Capítulo 2 Ecos do Passado

O sol da manhã se filtrava preguiçosamente pelas frestas da persiana do quarto onde Maria dormira - o antigo quarto da casa de sua avó, agora reformado com novos móveis, mas ainda impregnado do aroma doce das madeiras antigas e dos jasmins que floresciam na janela.

Ela despertou lentamente, espreguiçando-se entre os lençóis macios, enquanto as imagens da noite anterior invadiam sua mente: João, o sorriso dele, a ponte iluminada pelo luar... e a promessa que fizera.

Uma parte dela queria acreditar que aquilo era apenas nostalgia. Outra - mais profunda, mais verdadeira - sabia que o que sentira naquelas horas havia reacendido algo que nunca morrera.

Vestiu uma blusa de lã azul e jeans confortáveis, prendeu o cabelo num rabo de cavalo desleixado, e desceu as escadas.

Sua avó, Dona Iolanda, estava na cozinha, cantarolando enquanto preparava bolinhos de chuva.

- Dormiu bem, minha filha? - perguntou com a voz doce e o olhar sagaz de quem sabia mais do que dizia.

- Dormi... melhor do que esperava - respondeu Maria, roubando um bolinho ainda quente e queimando a língua em seguida.

A avó soltou uma risadinha.

- Eu disse que voltar seria bom pra você.

Maria sorriu de lado, sem coragem de admitir que talvez Dona Iolanda estivesse certa.

Depois do café, ela saiu para caminhar pela cidade.

As ruas fervilhavam de vida: crianças enfeitavam as janelas com bandeirinhas, homens armavam tendas para o segundo dia do festival, e a praça central estava ainda mais vibrante.

Enquanto caminhava, Maria tentava organizar seus sentimentos, mas era difícil ignorar o turbilhão que João provocara em seu peito.

Quando passou pela cafeteria, ouviu seu nome ser chamado.

- Maria! - era Clara, a irmã mais nova de João, que agora comandava a cafeteria da família.

As duas se abraçaram com força, rindo e se emocionando ao mesmo tempo. Clara estava mais alta, mais confiante - uma mulher feita, mas ainda com o sorriso travesso da adolescência.

- Que bom te ver de novo! - Clara exclamou. - João me disse que vocês se encontraram ontem.

O calor subiu às bochechas de Maria.

- Sim... foi inesperado - ela admitiu.

- Ele ficou feliz, sabia? - Clara piscou para ela, servindo um café para si mesma. - Nunca foi o mesmo depois que você foi embora.

Maria ficou em silêncio, mexendo distraidamente no guardanapo sobre a mesa.

- Hoje vai ter a dança das lanternas, lembra? - Clara disse, animada. - João vai participar.

A dança das lanternas era uma tradição antiga: casais dançavam sob centenas de lanternas acesas, e, segundo a lenda local, aqueles que dançassem juntos naquela noite seriam ligados para sempre.

Maria engoliu em seco.

- Não sei se devo ir... - murmurou.

Clara riu, um riso leve e cúmplice.

- Às vezes, a gente não precisa pensar tanto. Só sentir.

Mais tarde, ao entardecer, Maria se viu parada em frente ao espelho, tentando escolher uma roupa.

Queria algo simples, mas bonito. Algo que dissesse "não me importo" e, ao mesmo tempo, "estou aqui por você".

Escolheu um vestido de algodão creme, com mangas compridas rendadas, que rodava suavemente ao girar.

Soltou os cabelos, deixando-os caírem em ondas naturais sobre os ombros.

Quando chegou à praça, as lanternas já começavam a ser acesas, enchendo o céu de pequenos sóis dourados.

O coração dela martelava no peito.

E então, entre as luzes, ela o viu.

João estava lindo de uma maneira simples e devastadora: camisa branca, calça jeans escura, botas de couro gastas.

Ele a viu também - e o sorriso lento que se formou em seu rosto fez Maria esquecer como se respirava.

Sem hesitar, ele atravessou a multidão até ela.

- Estava esperando por você - disse, a voz rouca.

- Achei que... talvez fosse melhor não vir - ela respondeu, nervosa.

- Ainda bem que veio.

João estendeu a mão para ela, a palma aberta, a promessa silenciosa.

Por um instante, Maria ficou congelada. Parte dela queria recuar, fugir de tudo o que aquele gesto significava.

Mas outra parte - mais forte, mais viva - deu um passo à frente e colocou sua mão na dele.

Os dedos dele fecharam-se ao redor dos seus com tanta delicadeza que Maria sentiu os olhos arderem.

Sem uma palavra, ele a conduziu até o centro da praça.

A música começou: uma valsa lenta, antiga, cheia de melancolia e esperança.

Eles começaram a dançar.

Os movimentos eram desajeitados no início, mas logo seus corpos encontraram o ritmo antigo, como se jamais tivessem se separado.

Maria sentiu a mão firme de João em sua cintura, o calor do toque dele através do tecido leve do vestido, a respiração dele tocando seus cabelos.

E naquele instante, sob as lanternas douradas, o tempo desapareceu.

Não havia mais mágoa, nem distância, nem promessas quebradas.

Havia apenas eles.

Conforme a música avançava, Maria fechou os olhos e encostou a testa no ombro de João.

Ele sussurrou contra sua orelha:

- Senti sua falta todos esses anos.

As lágrimas vieram sem aviso, quentes e silenciosas.

- Eu também senti a sua - ela respondeu, a voz embargada.

Ele afastou-se apenas o suficiente para olhar em seus olhos.

- Maria... - sussurrou, como se o nome dela fosse sagrado.

Ela sorriu entre lágrimas.

- João...

E então, sem pressa, sem medo, ele se inclinou e a beijou.

O beijo foi suave no início, um roçar tímido de lábios que carregava o peso de uma década de saudade.

Depois, se aprofundou, como se ambos precisassem provar que estavam ali, que eram reais, que ainda pertenciam um ao outro.

A praça inteira desapareceu.

Só havia o calor, o toque, o som de seus corações batendo no mesmo compasso.

Quando se separaram, estavam sem fôlego, mas sorrindo como dois adolescentes apaixonados.

João encostou a testa na dela.

- Eu nunca deixei de te amar, Maria.

Ela sorriu, sentindo como se enfim tivesse encontrado seu lugar no mundo.

- E eu nunca deixei de esperar por você.

A noite prosseguiu em meio a músicas, risos e promessas silenciosas.

Quando João a levou para casa, pararam em frente ao portão de madeira da casa da avó dela.

O céu estava coalhado de estrelas.

- Me promete uma coisa? - ele disse, a voz baixa.

- Qualquer coisa - ela respondeu, sem hesitar.

- Que dessa vez... a gente vai escrever nossa história direito.

Maria olhou para ele, o coração transbordando.

- Eu prometo.

E então, sob o céu de outono, selaram mais uma vez a promessa que, dessa vez, juraram não quebrar.

            
            

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