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O outono avançava preguiçoso pela pequena cidade, tingindo o mundo de tons dourados e avermelhados. As folhas caíam em redemoinhos silenciosos, cobrindo as calçadas como um tapete vivo. As manhãs tornaram-se mais frias, e o aroma de café fresco e madeira queimando dominava o ar.
Para João e Maria, os dias seguintes foram uma dança delicada entre reencontros e descobertas.
Havia uma naturalidade entre eles que parecia resistir ao tempo. Caminhavam pela cidade de mãos dadas, como se a ausência de anos pudesse ser apagada pela intensidade de agora. Cada olhar trocado carregava ternura; cada toque, um reencontro silencioso.
Mas, sob a superfície dos sorrisos e dos beijos roubados, começavam a surgir pequenas rachaduras.
Uma manhã na cafeteria da Clara, enquanto João terminava de ajustar a nova decoração, Maria chegou com uma pasta de couro nas mãos e olhos preocupados.
- João, preciso conversar com você - disse, séria.
Ele se virou, limpando as mãos num pano e sorrindo.
- Aconteceu alguma coisa?
Ela mordeu o lábio inferior, hesitante.
- É sobre meu trabalho.
João pousou o pano sobre o balcão e cruzou os braços, atento.
- Eu recebi uma proposta - disse Maria, puxando um folheto dobrado da pasta.
Era um convite para coordenar um projeto cultural em outra cidade - uma cidade grande, vibrante, cheia de possibilidades.
João leu o papel em silêncio.
O coração dele afundou.
- Você vai aceitar? - perguntou, tentando soar neutro.
Maria hesitou, os olhos brilhando de dúvidas.
- Não sei. Eu... não esperava sentir o que estou sentindo aqui de novo. Não esperava encontrar você. Mas... é a minha carreira, João. Eu trabalhei tanto pra chegar até aqui.
O silêncio que se seguiu pesou entre eles.
João se aproximou devagar, tomando as mãos dela nas suas.
- Eu entendo - disse ele, com uma calma que lhe custou a alma.
Maria olhou para ele, confusa e emocionada.
- Mas e nós? - perguntou, a voz tremendo.
João passou o polegar sobre os nós dos dedos dela.
- Nós... somos fortes o suficiente para sobreviver, Maria. Seja qual for a sua decisão.
Ela engoliu em seco, sentindo as lágrimas ameaçarem.
- E se minha decisão me levar para longe?
Ele sorriu triste.
- Então vou ter que aprender a amar você à distância.
Nos dias que se seguiram, Maria se dividiu entre momentos de felicidade intensa ao lado de João e a angústia de uma decisão que poderia mudar suas vidas para sempre.
Passeios pelos campos floridos, tardes preguiçosas à beira do rio, noites dançando sob as estrelas - cada instante era uma lembrança sendo construída e, paradoxalmente, uma despedida silenciosa.
João, por sua vez, tentava esconder seu medo.
Sabia que pedir para ela ficar seria egoísta.
Sabia que o amor verdadeiro era, acima de tudo, liberdade.
Mas cada sorriso dela, cada beijo trocado ao entardecer, cada sussurro de "eu te amo" fazia o peso da possível perda tornar-se quase insuportável.
Numa tarde de chuva, decidiram se refugiar na antiga estufa abandonada da escola onde estudaram na infância.
As gotículas escorriam pelos vidros quebrados, criando trilhas líquidas sobre as folhas verdes.
Sentaram-se sobre uma manta improvisada, rodeados pelo cheiro fresco de terra molhada e flores silvestres.
João acariciava distraidamente a mão de Maria, os olhos perdidos na dança da chuva.
- Lembra de quando a gente vinha aqui pra escapar das aulas de matemática? - ele disse, sorrindo.
Maria riu, o som leve contrastando com o peso em seu peito.
- A gente jurava que estava enganando todo mundo.
João virou-se para encará-la.
- A gente era só duas crianças tentando achar um lugar onde o mundo não pudesse nos alcançar.
Maria encarou os olhos castanhos dele, tão cheios de amor e saudade.
- Talvez a gente ainda seja.
Ele sorriu triste.
- Talvez.
O silêncio se instalou entre eles, mas não era desconfortável. Era pesado. Cheio de coisas não ditas.
Finalmente, Maria falou:
- Eu não sei se consigo ir embora de novo, João.
Ele segurou o rosto dela entre as mãos.
- Então fique.
Ela fechou os olhos, deixando uma lágrima escorrer.
- E minha carreira? Meus sonhos?
João beijou sua testa com uma ternura infinita.
- Eu não quero ser o homem que impede você de voar. Quero ser aquele que torce por você, onde quer que esteja.
Maria abriu os olhos, encontrando nos dele a resposta que sempre buscara: amor incondicional.
Ela sorriu, mesmo com o coração partido.
- Eu te amo tanto que dói.
João sorriu de volta.
- Então estamos empatados.
No final daquela tarde, eles caminharam sob a chuva fraca até a praça, onde as lanternas ainda balançavam no vento.
Sem palavras, apenas de mãos dadas, sabiam que estavam vivendo um dos últimos momentos antes da decisão final.
Era como um adeus disfarçado de promessa.
Cada passo, cada suspiro, cada olhar parecia uma fotografia gravada na alma.
Naquela noite, Maria escreveu uma carta.
Sentada na varanda da casa da avó, com a caneta tremendo entre os dedos, ela derramou tudo o que sentia no papel.
Falou do amor, da saudade, dos sonhos, dos medos.
Falou de como João era seu lar - mas também de como precisava descobrir quem ela era fora daquele amor.
Dobrou a carta com cuidado, beijou o envelope e o deixou sobre a mesa do quarto.
Amanhã, daria a resposta que mudaria tudo.
E enquanto as estrelas se apagavam no céu, uma decisão era costurada com lágrimas e esperança.
Porque, às vezes, amar é deixar ir.
E, às vezes, amar é encontrar um jeito de ficar - mesmo quando tudo parece querer separar.