Capítulo 4 Uma chance de fugir

Entrei no quarto e tranquei a porta com um clique seco. Encostei-me a ela por alguns segundos, tentando controlar minha respiração. O silêncio era quase reconfortante - quase. Mas minha mente estava em chamas.

A conversa com Enrico só confirmou meu maior medo: ele não era apenas o homem que tentariam forçar em minha vida. Ele era o símbolo de tudo o que eu odiava. Controle. Frieza. Arrogância. E, pior, ele realmente acreditava que conseguiria me dobrar.

Caminhei até o espelho e arranquei os brincos com raiva. Encarei meu reflexo, tentando entender quem era aquela mulher que sorriu durante o ensaio, que apertou mãos, que ouviu elogios como se aquilo fosse um prêmio. Aquilo era uma máscara. E eu não ia mantê-la por muito tempo.

- Eu não vou me casar com ele - murmurei para o espelho. Ouvir minha própria voz foi como um alívio. Pela primeira vez, uma decisão clara. Um fio de controle no meio do caos.

Sentei na beira da cama, apertando o tecido do vestido com os dedos. Eu precisava de um plano. Precisava agir antes que fosse tarde demais. Se aquilo foi só o ensaio... o casamento real seria o fim.

Respirei fundo e me levantei com um impulso novo. Ainda de vestido e com a maquiagem borrada, saí do quarto e caminhei pelo corredor em silêncio. Sabia onde encontrar minha mãe - no salão menor, aquele que ela sempre usava para se refugiar depois das grandes reuniões.

Quando empurrei a porta, lá estava ela. Sentada perto da janela, a cabeça apoiada na mão, olhando para o nada. Seu rosto carregava um cansaço antigo. Um que eu sempre vi, mas nunca tive coragem de encarar de verdade.

- Mãe... - chamei, com a voz trêmula.

Ela virou-se devagar. Os olhos já estavam vermelhos, como se chorasse em silêncio há horas.

Caminhei até ela e me ajoelhei ao seu lado, sem me importar com o vestido caro arrastando no chão.

- Eu não posso fazer isso - sussurrei. - Eu não posso me casar com ele.

Ela fechou os olhos, como se minhas palavras fossem uma faca em seu peito. Quando os abriu, vi dor e resignação.

- Paola... - começou, mas a interrompi com urgência.

- Você sabe como é, mãe. Você sabe! - apertei sua mão. - Eu vejo nos seus olhos... você nunca foi feliz com o papai. Você foi obrigada. Assim como estão tentando me obrigar agora.

As palavras ficaram no ar, pesadas. Ela desviou o olhar, mas eu continuei.

- Por favor, mãe... não deixe que façam isso comigo. Eu não quero acabar como você. Presa a uma vida que eu não escolhi. Sem amor. Sem liberdade.

Ela respirou fundo, lutando contra tudo o que sentia. Seus olhos encontraram os meus, e por um momento, a máscara que ela sempre usava se quebrou.

- Eu tentei lutar, Paola - sussurrou. - Mas eu era jovem, assustada... e estava sozinha. Você é tão forte. Tão corajosa.

Uma esperança se acendeu em mim.

- Então me ajuda. Me ajuda a sair disso. Você sabe que essa vida não é pra mim. Nunca foi.

Ela acariciou meu rosto com os dedos trêmulos.

- Se eu ajudar você... eles nunca me perdoarão.

- Eu também sou sua filha - insisti. - Escolhe a mim, mãe. Só dessa vez.

Nos encaramos. Vi a batalha dentro dela. Dever ou amor. E então, finalmente, vi uma pequena chama nos olhos dela.

- Eu vou pensar - disse, baixinho. - Mas você precisa ser paciente. Inteligente. Eles estão sempre observando.

Assenti. Não era uma promessa... mas era um começo. E eu já não me sentia tão sozinha.

O que eu não sabia era que a porta entreaberta revelava mais do que pensávamos. Meu pai estava ali, escondido nas sombras, escutando cada palavra. O rosto dele era uma pedra - frio, tenso, carregado de raiva.

- Então é isso? - disse, com voz cortante. - Vai envergonhar essa família por causa da sua filha? Vai permitir que ela fuja do casamento?

Minha mãe se virou, surpresa, mas ainda sem medo.

- Eu só queria entender o que ela sente...

- Entender? - ele cuspiu. - O que tem pra entender? Essa menina vai se casar. E ponto final. Se ela fugir, se fizer qualquer coisa contra esse acordo, eu juro... eu juro que mato você. Porque a vergonha será sua.

- Você não pode me obrigar a casar com aquele homem! A vida é minha! Eu é que tenho que escolher isso! - falo, chamando a atenção do meu pai.

Eu sei que, se continuar desse jeito, o pior vai acontecer com a minha mãe - e eu não vou aceitar isso.

Meu pai não é um santo. Ele nunca foi bom para a família dele - só para os negócios. Só isso importa para ele.

Quantas vezes ele já me bateu por eu expressar minha opinião? Quantas vezes agrediu a minha mãe? Eu não vou permitir que isso continue acontecendo.

- Cala a sua boca e saia daqui, Paola, antes que sobre pra você! - ele diz, me encarando.

- Ela quer liberdade, Leonardo! Quer viver! Você me obrigou a uma vida que eu nunca escolhi. Não faça isso com ela! - minha mãe se impõe.

- Saia daqui agora, Paola - ele fala olhando para ela com fúria, como se o que ela tivesse dito fosse um absurdo.

- Eu não vou sair! Eu não vou deixar a minha mãe aqui com você! - digo, encarando-o.

Meu pai faz menção de vir para cima de mim, mas minha mãe o segura.

- Saia daqui, querida. Não precisa se preocupar comigo - ela diz, olhando para mim. Seu olhar soa mais como um "por favor", desesperado, pedindo que eu vá.

Não queria deixá-la ali, mas tive que sair.

Quando abro a porta, dou de cara com Viola, parada do lado de fora, bisbilhotando o que estava acontecendo.

- O que aconteceu? O papai está furioso! - ela fala. Fecho a porta com cuidado, para continuarmos ouvindo a conversa.

- Fica quieta. Vamos ouvir - digo.

- Nossa filha é jovem, Leonardo. Ela só quer estudar e fazer suas próprias escolhas - minha mãe diz, e meus olhos se enchem de lágrimas.

Mesmo com meu pai furioso, ela ainda me defende. Ela devia ter ficado em silêncio... para o pior não acontecer.

- Cale a boca! - ele grita.

O estalo veio rápido. Seco. Cruel.

Meus olhos se enchem ainda mais de lágrimas. Faço menção de entrar na sala, mas minha irmã me segura.

- Ele bateu na mamãe por minha causa, Viola. Eu preciso entrar lá, preciso fazer alguma coisa! - falo, chorando.

- Shhh! Fica quieta, senão vai sobrar pra você também - Viola responde, me abraçando.

- A culpa é sua dessas meninas serem assim! Você não soube criar elas! - ouvimos meu pai gritar. Então, escutamos os passos dele em direção à porta e corremos, desesperadas, para não sermos vistas.

Subimos as escadas e fomos direto para o nosso quarto.

- Ele bateu na mamãe por minha causa... - falo, chorando, tomada pela raiva e pela culpa.

- Você e a mamãe sabem como ele é. Não deviam ter enfrentado ele - diz Viola, me deixando indignada.

- Eu não acredito que estou ouvindo isso, Viola! Como você pode estar do lado daquele monstro? Olha o que ele faz com a nossa mãe! Olha o que ele está fazendo comigo! - grito, a encarando.

- Eu não estou do lado dele, Paola. A questão é aceitar. Nosso pai é assim. E esse casamento... você já sabia dele há muito tempo. Era pra você estar preparada - ela diz, conformada.

- Eu nunca vou aceitar isso, Viola. Nunca! - declaro com firmeza.

            
            

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