Capítulo 4 Corações em Conflito

O som das chaves destrancando a porta da cobertura se misturava ao cheiro de macarrão ao molho branco. Maria sempre sabia o que preparar nas noites em que Serena precisava de conforto.

Ela entrou, deixou a bolsa no sofá e foi direto até a cozinha, onde encontrou Amoris pintando sobre a bancada e Aruna sentada no chão com um fone de ouvido e um livro aberto no colo.

- Minhas artistas favoritas - disse Serena, se inclinando para beijar a testa de Amoris.

- Como foi sua reunião, mamãe? - perguntou a pequena, sem parar de pintar.

- Foi... desafiadora - respondeu Serena com um sorriso discreto.

Aruna tirou os fones, ergueu os olhos verdes idênticos aos da mãe e se levantou, indo até ela. Serena a abraçou com força.

- Vocês duas são o motivo pelo qual tudo vale a pena - murmurou, sentindo o coração aquecer. - Nunca se esqueçam disso.

- A gente sabe, mãe. Você fala isso todo dia... mas eu gosto de ouvir - disse Aruna com um sorriso tímido.

- E eu também! Principalmente quando você tá cheirando a perfume chique - brincou Amoris, encostando o nariz no pescoço da mãe.

O momento foi interrompido pelo toque do interfone.

Maria atendeu. A voz do porteiro soou abafada:

- Sra. Navarro, temos dois visitantes solicitando entrada. Um senhor Alexandre Duran e o outro... Júlio Albuquerque.

Serena congelou. Aruna arregalou os olhos. Maria olhou para a patroa, esperando instruções.

- Não... - Serena disse baixo. Depois respirou fundo. - Diga que eu desço para encontrá-los no saguão.

- Mãe... eles vieram mesmo? - perguntou Aruna, com um tom que misturava esperança e receio.

Serena se abaixou e segurou o rosto da filha com as duas mãos.

- Escuta, meu amor... vocês sempre foram livres para amar seus pais, e sempre serão. Mas o que eles escolheram... foi se ausentar. Não fui eu. Entendeu?

Aruna assentiu, os olhos marejados.

- Eu entendo. Mas... será que eles vieram porque querem mudar isso?

Serena olhou para Amoris, que mordia o lábio inferior, visivelmente inquieta.

Ela beijou as duas, uma em cada lado do rosto.

- O amor de vocês é inteiro, e o meu também. Nada muda isso. Agora fiquem com a Maria, tá bom? Eu volto logo.

---

Serena desceu com passos firmes. Ao vê-los, foi como uma colisão de dois mundos: o passado ferido e o presente blindado.

Alexandre estava elegante, mas mais abatido. Júlio, como sempre, com os olhos famintos por controle.

- O que querem aqui? - ela perguntou, sem rodeios.

- Ver nossas filhas - disse Alexandre, calmo.

- Recuperar o que é nosso - completou Júlio.

- Elas não são nossas. Elas são delas. E vocês perderam o direito de aparecer sem avisar como se ainda convivesse com elas - disse Serena, firme, mas sem elevar a voz.

Júlio sorriu com arrogância. Alexandre desviou o olhar, mas sua presença ali falava por si só: ele queria recuperar mais que a filha.

- Isso não vai acabar aqui - murmurou Júlio, antes de se virar.

- Eu sei - Serena respondeu. - E estou pronta.

---

Enquanto subia de volta, a mente de Serena estava em ebulição. Mas ao entrar no apartamento e ver as filhas rindo com Maria na sala, tudo fez sentido de novo.

Ela sentou-se entre as duas, puxando-as para um abraço apertado.

- Eu amo vocês mais do que qualquer história que já vivi. E a partir de agora, a gente escreve a nossa, juntas.

Aruna encostou a cabeça no ombro da mãe. Amoris segurou sua mão.

E naquele momento, Serena soube: podia ter Jaimes à espreita, Júlio tentando controlar, Alexandre tentando voltar...

Mas nada nem ninguém a tiraria do que realmente importava.

            
            

COPYRIGHT(©) 2022