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Cancelado por mau tempo.
Essas três palavras pareciam repetir em um looping irritante na boca da jovem concierge da FBO Jet Aviation, enquanto tentava explicar com paciência forçada a Lorenzo por que o nosso voo para Roma não decolaria naquela manhã. Eu observei a cena de longe, sentada confortavelmente em uma poltrona de couro italiano no lounge exclusivo do Teterboro Airport. Um dos únicos lugares nos Estados Unidos onde você poderia estar cercada de bilionários, líderes políticos e criminosos internacionais e ainda assim ser invisível, contanto que pagasse bem o suficiente.
Lorenzo, com sua impaciência característica, perdeu o controle. Ele apontava o dedo, o cenho franzido, e falava com um tom que só não era mais agressivo porque eu ainda estava sentada, assistindo.
- A senhorita Piromalli precisa estar em Roma hoje. Não amanhã. Hoje. - Seu sotaque napolitano soava como uma ameaça. -Dê um jeito.
A jovem, com seu uniforme imaculado e um broche dourado com o nome "Amanda Benson", manteve a postura. Digna de respeito.
- Senhor, entendo a urgência, mas o aeroporto não está liberando nenhuma decolagem. Relâmpagos ativos, ventos cortantes e visibilidade mínima. As ordens da torre são claras: nenhuma aeronave decola ou pousa até segunda ordem. Infelizmente, não controlamos o tempo.
A voz dela era doce, quase didática, mas Amanda ainda não sabia com quem estava lidando.
Cruzei as pernas e dei um gole na água mineral francesa, apreciando a ironia. Os céus tinham que fechar justo quando eu mais precisava que se abrissem. Havia mais em jogo do que minha presença em Roma. Era a minha vida. A do meu filho. E a guerra que eu mesma comecei.
Amanda então voltou os olhos para mim. Eu não estava distante, mas o suficiente para observá-la vacilar um pouco. Aproximou-se com cautela e sorriu com a elegância de quem foi treinada para lidar com príncipes e ditadores.
- Senhora Piromalli, se desejar, posso providenciar uma escolta armada até o hotel mais próximo. O The EnVue está com uma suíte presidencial disponível. Discreta, confortável. Uma excelente opção até que o tempo melhore.
A maneira como ela disse "senhora" após ver meu olhar me arrancou um sorriso leve.
- Primeiro, Amanda Benson, o correto é senhorita. - Cruzei os braços. - Segundo, olhe ao seu redor e me diga se eu realmente precisaria da escolta armada que você está oferecendo.
Ela girou lentamente o pescoço. O lounge não estava vazio. Havia diplomatas, estrelas do cinema e da música, empresários milionários com seus relógios reluzentes e olhares entediados. Mas também havia algo mais.
Homens de terno preto, gravata vermelha, espalhados pelos cantos, andando de forma aparentemente aleatória, como se fossem parte do ambiente. Mas Amanda percebeu. Nenhum deles usava broche de identificação. Nenhum deles interagia com os atendentes. E todos, em algum momento, já haviam me olhado discretamente.
- Entendi. - Ela sussurrou. - Perdão pela sugestão.
Assenti com leveza.
- Terceiro... Eu não vou precisar do hotel. - Inclinei o corpo levemente para frente. - Porque irei para Roma hoje.
Amanda tentou insistir, mas foi interrompida por um trovão que estremeceu as janelas espelhadas do FBO. As luzes do lounge oscilaram levemente. A tempestade lá fora era séria. Mas não mais do que os meus motivos para partir.
- Como eu disse ao seu funcionário - continuou Amanda - Não controlamos o tempo, senhorita Piromalli.
Então, uma voz grossa cortou o ar, tão afiada quanto uma lâmina deslizando sobre a pele.
- Mas se estamos falando de Catarina Piromalli... até os céus sabem que devem se abrir.
Virei lentamente o rosto, e Lorenzo, atrás de Amanda, já levava a mão à cintura, onde carregava a pistola. O homem que surgira parecia ter saído de um filme antigo de máfia. Alto, robusto, pele marcada pelo tempo, cabelos grisalhos penteados para trás. Um terno branco impecável contrastava com a tatuagem preta que subia pela gola da camisa - um antigo símbolo da família que representava, desbotado, mas ainda visível. Os olhos, de um azul glacial, se fixaram nos meus. Lorenzo já estava com a mão na cintura, a expressão dura. E eu? Eu apenas ergui a mão, indicando para que ele se afastasse.
- Don Ângelo Messina - eu disse, sem um pingo de surpresa.
Ele sorriu, aquele sorriso controlado de quem sabia mais do que dizia. Ao seu lado, uma mulher o acompanhava. Cabelos castanhos levemente ondulados, olhos castanhos vermelhos de tanto chorar. Roupas pretas. Uma sombra ambulante de dor.
Messina segurou minha mão e a levou aos lábios.
- Dona Piromalli... - disse. - A gravidez está lhe fazendo muito bem.
- Só Catarina - corrigi, puxando minha mão com delicadeza. - O que faz aqui?
- O mesmo que você. Tentando ter uma viagem digna.
- O tempo não está ajudando ninguém - comentei. - Indo para Messina?
- Não. Tuvalu.
Arqueei uma sobrancelha.
- Férias?
Ele sorriu.
- Vingança. Não minha. Dela.
Ele indicou a mulher ao seu lado, que se aproximou em silêncio. Ela parecia deslocada, mas havia algo nos olhos dela... algo que eu reconhecia.
- Catarina, conheça a senhora Ellis Amorielle. Ellis, essa é Catarina Piromalli, chefe da família Contini atualmente, e líder da Camorra.
- Prazer em te conhecer - disse Ellis, estendendo a mão.
Apertei com firmeza.
- O prazer é meu. Espero que consiga se vingar de quem quer que seja.
- Eu conto com isso - ela respondeu, firme apesar do tremor da voz.
Messina continuou:
- E por falar em vingança, estou acompanhando a sua. Parabéns por Gioia Tauro.
- É só o começo - respondi. - Em breve, tomarei tudo o que for da 'Ndrangheta. Pode apostar.
- Não duvido. Mas... sua vingança está causando repercussões em territórios internacionais. Nova York, por exemplo, está em alerta.
- Essa era a intenção - disse, com um meio sorriso.
Messina soltou uma risada baixa.
- Vou ver se consigo algo com a FBO. Talvez o nome Messina ainda signifique alguma coisa por aqui.
- Boa sorte tentando - respondi, cruzando os braços.
Ele se afastou com determinação, deixando Ellis e eu frente a frente.
Ela me observava com intensidade. Não como quem julga. Como quem analisa.
- O que foi? - perguntei.
- Nada - ela respondeu. - Só queria fazer uma pergunta.
- Não sou casada. E o pai morreu.
- Não era isso que eu ia perguntar.
Levantei uma sobrancelha.
- Então o que era?
- O que faz uma vingança ser válida? Você... está satisfeita com a sua?
A pergunta pairou no ar como um tiro. Direta. Crua.
- Uma vingança só é válida se a causa valer a pena. No meu caso, eram meus pais. E você?
- Meu irmão.
- Então escute. A satisfação de uma vingança é pessoal. Alguns se arrependem. Outros seguem em frente. Muitos dizem que não preenche o vazio. Mas pra mim? Sim. Eu estou me satisfazendo. E não me arrependo de nada.
Ela hesitou.
- Você não teme pelo seu filho? Por colocá-lo nesse mundo de sangue?
- Foi por ele que comecei a me mover com mais força. Foi ele quem me deu foco.
- Mesmo assim... parece arriscado.
- Você tem filhos?
- Não.
- Então, quando tiver, vai entender. Não existe proteção maior do que o domínio completo do inimigo.
O silêncio entre nós foi quebrado quando Messina retornou com o rosto endurecido.
- Nada feito. Cancelaram todos os voos. Nem meu nome fez milagre hoje.
Suspirei.
- Foi bom te conhecer, Ellis. E bom te rever, Messina, mas agora preciso ir atrás de um plano B.
Eles me observaram enquanto eu me afastava, pegando o telefone e discando um número que só usava quando era realmente necessário.
Depois de dois toques, uma voz masculina atendeu.
- Diga, Piromalli.
- Temos um problema.
- O que você precisa?
- Um jatinho. Saindo de qualquer aeroporto que não seja o Teterboro. O mais rápido possível.
Silêncio por um segundo.
- Entendido. Vou ver o que consigo.
- Obrigada, Don Antonio Contini.
Desliguei.
Sim, se o céu não abria... eu mandava construir um novo.
Fim da linha? Não pe mais uma opção para mim.