.

- Eu digo que tive sorte, ou azar.

- Muito azar.

Completou Janet e elas riram amarga e silenciosamente, tinhas uma piada entre si a respeito da obsessão do chefe da máfia por Júlia. Bertiolli a encarou confuso e ela logo tratou de lhe esclarecer:

- Ele ficou obcecado por mim desde o primeiro dia que me viu naquele falso concurso. Não deixava ninguém me tocar, eu era "propriedade" do chefe.- Fez aspas com as mãos.- Todas lá me chamavam de princesinha por isso.- Encarou suas mãos.- Pelo menos isso me trouxe algum benefício.

- Júlia usou essa obsessão como arma para que ele não deixasse ninguém me tocar e me mantive assim, até que Leila apareceu com uma ideia para Enzo, uma que lhe traria muito dinheiro.- Completou Janet.- Ela mencionou o leilão anual de garotas virgens que eles faziam, parece que neste leilão, garotas são vendidas por milhões de dólares e ela sugeriu que ele me incluísse este ano.

As lembranças não fazia nada bem para ambas as garotas. Júlia sequer conseguia encarar o investigador, sentia vergonha e nojo de seus corpo, por ter sido tocada por diversas vezes, sem seu consentimento.

- Tentei de todas as maneiras tirar essa ideia da mente daquele monstro, mas não foi possível, ele estava decidido a ganhar milhões em cima da virgindade de minha irmã.- Encarou-o timidamente.- Foi quando decidi que a melhor opção seria a fuga. Pensei muito bem antes de fazê-lo, ainda tinha alguns meses, fiz isso para que dessa vez desse certo, pois já fomos pegas assim por diversas vezes, mas desta vez teria que ser diferente. Agora estamos aqui, investigador, sob sua proteção. Não sei quem o contratou para nos encontrar, só sei que devo minha vida a esta pessoa e peço que nos ajude. Eu não quero e não posso cair nas mãos de Enzo de novo.

- Irei ajudá-las, só peço um pouco mais de confiança.

Júlia não percebeu o brilho diferente em seu olhar ao encarar Bertiolli exibindo um sorriso triunfal, aquele sorriso mexeu com o interior da garota, em uma parte que havia desligado para sempre, mas sentiu uma batida de esperança. Afastou seus olhos. Ele se levantou e levou seu prato para a pia percebendo que no apartamento cedido para ficarem aquela noite não havia uma máquina de lavar louças, não iria lavar pratos naquele momento, sentia frio. Caminhou até o quarto e pegou um casaco cinza e um cachecol, pois ele morava na parte mais fria da Itália e o tempo de inverno não ajudava muito, além do mais, o aquecedor da casa era o mais vagabundo possível, fazendo questão de ser inútil. Saiu do quarto logo em seguida, avisando que precisaria sair por algumas horas, mas o quarto ficaria livre para as garotas, cedendo a cama para que ambas pudessem se sentir confortáveis. Fechou a porta e se certificou de que estava trancada, tinha dois medos em sua mente: de quem estava dentro tentasse sair e quem estava fora quisesse entrar. Elas não poderiam ficar muito tempo sozinhas, logo voltaria, ele só precisava espairecer um pouco, depois do dia cansativo e cheio de surpresas. O homem intermediava entre a aparição das garotas ser boa ou ruim.

Bertiolli se sentiu atraído desde a primeira vez que olhou para a mulher com um corpo esbelto e coxas fartas, Júlia mexeu com seus sentidos e pensamentos no mesmo instante que a encarou naquela lanchonete, mas infelizmente aquela garota estava proibida para ele pelos muitos motivos óbvios. Colocou as mãos nos bolsos do casaco, se certificando que trouxera seu celular consigo, nenhum tipo de comunicação com o lado de fora era bom para as duas ali dentro, tinha certeza de que o telefone residencial estava desconectado.

Em minutos já estava fora daquele lugar podendo respirar com liberdade sem ter os malditos olhos castanhos sobre si, entrou no carro saindo imediatamente de perto da casa. Precisava pensar em como resolveria aquele caso, era estranho como as coisas estavam quietas de mais, tudo estava calmo e parecia que a máfia nem queria mais ir atrás da "queridinha" do chefe e da virgem que iria ser vendida em um leilão em poucos dias. Fora um único canal que anunciou o recente assassinato de Júlia e uma única vez, ele procurou em seu celular enquanto dirigia notícias como a que viu na televisão, não as encontrando. Júlia tinha razão, Enzo poderia controlar o que quisesse, regendo até mesmo a mídia, todo o país estava na palma de suas mãos. Como alguém como ele poderia ter tanto poder? Uma pessoa assim deveria estar em um presídio, com segurança máxima. Jogou o aparelho no banco do carona, dedicando sua atenção somente na direção.

Suspirou sentindo sua cabeça latejar, esse assunto o deixava muito irritado, não sabia como existiam pessoas capazes de sequestrar mulheres e vender seus corpos para homens, não sabia também como homens eram capazes de "alugar" clandestinamente mulheres para fazer-lhe suas por uma noite contra suas vontades.

Ele dirigiu para bem longe do local onde eles estavam escondidas, precisava se comunicar e não sabia ao certo se seu celular poderia estar grampeado, alguém poderia saber de seu envolvimento na investigação do caso. Ele sabia exatamente onde ir. Desceu do carro em um certo ponto, parecia um simples bar, mas Bertiolli tinha contatos ali, eram pessoas que conseguiam dados clandestinamente e era isso o que precisava, não queria e não podia envolver a polícia no meio disso, mas precisaria ser muito cauteloso, a mesma estava atrás destas meninas. Bertiolli apenas precisou ligar pontos óbvios para saber que se o Rafaello conseguia reger a mídia, então ele também conseguia comandar a polícia, ou pelo menos infiltrar os seus nela. Adentrou o pequeno bar já vendo alguns rostos familiares atrás do balcão. O local era cheio de homens nojentos e beberrões, ele passou por todos sem nem olhar para as dançarinas seminuas, rodeadas por bêbados safados nos pequenos palcos de Polly dance e logo chegou no balcão, cumprimentando o homem em sua frente com um breve aceno de cabeça. O homem sabia quais eram as intenções do investigador em seu estabelecimento e se virou entrando em uma porta, Bertiolli o seguiu, encontrando o velho corredor e em seguida a porta de um pequeno escritório fora aberta para ele, que entrou, desconfiado, ultimamente vinha duvidando de tudo e todos. O homem se sentou unindo as duas mãos, excluindo totalmente a postura de dono de um simples bar e adotando uma outra postura. Olhou para Bertiolli de pé, fez gesto para que se sentasse, mas se recusou.

- E então, do que precisa, velho amigo?

Ele já havia procurado o velho dono do bar por algumas vezes, mas não se considerava nesse nível de afinidade com o mesmo. Ignorou as duas últimas palavras que saíram da boca do homem, talvez já estivesse delirando pela tamanha idade.

- Preciso que encontre os dados completos de algumas pessoas para mim, você sabe, a parte suja.

- Quais os nomes?

[...]

- Investigador Matarazzo? Estávamos mesmo esperando por sua ligação.

A voz inocente e alegre do filho de Walker fez Bertiolli voltar no tempo por alguns segundos e se lembrar do quanto era feliz quando tinha seus pais por perto, o quanto sua vida fora agradavelmente inocente ao lado do velho falecido pai. Ele sorriu de volta, animando-se. Tinha boas notícias para a família Walker, especialmente para Lucke e posteriormente para Brad, que se interessou imediatamente pelo caso ao saber que tinha duas irmãs, uma delas mais velha. Ele queria muito as conhecer, desejava imensamente que fossem encontradas, pois mesmo as conhecendo apenas por uma foto que Lindsay deu a Lucke, já as amava como suas irmãs. Quando pequeno, Brad sentiu falta de alguém que pudesse chamar de irmão, uma figura que pudesse lhe ajudar em suas presepadas. Já a mãe do garoto sequer deu importância e tratou aquilo como fútil, já que nunca aceitou a traição do marido. Ela desejava imensamente que as garotas estivessem mortas e que não houvesse mais nenhuma ligação entre Lucke e Lindsay.

- Deixei a ligação no viva-voz, você pode falar agora.

- Senhor Walker, trago boas notícias.

- Então diga logo, senhor Matarazzo.- Lucke o respondeu com sua velha e alegre voz.

- Eu as encontrei.

- Oh, meu Deus, pai!- Brad quase gritou.- Você ouviu?

Do outro lado da linha o filho abraçou fortemente o pai ambos sentiam imensa alegria por finalmente receber boas notícias, haviam alguns anos que vinham pagando Matarazzo para as encontrar, era uma luta sem fim contra a tristeza de cada dia ser monótono, Catarina, a esposa de Lucke tentava os desanimar, dizendo que as garotas nunca iriam ser encontradas, mas incansavelmente os dois homens da casa continuar sua luta eles confiaram no investigador e finalmente tiveram um bom resultado.

- Que maravilha, Bertiolli!- O velho continuava abraçado ao filho.- Quando poderemos ver minhas filhas? Eu tenho tanto para tratar com elas, me desculpar, refazer o que foi perdido.

- Muito em breve, Lucke. Antes, preciso colocá-las em segurança e então os trarei para perto.

- Claro, claro! A segurança em primeiro lugar!

Depois que ficou algum tempo conversando com Lucke e Brad Walker, Bertiolli finalmente voltou para casa, estava mentalmente exausto. Suspirou e abriu a porta, antes olhando para os lados e se certificando de que ninguém o seguiu. Eles poderiam já estar sabendo que ele estava com as garotas, a ligação havia sido arriscada, ele sabia disso, mas não poderia esperar mais tempo para notificar ao pai de Brad a notícia que ele aguardava durante tantos anos, de qualquer forma, estava disposto a protegê-las, dando a vida pelas duas, se fosse necessário. Entrou trancando a porta e deixando a chave em cima de um móvel bem ao lado da porta, virando totalmente seu corpo em direção à sala. Júlia estava deitada no sofá dormindo profundamente, com a boca entreaberta, deixando sair alguns gotejos de sua saliva, Bertiolli sorriu involuntariamente com a cena engraçada, mas ao mesmo tempo tranquilizadora. Imaginou quantas noites a garota havia passado em claro, com medo de que sua vida ou a de sua irmã pudesse ser interrompida há qualquer momento, temendo pelo que viria no dia seguinte. Deu um passo a frente, pensando se aproximava-se e a levava em seus braços para o quarto ou ficava com a única opção de passar a noite na poltrona velha e dura ao lado do sofá onde dormia a garota que até parecia um anjo dormindo, apesar da boca entreaberta. Bertiolli se viu em uma luta interna, mas a observar dormir durante uma noite inteira poderia acabar com suas regras profissionais, não seria ético de sua parte e também não queria ultrapassar as barreiras da garota fazendo-a pensar que não passava de mais um maníaco tarado, Júlia poderia acordar de madrugada e se dar conta de sua presença e se afastar de vez por causa de seus traumas.

Por fim se aproximou e a pegou em seus braços com muito cuidado para não a acordar, se direcionando ao quarto e abrindo a porta, vendo Janet já na velha cama de casal, também dormindo. A colocou ao lado de sua irmã e as cobriu com o edredom, logo acariciando o rosto de Julia e se virou na direção contrária, saindo dali e fechando a porta. Estranhamente um vazio no peito o invadiu, mas o rapaz tratou de ignorar completamente esse sentimento novo e estranho. Voltou para a sala, ligando a televisão em um canal qualquer e pegou uma cerveja na geladeira, se deitando no sofá. Sabia que o dia seguinte poderia ser bem longo.

[...]

Batidas na porta, foi o que acordou Júlia após mais um pesadelo. Abriu seus olhos escutando pessoas baterem insistentemente na porta de entrada da casa, estava de pé em um pulo sentindo seu coração bater forte pelo medo e a adrenalina, ela também conseguia ouvir as vozes dos homens avisando que sabiam que Matarazzo estava lá dentro, afinal, o quarto não era muito distante da pequena sala. Suas mãos começaram a suar frio junto de seu corpo que ficou completamente trêmulo, ela temia ser capturada novamente por Enzo. Ela sabia que o mafioso não desistiria tão cedo de a encontrar, pois a garota tinha conhecimento de muitas coisas que as outras não sabiam, por passar maior parte dos dias que Enzo estava lá, em seu escritório.

Seus olhos foram parar imediatamente em Janet que dormia tranquilamente, ela se sentia aliviada por ter conseguido proteger sua irmã o suficiente a ponto de a garota não passar por traumas como os seus e ainda ter o sono como o de uma criança. Saiu do quarto em passos lentos escutando os homens atrás da porta discutindo entre si para saber o que fazer a seguir: ir embora ou esperar a porta ser aberta. Não fosse o medo que sentia no momento, a garota se daria conta de que não passavam de trapalhões que não sabiam ao certo o que estavam fazendo. Adentrou a sala com os olhos e ouvidos atentos, vendo o investigador dormindo com a mão para fora do sofá e uma lata vazia de cerveja caída no chão, o controle da televisão estava sobre seu corpo forte, ela pode perceber seus músculos expostos agora fora do casaco. Então foi ele quem me levou até o quarto!, Pensou. Se aproximou e começou sacudir de leve o braço de Bertiolli, arrependendo-se de ter tocado no momento que sentiu uma quentura nas bochechas, mas o homem havia acordado. Seus olhos claros encaravam-na. Os pêlos de seu corpo se arrepiaram quando o olhar intenso do homem a atravessou.

- Há homens lá fora.

Disse apenas, mas foi o suficiente para que o investigador tbem entrasse em estado de alerta. Se sentou ignorando seu corpo pesado pelo sono e dolorido por ter dormido em um sofá duro e velho, as madeiras que sustentavam o móvel não eram mais escondidas pela espuma, isso causou lhe causou certa dor. Direcionou seu olhar para a mulher a sua frente que parecia espantada com a insistência dos homens na porta, seu olhar denunciava seu espanto. Ela não confiava completamente nele, aprendeu a não confiar em ninguém. Bertiolli logo se levantou, preparando-se para abrir a porta que insistentemente era ocupada por homens que queriam entrar. Quem quer que fosse não desistiria fácil. Além do mais, não poderia deixar suspeitas serem levantadas a seu respeito, precisava mostrar que não estava com as garotas. Um plano B havia se formado em seu mente, caso os homens atrás da porta escolhessem usar a violência.

- Vá com a sua irmã para o banheiro.- Sussurrou.- Aguardem o meu comando!

Júlia apenas balançou a cabeça positivamente e correu para o quarto, acordando sua irmã e fazendo o que ele lhe pediu. Não lhe restavam alternativas a não ser confiar nele e esperar que não fossem descobertas, ou que Bertiolli estivesse do lado de seu atual pior inimigo: Enzo Rafaello. Enquanto isso na sala, Bertiolli pegou a chave em cima da mesinha e abriu a a porta, dando de cara com homens fardados, aparentemente policiais. Sorriu naturalmente, expressando estar confuso, enquanto deixava a porta estreita, preparado para tudo. Um dos homens tentava inutilmente ver algo atrás da parede de músculos do investigador.

- Bom dia, policiais. Algum problema?- Perguntou Matarazzo após ver os distintivos.

- Não sei, nos diga o senhor, Investigador.

Um dos homens tentava passar uma imagem de durão, mas não passavam de três bobalhões, marionetes que estava atrás das duas por dinheiro. Recentemente Enzo havia oferecido muito disso para quem encontrasse seus dois tesouros e é claro, um cargo de honra e poder na máfia.

- Comigo está tudo bem!

- E o que está fazendo em uma casa que não é a sua? Um muquifo como este, digamos que não seja do seu nível.

Ele riu internamente com a tentativa invasiva do tal policial de tentar o intimidar. Havia fracassado.

- Eu gostei, estou pensando em comprar! É pequena, boa para um homem solitário como eu.- Tirou proveito da situação com sua piada.

- Ora, não se faça de inocente, senhor.- O policial se alterou.- Deve saber o porquê estamos aqui. Sei que deve ter visto o noticiário.

- Vi sim, é sobre as duas garotas?

Fingiu se lembrar vagamente do caso das garotas. Eles não poderia afirmar que o caso reagente estava nas mãos do investigador, apenas deduziram, pois um investigador do nível dele só poderia receber casos de altíssimo nível.

- Ainda bem que sabe o porquê estamos aqui, senhor Matarazzo.- Anunciou um dos homens, empurrando a porta e entrando sem ser convidado, seus homens logo atrás dele. Bertiolli fechou a porta.- Queremos saber como vai a investigação.

Eles começaram a observar cada detalhe do cubículo onde estava hospedado. Bertiolli suspirou cruzando os braços e olhando para o careca que o questionou. Esforçava-se para parecer o mais sincero possível.

- Investigação?- Arqueou a sobrancelha.- Não há uma investigação aqui, policial, não sei se sabem, mas aquelas garotas eram pobres, qualquer um que assista a televisão sabe que elas sequer tinham dinheiro e sua mãe não conseguiria pagar nem metade do que eu cobro para investigar.

Eles se encararam por um breve momento, o haviam acabado de escutar parecia ter sentido, no entanto, não poderiam o descartar de sua lista até que tivessem certeza de sua não-participação no caso. Matarazzo sabia que a partir do momento que fora procurado por aqueles bobalhões, ele poderia ser observado pelos homens de Enzo. Um passo em falso e tudo escorria pelo ralo.

Pelo canto de seus olhos viu quando um deles colocou uma microcâmera no velho sofá tentando disfarçar, se afastando logo em seguida e voltando sua atenção para ele. Sorriu de lado e focou seus olhos no careca, não imaginando quem seria o mais burro dos três. Ele sabia que em algum momento lidaria com gente realmente perigosa, mas agradeceu mentalmente por não ter sido está a hora.

- Bom, espero que esteja falando a verdade. Sabe o quanto a polícia se importa com o caso delas, é muito bom que elas sejam encontradas e possam colaborar conosco, nos contando quem está por trás daquela máfia.

- É claro que sei.- Piscou maldoso.- Vocês são muito bonzinhos.- Afiou-se.

- Não seja modesto.- Deu passos a frente ficando bem próximo a Matarazzo que era mais alto que o mesmo e mais forte também.- Vamos homens.

Passou por ele batendo em seu ombro e logo já estavam todos fora do apartamento, Matarazzo não sabia o que iria fazer, mas tinha que ser ágil. Suspirou sentindo seu peito apertar. Não poderia ficar sequer um minuto naquele lugar e arriscar que elas fossem vistas, só tinha uma saída para os três. Pelas garotas teria de reabrir um portal para o passado de sua vida, voltando para a casa de sua mãe, a reencontrando depois de tantos anos. Não lhe parecia uma boa ideia, mas sabia que mais cedo ou mais tarde, teria de fazer isso e não poderia mais adiar, colocando a vida das duas em perigo novamente. Fechou a porta que os homens deixaram aberta ao sair e caminhou até o sofá, pegando a minúscula câmera em sua mão, procurou por mais em outros lugares, haviam três homens e apenas um ficou conversando com ele, tentando o distrair. Conseguiu encontrar a segunda não muito distante do sofá. Agarrou-as com força e colocou dentro de um vaso vazio. Caminhou até o quarto e entrou no banheiro onde viu Janet sentada no chão assustada e ofegante, Júlia tentava a acalmar. Os olhares foram direcionados a ele assim que entrou. O que iria fazer era loucura e talvez poderia colocar mais gente em perigo, mas era necessário. Donatela não hesitaria em ajudar seu filho.

Júlia veio até ele parando em sua frente com os braços cruzados e com o olhar triste.

- Eles já saíram.- Anunciou.

- O que vamos fazer?- Perguntou sem esperanças.

- Nós vamos sair daqui imediatamente.- Respondeu o óbvio.- De onde vieram estes, poderão vir mais.

- Ok, mas para onde vamos?

Ele sorriu fracamente. Sua mão quase que instantaneamente levantou-se para tocar o rosto da garota, mas o homem hesitou, abstendo-se na metade do caminho.

- Logo vão saber.- Encarou Janet por um instante, ela estava mais calma.- Tomem um banho, comprei roupas para vocês quando saí ontem. Vou deixar na cama.

Júlia assentiu, voltando-se para sua irmã e a ajudando a se levantar, Janet estava levemente traumatizada pelo que viu as mulheres sofrerem naquele lugar e tinha medo de ser novamente capturada, pois sabia que dessa vez, não só veria mulheres passando pela pior situação, mas seria uma delas, nada mais a faria ficar livre. Seria como um castigo de Enzo para sua irmã.

Júlia a levou até a cama e a sentou ali, logo Matarazzo voltou da sala com algumas sacolas. Dentro haviam dois vestidos, roupas íntimas, toalhas e tudo o que precisavam para tomar um bom banho. Júlia olhou tudo aquilo se lembrando da última vez em que colocou uma roupa nova em seu corpo. Uma vez a cada dois anos, pois sua mãe alternava entre os aniversários se suas duas filhas. Depois que foram capturadas, ela passou a usar roupas curtas e extremamente sensuais. Quando não era abusada sexualmente pelo chefe, vestia uma calça rasgada e uma camiseta desgastada que provavelmente devia ter sido de alguém que já havia morrido nas mãos daqueles homens cruéis. Banho era apenas quando eles estavam de bom humor, ou quando Enzo estava presente. As outras garotas poderiam tomar seus banhos antes das noites de terror começarem.

Um sentimento bom a invadiu quando abriu as sacolas e viu os vestidos, shampoo e tantas outras coisas para se sentirem realmente limpas. Júlia se sentia grata. Uma pontada de confiança no homem involuntariamente apareceu em seu coração, ela sorriu. Bertiolli tentou não encarar seus dentes expostos, desviou o olhar para as roupas nas mãos dela.

- Vistam isso.

- Está bem.- Ele se virou para sair do quarto.- Ei.- chamou-o.- Esses vestidos agora... São nossos?

Ele soltou o ar pesadamente. Por quantas coisas ruins aquela menina passou? Será que não haviam sequer roupas para a vestir? Bertiolli tentou não pensar na origem de sua pergunta e apenas sorriu para a confortar.

- É claro, de qualquer maneira, eles não caberiam em mim!

As irmãs sorriram com a piada que Bertiolli soltou para descontrair e uma imagem dele com um vestido como aquele passou pela cabeça da mais velha.

- Obrigada.

Júlia se virou para a irmã e a ajudou a se direcionar até o banheiro. Janet ainda estava um pouco abalada e precisava de um momento para se acalmar. Enquanto a irmã tomava banho, Júlia olhava pela janela as ruas paradas de algum lugar da Itália. Suspirou sentindo seu peito arder, ela não estava nem um pouco perto de sua mãe, não sabia nem se a mesma estava sob segurança ou perigo. Pensou na hipótese de o câncer ter a levado deste mundo. Bufou, depois de algum tempo pensando, Janet saiu do banheiro e então foi sua vez de tomar um banho, finalmente. Despiu-se e entrou debaixo do chuveiro, sentindo a água morna descer sobre seu corpo, ela finalmente estava tomando um banho de verdade, não era como os três anos em que ficou no cativeiro, era como em sua casa. Nem quando cortaram a energia por duas vezes, ela foi capaz de não desfrutar de um bom banho, Júlia amava a água.

Depois de algum tempo, saiu do chuveiro e procurou por sua roupa, se lembrando que ela não estava no banheiro, pois não havia a trazido. Suspirou se olhando no espelho e vendo uma menina abatida e mais magra do que costumava ser, com seus cabelos molhados e a pele lisa. As olheiras mostravam que já não dormia muito bem a algum tempo. Afastou aqueles pensamentos e caminhou em direção a porta, abrindo no mesmo instante em que a porta do quarto foi aberta, revelando um Bertiolli apressado.

Assim que seu olhar bateu na menina encolhida e com um olhar de pavor, enrolada em uma toalha, ele virou seu rosto e saiu dali imediatamente, sem dizer uma só palavra. Júlia suspirou aliviada e caminhou até a cama, onde sua roupa estava. Não estava acostumada com o respeito e portanto não o esperava de Bertiolli, mas se sentiu grata quando o recebeu. Se vestiu e penteou seus cabelos, deixando-os soltos para secar naturalmente, em seguida se direcionou até a porta abrindo e andando até a sala, onde Janet estava sentada conversando com Bertiolli.

Assim que a mais nova a viu sorriu, fazendo também a atenção do homem se voltar para ela. Ele a analisou de cima a baixo surpreso com a mudança, antes estava suja de sangue e sujeira e com os cabelos desgrenhados por haver fugido do cativeiro, mas agora, estava espetacularmente mais linda. Júlia abraçou a si mesma se retesando pelo olhar do homem sobre ela, repudiava qualquer olhar masculino sobre si. Caminhou até sua irmã e se sentou ao lado dela. Ele percebeu a negativa da garota em relação ao seu olhar involuntário e conteve-se.

- Iremos à casa de minha mãe.- Revelou.- Ela mora em outra cidade, lá é mais quente que aqui, provavelmente vocês vão se familiarizar e eu... Me acostumar.- Sorriu.- Nunca gostei muito do calor.

- E por que não podemos ficar aqui?- Perguntou Janet.

- Aqui é muito perigoso para vocês duas. Provavelmente policiais de dois países estão atrás de vocês.

- Isso é bom!- Janet afirmou.- Policiais não fazem mal.

Bertiolli se manteve em silêncio por alguns segundos, percebendo então que Júlia decidiu deixar a menina alheia ao que sabia, como se a protegesse de sua maneira, mantendo sua inocência. A mais velha tratou de explicar para a irmã:

- Janet, pessoas da máfia podem estar infiltradas na polícia. Se formos encontradas poderemos morrer ou até pior, que é voltar para aquele lugar.

- Não, isso eu não quero!

- Isso não vai acontecer, mas as duas tem que confiar em mim.- Se levantou.- Temos que sair o mais rápido possível daqui.

Elas se levantaram em seguida e Matarazzo lhes deu casacos com capuz para cada uma vestir e sairam da casa de cabeças baixas. Bertiolli colocou seu óculos escuros enquanto caminhavam em direção ao carro, ele as orientou a ficar sempre de cabeça abaixada para não serem filmadas pelas câmeras de segurança da rua e assim o fizeram. Logo entraram no carro e Bertiolli deu partida, antes de tomar uma atitude tinha que falar com as meninass sobre um assunto que elas provavelmente tinham opiniões válidas.

- Estou pensando em chamar aquele meu amigo para me ajudar.

- Aquele da lanchonete?- Perguntou Júlia.

- Eu não confio nele.- Janet fez uma expressão de medo

- Nem eu.

Encarou parte de seus rostos pelo retrovisor brevemente. Elas provavelmente não confiavam em seu amigo por ele ter uma expressão extremamente seria, mas tinha que perguntar antes de o chamar, afinal era a segurança delas. Ele também queria ter sua confiança, por isso deixou-as decidir. Se elas não confiavam nele então não iria o chamar para o ajudar neste caso onde teria que as proteger até o fim. Parou em um sinal vermelho, olhando para os lados e atrás, se certificando de que não estava sendo seguido, viu um carro preto, mas assim que o sinal abriu e Bertiolli acelerou, eles tomaram rumos diferentes.

- Então vamos ser apenas nos três e minha mãe.- concluiu.

- O que disse?- Júlia perguntou.

- Não vou chamá-lo para me ajudar. Ficaremos apenas minha mãe, vocês e eu nesta história.

- Não quero colocar sua mãe em perigo.

Olharam-se brevemente pelo retrovisor do carro e Bertiolli sorriu mostrando suas encantadoras covinhas.

- Não te contei algumas coisas sobre minha mãe.- Fez uma pequena pausa.- Ela é ex policial e investigadora, agora está aposentada, mas sempre faz serviços extras para as autoridades italianas. Acredite, Júlia. Lá vocês estarão em total segurança.

Júlia olhou pela janela enquanto sua irmã já estava quase pegando no sono e se sentiu segura, pela primeira vez em sua vida depois de anos estava se sentindo assim. Voltou a encará-lo através do retrovisor recebendo seu olhar, sorriu para ele e voltou sua atenção a janela do carro.

            
            

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