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Clara estava no meio do preparo de um filé ao molho de vinho quando sentiu a atmosfera do restaurante mudar. Era como se um leve silêncio tivesse se espalhado por alguns segundos. Olhou para a porta de entrada e não se surpreendeu: Lorenzo havia chegado.
Mas dessa vez, algo estava diferente.
Ele usava uma camisa azul dobrada até os cotovelos, sem blazer nem relógio chamativo. Entrou como quem já conhecia o lugar - e o coração de Clara - com naturalidade, mas não foi para a mesa 8.
Foi direto até o balcão.
- Boa tarde, chef. Hoje não quero o ravioli. - disse com um sorriso provocador. - Quero algo... fora do cardápio.
Clara limpou as mãos no avental, tentando conter o rubor que surgia nas bochechas.
- Está tentando me testar, Lorenzo?
- Talvez. Ou talvez só confie tanto no seu talento que prefiro me deixar surpreender.
Ela arqueou uma sobrancelha.
- Alguma preferência?
- Algo que tenha a sua personalidade. Forte, mas com um toque sutil que só se percebe no final. - Ele piscou. - Igual às suas respostas.
Clara riu, balançando a cabeça.
- Vai se arrepender.
- Duvido.
Ela voltou para a cozinha com um sorriso preso no rosto. Queria impressioná-lo, mas sem parecer que estava tentando demais. Escolheu fazer um risoto de cogumelos silvestres com lascas de grana padano e azeite de trufas negras, finalizado com uma pitada de pimenta rosa. Era um prato elegante, mas com personalidade. Exatamente como ela queria que ele a visse.
Ao entregar o prato, Clara observou discretamente enquanto ele provava. Lorenzo fechou os olhos por um segundo, como se estivesse absorvendo cada nota do sabor.
- Perfeito. - disse depois, olhando diretamente para ela. - Acho que vou ter que voltar mais vezes.
- Desde que não me peça para cozinhar minha alma no prato também...
- Ainda não pensei nisso, mas... já que estamos falando de coisas que não vêm no menu - ele disse, puxando o celular do bolso - será que posso anotar o seu número?
Clara arregalou os olhos, surpresa com a naturalidade do pedido.
- Você é sempre assim direto?
- Só quando tenho certeza do que quero. E, no caso, é só para fins gastronômicos, claro. - completou com um sorriso travesso.
Ela riu, nervosa, mas estendeu a mão e digitou os números.
- Só se for pra marcar uma degustação de verdade. E sem prometer elogios automáticos.
- Prometo sinceridade absoluta. Inclusive sobre seus pontos fracos, se algum dia eu achar algum.
- Boa sorte com isso. - ela respondeu, tentando soar confiante, mas já com o estômago revirando por dentro.
Lorenzo guardou o celular como quem acabara de ganhar algo precioso.
- Até breve, chef Clara.
E saiu, como sempre, com passos leves e presença que demorava a sumir.
Clara voltou para a cozinha com as pernas um pouco bambas, o coração mais acelerado do que deveria, e a estranha sensação de que estava entrando em um jogo onde os sabores mais intensos ainda estavam por vir.
Ela só não sabia que, naquele prato especial, Lorenzo não era o único que seria surpreendido.