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Entrei no quarto e tranquei a porta com um clique seco. Encostei-me a ela por alguns segundos, tentando controlar minha respiração. O silêncio era quase reconfortante - quase. Mas minha mente estava em chamas.
A conversa com Enrico só confirmou meu maior medo: ele não era apenas o homem que tentariam forçar em minha vida. Ele era o símbolo de tudo o que eu odiava. Controle. Frieza. Arrogância. E, pior, ele realmente acreditava que conseguiria me dobrar.
Caminhei até o espelho e arranquei os brincos com raiva. Encarei meu reflexo, tentando entender quem era aquela mulher que sorriu durante o ensaio, que apertou mãos, que ouviu elogios como se aquilo fosse um prêmio. Aquilo era uma máscara. E eu não ia mantê-la por muito tempo.
- Eu não vou me casar com ele - murmurei para o espelho. Ouvir minha própria voz foi como um alívio. Pela primeira vez, uma decisão clara. Um fio de controle no meio do caos.
Sentei na beira da cama, apertando o tecido do vestido com os dedos. Eu precisava de um plano. Precisava agir antes que fosse tarde demais. Se aquilo foi só o ensaio... o casamento real seria o fim.
Respirei fundo e me levantei com um impulso novo. Ainda de vestido e com a maquiagem borrada, saí do quarto e caminhei pelo corredor em silêncio. Sabia onde encontrar minha mãe - no salão menor, aquele que ela sempre usava para se refugiar depois das grandes reuniões.
Quando empurrei a porta, lá estava ela. Sentada perto da janela, a cabeça apoiada na mão, olhando para o nada. Seu rosto carregava um cansaço antigo. Um que eu sempre vi, mas nunca tive coragem de encarar de verdade.
- Mãe... - chamei, com a voz trêmula.
Ela virou-se devagar. Os olhos já estavam vermelhos, como se chorasse em silêncio há horas.
Caminhei até ela e me ajoelhei ao seu lado, sem me importar com o vestido caro arrastando no chão.
- Eu não posso fazer isso - sussurrei. - Eu não posso me casar com ele.
Ela fechou os olhos, como se minhas palavras fossem uma faca em seu peito. Quando os abriu, vi dor e resignação.
- Paola... - começou, mas a interrompi com urgência.
- Você sabe como é, mãe. Você sabe! - apertei sua mão. - Eu vejo nos seus olhos... você nunca foi feliz com o papai. Você foi obrigada. Assim como estão tentando me obrigar agora.
As palavras ficaram no ar, pesadas. Ela desviou o olhar, mas eu continuei.
- Por favor, mãe... não deixe que façam isso comigo. Eu não quero acabar como você. Presa a uma vida que eu não escolhi. Sem amor. Sem liberdade.
Ela respirou fundo, lutando contra tudo o que sentia. Seus olhos encontraram os meus, e por um momento, a máscara que ela sempre usava se quebrou.
- Eu tentei lutar, Paola - sussurrou. - Mas eu era jovem, assustada... e estava sozinha. Você é tão forte. Tão corajosa.
Uma esperança se acendeu em mim.
- Então me ajuda. Me ajuda a sair disso. Você sabe que essa vida não é pra mim. Nunca foi.
Ela acariciou meu rosto com os dedos trêmulos.
- Se eu ajudar você... eles nunca me perdoarão.
- Eu também sou sua filha - insisti. - Escolhe a mim, mãe. Só dessa vez.
Nos encaramos. Vi a batalha dentro dela. Dever ou amor. E então, finalmente, vi uma pequena chama nos olhos dela.
- Eu vou pensar - disse, baixinho. - Mas você precisa ser paciente. Inteligente. Eles estão sempre observando.
Assenti. Não era uma promessa... mas era um começo. E eu já não me sentia tão sozinha.
O que eu não sabia era que a porta entreaberta revelava mais do que pensávamos. Meu pai estava ali, escondido nas sombras, escutando cada palavra. O rosto dele era uma pedra - frio, tenso, carregado de raiva.
- Então é isso? - disse, com voz cortante. - Vai envergonhar essa família por causa da sua filha? Vai permitir que ela fuja do casamento?
Minha mãe se virou, surpresa, mas ainda sem medo.
- Eu só queria entender o que ela sente...
- Entender? - ele cuspiu. - O que tem pra entender? Essa menina vai se casar. E ponto final. Se ela fugir, se fizer qualquer coisa contra esse acordo, eu juro... eu juro que mato você. Porque a vergonha será sua.
- Você não pode me obrigar a casar com aquele homem! A vida é minha! Eu é que tenho que escolher isso! - falo, chamando a atenção do meu pai.
Eu sei que, se continuar desse jeito, o pior vai acontecer com a minha mãe - e eu não vou aceitar isso.
Meu pai não é um santo. Ele nunca foi bom para a família dele - só para os negócios. Só isso importa para ele.
Quantas vezes ele já me bateu por eu expressar minha opinião? Quantas vezes agrediu a minha mãe? Eu não vou permitir que isso continue acontecendo.
- Cala a sua boca e saia daqui, Paola, antes que sobre pra você! - ele diz, me encarando.
- Ela quer liberdade, Leonardo! Quer viver! Você me obrigou a uma vida que eu nunca escolhi. Não faça isso com ela! - minha mãe se impõe.
- Saia daqui agora, Paola - ele fala olhando para ela com fúria, como se o que ela tivesse dito fosse um absurdo.
- Eu não vou sair! Eu não vou deixar a minha mãe aqui com você! - digo, encarando-o.
Meu pai faz menção de vir para cima de mim, mas minha mãe o segura.
- Saia daqui, querida. Não precisa se preocupar comigo - ela diz, olhando para mim. Seu olhar soa mais como um "por favor", desesperado, pedindo que eu vá.
Não queria deixá-la ali, mas tive que sair.
Quando abro a porta, dou de cara com Viola, parada do lado de fora, bisbilhotando o que estava acontecendo.
- O que aconteceu? O papai está furioso! - ela fala. Fecho a porta com cuidado, para continuarmos ouvindo a conversa.
- Fica quieta. Vamos ouvir - digo.
- Nossa filha é jovem, Leonardo. Ela só quer estudar e fazer suas próprias escolhas - minha mãe diz, e meus olhos se enchem de lágrimas.
Mesmo com meu pai furioso, ela ainda me defende. Ela devia ter ficado em silêncio... para o pior não acontecer.
- Cale a boca! - ele grita.
O estalo veio rápido. Seco. Cruel.
Meus olhos se enchem ainda mais de lágrimas. Faço menção de entrar na sala, mas minha irmã me segura.
- Ele bateu na mamãe por minha causa, Viola. Eu preciso entrar lá, preciso fazer alguma coisa! - falo, chorando.
- Shhh! Fica quieta, senão vai sobrar pra você também - Viola responde, me abraçando.
- A culpa é sua dessas meninas serem assim! Você não soube criar elas! - ouvimos meu pai gritar. Então, escutamos os passos dele em direção à porta e corremos, desesperadas, para não sermos vistas.
Subimos as escadas e fomos direto para o nosso quarto.
- Ele bateu na mamãe por minha causa... - falo, chorando, tomada pela raiva e pela culpa.
- Você e a mamãe sabem como ele é. Não deviam ter enfrentado ele - diz Viola, me deixando indignada.
- Eu não acredito que estou ouvindo isso, Viola! Como você pode estar do lado daquele monstro? Olha o que ele faz com a nossa mãe! Olha o que ele está fazendo comigo! - grito, a encarando.
- Eu não estou do lado dele, Paola. A questão é aceitar. Nosso pai é assim. E esse casamento... você já sabia dele há muito tempo. Era pra você estar preparada - ela diz, conformada.
- Eu nunca vou aceitar isso, Viola. Nunca! - declaro com firmeza.