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O relógio marcava 22h47 quando Clara desligou o último forno da noite. A cozinha do Bistrô Aurora estava silenciosa, e o aroma de especiarias parecia já fazer parte das paredes. Era seu momento preferido do dia: quando tudo desacelerava, quando o barulho dava lugar ao cansaço bom de quem fez o que ama.
Ela pendurou o avental, pegou a mochila e atravessou o salão vazio, já com o corpo clamando por um banho quente e cama. Ao sair pela porta lateral do restaurante, sentiu o ar fresco da noite e puxou o celular do bolso para ver as horas. E ali, na tela, uma notificação:
Lorenzo:
"A essa hora, a chef mais talentosa da cidade já está descansando... ou ainda está salvando paladares por aí?"
Clara sorriu involuntariamente. A mensagem era simples, mas tinha o tom exato que ela não sabia que queria ouvir depois de um dia longo.
Clara:
"A chef acabou de desligar os fornos. Sem vítimas hoje, só elogios ao risoto de beterraba."
A resposta dele veio quase de imediato.
Lorenzo:
"Eu sabia. Aposto que até a beterraba se apaixona quando você cozinha."
Ela riu, digitando mais rápido do que costumava. A troca foi ficando natural, como se se conhecessem há muito mais tempo.
Clara:
"Você sempre foi assim, exagerado?"
Lorenzo:
"Só quando estou certo."
Entre piadas sobre temperos e confissões leves sobre o dia, os dois mergulharam em uma conversa despretensiosa e fluida. Clara contou sobre o cliente que pediu salmão e depois reclamou que tinha gosto de peixe. Lorenzo contou de uma reunião com gente "muito séria e sem graça" que ele teve que fingir que levava a sério.
Lorenzo:
"Sinto que você tem a sorte de lidar com panelas, não com egos."
Clara:
"Você ficaria surpreso com o tamanho dos egos na cozinha."
Pouco a pouco, o cansaço de Clara foi sendo substituído por uma energia boa, aquela que vem quando a gente se sente vista, ouvida. E ele... parecia saber exatamente como manter o tom certo entre divertido e gentil, sem ultrapassar limites.
Lorenzo:
"Posso confessar uma coisa?"
Ela hesitou por um segundo antes de responder.
Clara:
"Claro."
Lorenzo:
"Quando te vi pela primeira vez na porta da cozinha, achei que você fosse só curiosa. Quando percebi que era você quem fazia aqueles pratos incríveis... eu soube que estava em apuros."
O coração de Clara bateu mais forte. Mas ela manteve o jogo.
Clara:
"Bom saber que o molho não foi a única coisa que te deixou derretido."
A risada de Lorenzo veio como áudio, espontânea, despreocupada, e Clara ouviu mais de uma vez antes de digitar a última resposta da noite.
Clara:
"Boa noite, Lorenzo. Vai sonhar com risotos agora?"
Lorenzo:
"Só se for com você servindo."
Ela bloqueou a tela com um sorriso que teimava em não sair. Pela primeira vez em semanas, não se sentia exausta ao fim do dia. Se sentia viva.
Mal sabia ela que aquela conversa, tão leve e natural, era apenas o início de algo que mexeria com muito mais do que seu coração.