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O som das chaves destrancando a porta da cobertura se misturava ao cheiro de macarrão ao molho branco. Maria sempre sabia o que preparar nas noites em que Serena precisava de conforto.
Ela entrou, deixou a bolsa no sofá e foi direto até a cozinha, onde encontrou Amoris pintando sobre a bancada e Aruna sentada no chão com um fone de ouvido e um livro aberto no colo.
- Minhas artistas favoritas - disse Serena, se inclinando para beijar a testa de Amoris.
- Como foi sua reunião, mamãe? - perguntou a pequena, sem parar de pintar.
- Foi... desafiadora - respondeu Serena com um sorriso discreto.
Aruna tirou os fones, ergueu os olhos verdes idênticos aos da mãe e se levantou, indo até ela. Serena a abraçou com força.
- Vocês duas são o motivo pelo qual tudo vale a pena - murmurou, sentindo o coração aquecer. - Nunca se esqueçam disso.
- A gente sabe, mãe. Você fala isso todo dia... mas eu gosto de ouvir - disse Aruna com um sorriso tímido.
- E eu também! Principalmente quando você tá cheirando a perfume chique - brincou Amoris, encostando o nariz no pescoço da mãe.
O momento foi interrompido pelo toque do interfone.
Maria atendeu. A voz do porteiro soou abafada:
- Sra. Navarro, temos dois visitantes solicitando entrada. Um senhor Alexandre Duran e o outro... Júlio Albuquerque.
Serena congelou. Aruna arregalou os olhos. Maria olhou para a patroa, esperando instruções.
- Não... - Serena disse baixo. Depois respirou fundo. - Diga que eu desço para encontrá-los no saguão.
- Mãe... eles vieram mesmo? - perguntou Aruna, com um tom que misturava esperança e receio.
Serena se abaixou e segurou o rosto da filha com as duas mãos.
- Escuta, meu amor... vocês sempre foram livres para amar seus pais, e sempre serão. Mas o que eles escolheram... foi se ausentar. Não fui eu. Entendeu?
Aruna assentiu, os olhos marejados.
- Eu entendo. Mas... será que eles vieram porque querem mudar isso?
Serena olhou para Amoris, que mordia o lábio inferior, visivelmente inquieta.
Ela beijou as duas, uma em cada lado do rosto.
- O amor de vocês é inteiro, e o meu também. Nada muda isso. Agora fiquem com a Maria, tá bom? Eu volto logo.
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Serena desceu com passos firmes. Ao vê-los, foi como uma colisão de dois mundos: o passado ferido e o presente blindado.
Alexandre estava elegante, mas mais abatido. Júlio, como sempre, com os olhos famintos por controle.
- O que querem aqui? - ela perguntou, sem rodeios.
- Ver nossas filhas - disse Alexandre, calmo.
- Recuperar o que é nosso - completou Júlio.
- Elas não são nossas. Elas são delas. E vocês perderam o direito de aparecer sem avisar como se ainda convivesse com elas - disse Serena, firme, mas sem elevar a voz.
Júlio sorriu com arrogância. Alexandre desviou o olhar, mas sua presença ali falava por si só: ele queria recuperar mais que a filha.
- Isso não vai acabar aqui - murmurou Júlio, antes de se virar.
- Eu sei - Serena respondeu. - E estou pronta.
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Enquanto subia de volta, a mente de Serena estava em ebulição. Mas ao entrar no apartamento e ver as filhas rindo com Maria na sala, tudo fez sentido de novo.
Ela sentou-se entre as duas, puxando-as para um abraço apertado.
- Eu amo vocês mais do que qualquer história que já vivi. E a partir de agora, a gente escreve a nossa, juntas.
Aruna encostou a cabeça no ombro da mãe. Amoris segurou sua mão.
E naquele momento, Serena soube: podia ter Jaimes à espreita, Júlio tentando controlar, Alexandre tentando voltar...
Mas nada nem ninguém a tiraria do que realmente importava.