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A manhã amanheceu fria e enevoada. A cidade parecia envolta num véu de incerteza, como se até o céu soubesse da decisão que pairava sobre João e Maria.
Na casa da avó, Maria despertou antes do sol nascer. A carta ainda repousava sobre a mesa, como um peso físico em seu peito. Ela a encarou, o coração martelando nas costelas.
Lentamente, se vestiu - uma roupa simples, uma blusa de lã azul, jeans surrados, botas confortáveis. Como se preparar para o adeus pudesse ser feito com qualquer roupa.
Pegou a carta com mãos trêmulas e saiu em direção à cafeteria.
João estava lá, limpando as mesas, preparando o ambiente para mais um dia.
Mas seu sorriso habitual não apareceu quando viu Maria entrar.
Algo no olhar dela denunciava que aquele não era um encontro comum.
Ela se aproximou em silêncio e entregou a carta.
João olhou para o envelope, como se segurasse dinamite.
- Leia - sussurrou Maria.
Com os dedos nervosos, ele abriu o papel dobrado e começou a ler. Cada linha era como uma punhalada e um abraço ao mesmo tempo.
"João,
Eu te amo mais do que imaginei ser capaz.
Mas, às vezes, o amor não é suficiente para impedir que precisemos crescer, mudar, encontrar nossos próprios caminhos.
Preciso aceitar essa oportunidade. Preciso descobrir quem sou sem medo.
E, ainda assim, você sempre será a parte mais bonita da minha história.
Se um dia nossos caminhos se cruzarem novamente, quero que saiba: jamais deixei de te amar.
Maria."
João abaixou o papel, os olhos marejados.
Maria tentou sorrir, mas falhou.
- Eu preciso ir - disse, com a voz embargada.
João respirou fundo, lutando contra a dor que o rasgava por dentro.
- Eu sei.
Sem mais palavras, ele a puxou para um abraço desesperado.
Ali, entre prateleiras de bolos e xícaras, eles se despiram de todas as máscaras, e apenas amaram - em silêncio, em lágrimas, em respirações entrecortadas.
Quando se separaram, Maria passou a mão no rosto de João, decorando cada traço.
- Você foi meu lar - sussurrou.
- E você foi minha coragem - respondeu ele.
E então ela se virou e foi embora, sem olhar para trás.
João ficou ali, imóvel, sentindo a alma se despedaçar junto com cada passo que a afastava dele.
Semanas se passaram.
O mundo continuava seu curso indiferente à dor de João.
As folhas caíram por completo. O inverno se insinuava no vento cortante.
E a cafeteria, antes cheia de música e risos, agora parecia um quadro silencioso.
João se jogou no trabalho. Pintou as paredes. Reformou o jardim. Tentou preencher o vazio que Maria deixara.
À noite, sozinho em casa, ele relia a carta até as palavras desaparecerem atrás das lágrimas.
Algumas vezes, pensava em correr atrás dela. Pedir que ficasse.
Mas a lembrança do sorriso dela, da coragem nos olhos dela, o impedia.
Amar era deixar voar.
Amar era torcer, mesmo à distância.
Em outra cidade, Maria também lutava.
O trabalho era intenso. Novos amigos, novas responsabilidades.
Mas nada preenchia o vazio que João deixara.
Cada conquista parecia sem cor.
Cada nova paisagem era comparada, involuntariamente, às ruas antigas da pequena cidade.
Às vezes, no meio da correria, ela parava - e ouvia o riso dele ecoando em sua memória.
Ela sentia saudade até das coisas mais banais:
- A forma como ele ajeitava o cabelo.
- O jeito como chamava "pequena" com carinho.
- As tardes preguiçosas lendo livros na cafeteria.
E foi assim, na solidão de um apartamento moderno e frio, que Maria percebeu:
sucesso sem amor era apenas uma casca vazia.
Em uma tarde de dezembro, o telefone de João tocou.
Era Clara, animada.
- João! Maria publicou um livro!
Ele parou o que fazia.
- Um livro?
- Sim! Sobre reencontros, saudades, amor à distância... - Clara fez uma pausa. - Parece a história de vocês.
O coração de João apertou.
Naquela noite, sozinho, ele procurou o livro online.
Comprou uma cópia.
Quando chegou, abriu o pacote com mãos ansiosas.
Na primeira página, uma dedicatória:
"Para aquele que me ensinou que o amor verdadeiro nunca prende, apenas liberta."
João fechou os olhos.
E entendeu que, mesmo longe, eles ainda estavam conectados.
Meses passaram.
Primavera retornou, pintando o mundo de verde e esperança.
João continuou sua vida, mais forte, mais maduro.
Maria também.
Mas o destino - ah, o destino - às vezes é silencioso e teimoso como a semente que brota entre pedras.
Numa tarde de domingo, João caminhava pela praça.
O som de música ao vivo flutuava no ar. Uma feira de artesanato tomava conta do local.
Ao virar uma esquina, parou abruptamente.
Ali, entre tendas coloridas, estava Maria.
De jeans simples, camiseta branca e uma câmera pendurada no pescoço.
Ela o viu.
Por um segundo, o mundo parou.
As pessoas continuaram andando, as crianças riam, o vento soprava - mas para eles, tudo ficou suspenso.
Maria sorriu, tímida.
João retribuiu, o coração acelerado.
Sem pensar, ambos se aproximaram.
Sem pressa.
Sem medo.
Sem a necessidade de palavras.
Quando finalmente ficaram frente a frente, Maria sussurrou:
- Voltei para casa.
João sorriu, os olhos marejados.
- Eu nunca saí daqui - disse.
Ela estendeu a mão.
Ele segurou.
E juntos, sob o céu limpo da primavera, recomeçaram.
Porque o verdadeiro amor não é sobre prender ou forçar.
É sobre encontrar o caminho de volta - mesmo depois de se perder.