Capítulo 2 Ensaio de casamento - primeiro contato

O dia seguinte amanheceu abafado, como se até o ar estivesse pesado demais para respirar.

Paola mal dormira. Passou a noite inteira tramando planos de fuga que pareciam se desfazer assim que o sol ameaçava nascer.

Agora, sentada no sofá da sala principal, ela torcia as mãos no colo, o coração batendo descompassado.

Viola, ao seu lado, tentou oferecer um sorriso tranquilizador, mas o nervosismo era palpável.

A porta se abriu.

- Elas chegaram - anunciou o mordomo, com uma reverência tensa.

Paola se obrigou a se levantar. Sentiu o chão sob seus pés descalços como se fosse feito de espinhos.

A primeira a entrar foi uma mulher alta, de cabelos loiros impecavelmente presos e olhos duros como vidro quebrado. Vestia um conjunto de linho branco que exalava riqueza e frieza.

Atrás dela vinha uma jovem da mesma idade de Paola - ou talvez um pouco mais velha -, com o mesmo olhar altivo, embora escondesse um sorriso quase debochado nos lábios pintados de vermelho.

- Senhora Genovese, senhorita Genovese - cumprimentou seu pai, surgindo do fundo da sala, a voz carregada de respeito forçado. - Sejam bem-vindas.

Paola manteve a cabeça erguida, mesmo sentindo cada músculo de seu corpo implorar para fugir.

- Esta é minha filha, Paola - disse ele, empurrando-a para frente como uma peça de porcelana que fosse ser avaliada.

A senhora Genovese a olhou de cima a baixo, como quem examina um cavalo em um leilão.

- Hm - murmurou, sem esconder o julgamento. - É bonita o suficiente.

Paola mordeu a língua para não retrucar.

A jovem ao lado sorriu de lado.

- Ela tem fogo nos olhos - comentou, em tom de provocação. - O meu irmão vai gostar disso.

- Ou vai querer quebrá-la - respondeu a mãe, fria.

Viola apertou a mão de Paola discretamente, tentando segurá-la no lugar.

- Espero que você saiba qual é o seu papel, Paola - continuou a senhora Genovese, sem rodeios. - Meu filho é um homem muito ocupado. Ele não tolera escândalos, nem desobediência.

Paola ergueu o queixo, sentindo o sangue ferver nas veias.

- Talvez ele tenha que aprender a tolerar - disse, a voz baixa mas cortante.

O silêncio que se seguiu foi brutal.

O pai de Paola tossiu nervosamente, lançando-lhe um olhar de advertência, mas ela não recuou.

A senhora Genovese sorriu - um sorriso gélido e cruel.

- Você é valente. Isso pode ser... interessante. Ou desastroso.

Virou-se para a filha.

- Vamos, não temos tempo a perder. O vestido precisa ser ajustado, e os documentos do dote devem ser revisados.

Antes de sair, a jovem Genovese lançou a Paola um último olhar curioso - como se estivesse apostando quanto tempo aquela rebeldia duraria nas mãos do irmão.

Quando a porta se fechou atrás delas, Paola soltou o ar que nem sabia que estava prendendo.

Viola a abraçou.

- Você foi corajosa... - sussurrou.

Mas Paola não se sentia corajosa.

Se sentia presa.

Como um pássaro batendo desesperadamente contra as grades de uma gaiola.

E sabia, no fundo, que o pior ainda estava por vir.

O vestido de noiva já pendia de um cabide dourado no canto do quarto, como uma sentença.

Paola o olhava de longe, como se fosse um animal prestes a atacá-la.

Bateram à porta.

Antes que pudesse responder, seu pai entrou.

Trazia no rosto a expressão grave que Paola aprendera a temer desde pequena.

Ele fechou a porta atrás de si com um clique seco.

- Sente-se - ordenou, apontando para a poltrona.

Paola obedeceu, mas manteve a cabeça erguida, o olhar desafiador.

O pai caminhou lentamente até ela, as mãos cruzadas nas costas.

- Faltam poucos dias para o seu casamento - começou ele, a voz fria, controlada. - E você vai se comportar como uma Genovese. Não como essa garota rebelde e respondona que insiste em envergonhar nossa família.

Paola cerrou os punhos no colo.

- Eu não pedi por esse casamento - murmurou.

O pai inclinou-se para frente, o rosto tão próximo que Paola podia sentir o hálito dele.

- Não interessa o que você quer.

Interessa o que a família precisa.

E a nossa sobrevivência depende dessa aliança.

Ele se endireitou, ajeitando o paletó com um gesto calculado.

- Enrico Genovese é um homem poderoso. Um homem que pode fazer ou destruir a vida de quem ousar desrespeitá-lo.

- Então que ele destrua a minha! - disparou Paola, antes que pudesse se conter.

O tapa foi rápido e preciso.

Não forte o suficiente para derrubá-la, mas o suficiente para que o mundo tremesse diante dos olhos dela.

Ela levou a mão à bochecha, a pele ardendo, mas não deixou uma lágrima escapar.

- Você vai entrar naquela igreja sorrindo - rosnou o pai. - Vai obedecer ao seu marido. Vai ser uma esposa digna do nome que carrega.

- Eu não sou propriedade de ninguém - respondeu Paola, a voz firme apesar da dor.

O pai a olhou com desprezo.

- Você é minha filha. E enquanto viver sob este teto, sob este nome, fará o que eu mandar.

Ou sofrerá as consequências.

Ele virou-se e caminhou até a porta. Antes de sair, lançou-lhe um último olhar.

- Pense bem, Paola. Se tentar se rebelar... se envergonhar esta família, não haverá lugar no mundo onde possa se esconder de mim.

A porta se fechou com um estalo seco.

Paola permaneceu imóvel na poltrona, o rosto em fogo, o peito explodindo de raiva e medo.

Por alguns minutos, só o som do seu próprio coração ecoava no quarto.

Então, lentamente, ela se levantou.

Foi até o vestido de noiva.

Passou os dedos pela renda fria como gelo.

Se aquele era o destino que tinham escolhido para ela, Paola sabia: ou encontraria um jeito de destruí-lo... ou ele a destruiria primeiro.

Mas ela não seria submissa.

Ela não seria a esposa perfeita.

Não importava o que custasse.

O salão estava repleto de flores brancas e douradas.

O som suave de um piano de cauda preenchia o espaço, mas nada poderia acalmar a tempestade que se formava dentro de Paola. Ela estava em pé no centro da sala, o vestido de noiva pesando sobre seus ombros, mais como uma prisão do que uma peça de vestuário. A renda brilhava sob as luzes suaves, mas Paola mal conseguia respirar. Cada movimento seu parecia forçado, como se estivesse tentando se encaixar em algo que não fosse feito para ela.

Os olhos do pai estavam fixos nela, e o sorriso da mãe era mais um comando do que um apoio.

- O que está acontecendo, Paola? - a mãe perguntou, com um toque de impaciência na voz. - Anda logo, você vai fazer a entrada perfeita. Sorria! Como ensaiamos.

Paola se forçou a esboçar um sorriso, mas seu coração estava longe dali. Ela olhou para a porta de entrada, imaginando a chegada de Enrico. A curiosidade, o medo e a raiva se misturavam em sua mente. Mas não era só ele quem a aterrorizava. Era a ideia de se perder nela mesma, de ser reduzida a um simples "objeto" a ser exibido.

- Lembre-se do seu papel - o pai disse, quase como um sussurro, mas a voz carregava uma ameaça velada. - Você vai fazer essa família orgulhosa. Não faça nada para envergonhá-los.

Paola tentou ignorar o aperto no peito e, ao som de uma leve batida, a porta se abriu. Uma figura imponente entrou na sala: Enrico Genovese. Seus olhos estavam fixos nela de imediato. Ele usava um terno escuro, ajustado ao corpo, e sua presença era tão esmagadora quanto o silêncio que se seguiu à sua chegada.

Paola o observou por um momento, tentando não demonstrar o turbilhão que se passava dentro dela. Seus olhos se encontraram, mas, ao contrário do que Paola esperava, ele não sorriu. Não parecia surpreso, nem admirado. Apenas... observava.

O pai de Paola fez um gesto cortês.

- Enrico, aqui está sua noiva, Paola.

Paola levantou o queixo, mais por instinto do que por qualquer outra coisa. Enrico olhou para ela com uma frieza que a fez se sentir como uma estranha. Mas não ia se deixar abater. Não ia se deixar ser anulada por aquele olhar.

Ela deu um passo à frente, os saltos do vestido fazendo um som delicado no piso de mármore. Seus olhos nunca se desviarão dos dele.

- Prazer - ela disse, a voz controlada, mas cortante.

Ele a olhou por um longo momento antes de responder, como se medisse cada palavra antes de escolhê-la.

- O prazer é meu. - A resposta dele foi simples, mas a forma como disse, sem emoção, fez Paola se sentir mais vazia ainda.

O silêncio reinou entre os dois enquanto a mãe e o pai observavam, tentando controlar a situação com um sorriso forçado. Paola podia sentir o peso da expectativa em cada olhar, em cada movimento, mas não poderia se render.

Ela sabia o que esperavam dela. Sabia que deveria ser doce, submissa, obediente. Mas ela não era assim.

Ela se afastou um pouco, ainda encarando Enrico com intensidade.

- Então... como será nosso casamento? - perguntou, a curiosidade disfarçada pela ironia.

Enrico não pareceu surpreso com a pergunta. Ele apenas a olhou, e o silêncio voltou a dominar.

- O casamento será simples. Não se preocupe, será como está planejado.

Paola segurou a raiva, mas a pergunta escapou.

- E a minha liberdade? Onde está nisso?

Enrico a observou, agora com um leve sorriso, mas não de diversão. Mais como se estivesse avaliando.

- O que você quer dizer com isso, Paola?

- Você sabe

            
            

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