/0/14701/coverbig.jpg?v=10b1f70f0df52925cf653849c5dd97ab)
O som dos meus saltos ecoa pelo piso de mármore impecável enquanto atravesso o corredor principal da Porter Engineering. Cada passo meu é uma afirmação: sou o controle, o poder, a perfeição. Alguns me chamam de "a assassina de contratos", e eu aceito o título com orgulho. Afinal, nunca perco.
A empresa está mais agitada que o normal hoje. Secretárias apressadas, executivos em ligações tensas, papéis sendo revisados de última hora. É assim que funciona quando um contrato bilionário está em jogo. Posso sentir a energia nervosa no ar, a expectativa, os olhares que me acompanham. Sinto o peso da responsabilidade como um manto familiar sobre meus ombros. Eles apostam tudo em mim. Como sempre.
Hoje, mais uma vez, não há espaço para erros. Estou prestes a fechar o maior contrato da minha carreira: o Blue Crescent Resort, um projeto bilionário que colocará minha empresa no topo definitivo do mercado de engenharia civil. Um ano e meio de planejamento, estratégias e negociações, chegando ao momento decisivo. Não há espaço para distrações. Muito menos aquelas que envolvem Viktor - que anda muito estranho ultimamente.
Afasto o pensamento dele rapidamente. Não é momento para isso.
- Senhorita Porter, eles já estão esperando na sala de reuniões - informa Lara, uma das auxiliares assistentes, ajustando os óculos e tentando acompanhar o meu ritmo. Seus saltos menores fazem um barulho irregular atrás de mim, em contraste com meu passo firme e constante.
- Certifique-se de que o café deles está pronto. Forte e sem açúcar - peço, sem quebrar o ritmo. - E traga as projeções atualizadas de ontem à noite. Mudei alguns números.
Minha voz sai firme, e a máscara de perfeição permanece intacta. Não há espaço para hesitação. Não quando todos esperam que eu entregue nada menos que o impossível. É isso que construí desde que assumi a cadeira da presidência: uma reputação impecável. Nenhum contrato perdido. Nenhum projeto fracassado. Samyla Porter significa garantia. Significa que, se digo que algo vai acontecer, acontecerá.
- Claro. Já separei tudo em pastas individuais, como pediu. Também organizei os documentos complementares, caso façam perguntas sobre as licenças ambientais.
Paro em frente à sala de reuniões. Por um breve momento, verifico meu reflexo na porta de vidro fosco. O blazer preto perfeitamente alinhado, a blusa de seda branca sem uma única ruga, o colar de pérolas que ganhei da minha mãe - uma das poucas concessões que faço ao sentimentalismo. Respiro fundo, contando até três mentalmente. É o ritual que mantenho desde meu primeiro grande contrato.
Entro na sala de reuniões sem hesitar, e todos os olhares masculinos se voltam para mim. Seis homens, todos em ternos caros, todos com aquela mesma expressão que já conheço bem: uma mistura de respeito relutante, curiosidade e desafio. Homens poderosos, ricos e acostumados a dominar o mercado - mas aqui, eles sabem quem manda.
Reconheço imediatamente o Sr. Banning, o maior investidor, com seu característico lenço de bolso azul-marinho. Ao lado dele, James Howell, o engenheiro-chefe, que tentou me derrubar três vezes em reuniões anteriores e falhou miseravelmente. O restante são novos rostos, provavelmente assessores jurídicos, investidores e financeiros, analisando cada detalhe para encontrar qualquer falha.
- Senhores, bom dia - digo, enquanto tomo meu lugar na cabeceira da mesa. Não peço licença, não agradeço a presença deles. Este é o meu território. - Vamos começar.
🩷🩷💍🩷🩷
Enquanto apresento os números e as projeções, a sala se torna um palco onde comando cada reação. Deslizo entre os slides com precisão, destacando cada aspecto do projeto com a confiança de quem não só entende o assunto, mas o domina completamente. Percebo Howell franzindo a testa quando menciono os custos de manutenção, então imediatamente apresento um gráfico comparativo com projetos semelhantes, silenciando qualquer objeção antes mesmo que ela seja formulada.
O ar condicionado mantém a sala em uma temperatura precisa de 20 graus - nem tão fria que cause desconforto, nem tão quente que induza à sonolência. Outro pequeno detalhe que controlei. A iluminação, a mesa oval de mogno escuro, as cadeiras ergonômicas importadas da Alemanha - tudo calculado para criar um ambiente de poder discreto.
As vozes de aprovação são quase automáticas, e o tom condescendente de antes desaparece, enquanto explico como minha empresa pode transformar o projeto no maior símbolo de luxo que já viram.
- Os prazos que você propõe são realmente viáveis, Srt.ᵃ Porter? - pergunta um dos assessores, um homem jovem demais para estar naquela sala, tentando provar seu valor.
- Se não fossem, eu não os teria apresentado - respondo, mantendo o contato visual. - Minha equipe já realizou três projetos de escala similar com antecedência sobre o cronograma. Estou lhe entregando os números mais conservadores possíveis.
Ele assente e faz uma anotação. Um a menos.
- E quanto à questão da sustentabilidade? - questiona Howell, ainda tentando encontrar um ponto fraco. - Os grupos ambientalistas têm estado particularmente ativos naquela região.
Sorrio levemente antes de responder, sabendo que já esperava essa pergunta.
- Página 47 do relatório, senhor Howell. Não apenas atendemos a todos os critérios LEED Platinum, como desenvolvemos um sistema próprio de gerenciamento de resíduos que excede em 30% os padrões atuais. Já temos, inclusive, uma carta de apoio do Conselho de Sustentabilidade de Nova York. - Faço uma pausa calculada. - Assinada ontem.
O silêncio na sala diz tudo. Foram meses trabalhando naquela carta, dezenas de reuniões, milhares de dólares em adequações. Mas valeu cada centavo para ver a expressão de Howell agora.
- É claro que a imagem de estabilidade que o casamento de Samyla Porter e seu noivo traz ao projeto é algo que também nos interessa - comenta o senhor Banning, o maior dos investidores e dono do resort, com um grande sorriso.
Aquelas palavras atingem um ponto sensível, mas não deixo transparecer. Sorrio levemente, mantendo o controle. É claro que eles estão interessados. Eles veem meu noivo, que nem conhecem, e a mim como o casal perfeito, a união de duas famílias no cenário empresarial de Nova York - é o que eles especulam, pois não sabem de nada. As revistas de negócios adoram nos colocar nas capas, mesmo sem fotos: "O Casal de Ouro da Engenharia". Não importa que isso seja apenas intenso e lindo, porque só Deus sabe o quão conturbada e desesperadora essa relação é - para eles, é um símbolo de confiança e segurança.
Lembro-me da noite em que aceitei o pedido de casamento de Viktor, há alguns meses, onde estávamos em casa, apenas nós dois. Não foi por amor, não mais. Foi um acordo, uma aliança estratégica para ambos. A expressão dele, meio cínica, meio resignada, quando deslizou o anel de diamantes em meu dedo. "Para o bem dos negócios", ele havia dito, como se tentasse convencer a si mesmo de que também estava apenas sendo prático. Talvez estivesse.
- A data do casamento segue confirmada para setembro, não é mesmo? - continua Banning, interrompendo meus pensamentos.
- Exatamente como o planejado, senhor Banning. - Mantenho o sorriso, enquanto em minha mente vejo o rosto de Viktor nesta manhã, distante, quase frio. - Agora, se pudermos voltar aos detalhes técnicos do projeto...
🩷🩷💍🩷🩷
Assim que a reunião termina, os investidores saem da sala satisfeitos. Posso ver nos rostos, nos apertos de mão firmes, nas promessas de enviar os contratos assinados até o final da próxima semana. Mais uma vitória. Eu deveria estar aliviada. Deveria estar comemorando internamente.
Termino de arrumar os papéis e me levanto, mas a porta se abre e ele entra. Meus olhos o acompanham. O terno cinza sob medida, os cabelos escuros perfeitamente arrumados, o perfume que sempre achei irresistível e agora me provoca uma mistura de memórias que prefiro ignorar. É curioso como ainda consigo catalogar cada detalhe dele em segundos, como se meu corpo tivesse um radar exclusivo para Viktor Holloway.
Viktor caminha até as grandes janelas, sem ao menos me olhar. O contraste entre sua figura elegante e o horizonte de Manhattan atrás dele formaria uma ótima foto para alguma revista de negócios. Seria a primeira imagem dele com meu noivo e isso alimentaria a ilusão do casal perfeito. Meu olhar varre a sala, passando pela porta entreaberta e parando nele por um instante novamente. Viktor Holloway está com aquele sorriso calculado, encantador para quem não o conhece. Eu o conheço bem... Talvez até demais para o meu gosto.
Lembro-me de como nos conhecemos, oito anos atrás, na cafeteria perto da faculdade. Como ele me cativou com seu charme natural, sua inteligência, sua ambição que parecia tão alinhada à minha. Como ele me fazia suspirar pelos cantos, me entendia e era atencioso. E como, gradualmente, o que havia de real entre nós foi sendo substituído por meros bom dia, boa noite e silêncio, pelo que "deveria ser".
Gostaria de ainda olhar para ele e sentir borboletas no estômago, suspirar ao vê-lo passar perto de mim e receber uma piscadela, ou sentir meu corpo arrepiar com seu toque. Mas isso acabou há muito, muito tempo. Agora restam apenas a conveniência, o hábito e uma boa história para contar aos investidores.
Vou até a porta e a fecho, trancando-a. O som do trinco é quase opressivo no silêncio da sala. Viktor permanece no canto, encostado na parede perto das janelas, com um olhar que me deixa tensa. Há algo diferente hoje. Algo definitivo. Caminho até a mesa, e seus olhos não saem de mim. Posso sentir o peso daquele olhar, a intensidade que me incomoda porque me lembra de como era antes, quando realmente nos importávamos.
- Alguma coisa errada? - pergunto, sem disfarçar o tom impaciente. - Já pedi para você não aparecer aqui sem avisar.
Ele dá um meio sorriso, o tipo que sempre parece esconder algo. O mesmo sorriso que me atraiu anos atrás e que agora me irrita profundamente.
- Você realmente não cansa de sempre fazer tudo ser "perfeito", não é? Tem medo de as pessoas saberem sobre nós?
Reviro os olhos e pego minha pasta, caminhando em sua direção. O salto alto faz cada passo soar como uma pequena declaração de guerra contra o silêncio.
- Isso importa?
- Talvez. Mas só porque é exatamente isso que define você. Perfeição. Controle. Sempre no comando. Ah, já ia me esquecendo de que você não quer sua vida pessoal divulgada por aí, você quer que vejam a Samyla Porter perfeitinha, por isso me esconde de todos.
Sinto um arrepio de irritação subindo pela minha espinha. Odeio quando ele me analisa como se eu fosse apenas um projeto a ser decifrado.
Paro e encaro Viktor, cruzando os braços.
- Isso é um problema para você? Porque antes não era.
- Talvez agora seja - ele responde, e há algo diferente no tom dele. Não é provocação, não é sarcasmo. É algo mais definitivo. Como se uma decisão já tivesse sido tomada antes mesmo de entrar nesta sala. - Vim te buscar para almoçar.
Olho para o meu relógio e vejo que ainda faltam pelo menos quarenta minutos até o horário do almoço. Um almoço que eu já havia programado com potenciais fornecedores.
- Não posso, estou trabalhando.
- Samyla, não custa nada você, pelo menos uma vez, sair e almoçar comigo.
A frustração em sua voz é palpável, e por um momento, muito breve, me pergunto quando foi a última vez que realmente almoçamos juntos, só nós dois, sem falar de trabalho ou compromissos sociais de ambos. Não consigo me lembrar.
- Eu ainda estou trabalhando. Assim que der o horário, saio e nos encontramos em casa.
- Casa? Eu já reservei uma mesa para nós no seu restaurante preferido.
O detalhe me pega de surpresa. Ele ainda se lembra do meu restaurante preferido? Aquele pequeno bistrô italiano na 9th Avenue, onde comemos juntos pela primeira vez, quando fugimos da festa de formatura? Descarto o pensamento tão rápido quanto ele surge.
- Viktor, você sabe o que penso sobre ter minha vida pessoal exposta.
Ele se vira, passa as mãos pelos cabelos alinhados, deixando-os um pouco bagunçados. É um gesto que conheço bem, o que ele faz quando está no limite da paciência.
- De novo essa conversa? Estou cansado disso! Nem ao menos posso dizer quem é a minha noiva por causa daquele maldito contrato de confidencialidade que você me fez assinar.
- Eu não te obriguei a assiná-lo.
- Não! Fiz isso porque te amava.
- Amava? - pergunto, engolindo em seco. A palavra no passado atinge como um golpe físico, embora eu já soubesse que não havia mais amor entre nós há muito tempo. Talvez seja a honestidade súbita que me surpreende.
- Estou cansado dessa vida, de você me esconder.
- Eu não te escondo, Viktor - digo, jogando minha pasta em cima da mesa de reuniões. O barulho é mais alto do que esperava, traindo minha aparente calma. Aproximo-me mais dele e coloco minhas mãos em cada lado de seu rosto, um gesto que costumava acalmá-lo, acalmar a nós dois. A pele dele está quente sob meus dedos frios.
- Sim, você sabe que faz isso, Samyla - ele pega minhas mãos e as abaixa, afastando-as dele. O gesto, mais do que as palavras, diz tudo.
- Se é um problema, você sabe onde está a porta - me afasto, com aquela mesma frase que se tornou quase um mantra entre nós. Uma saída fácil para não enfrentar o que realmente está errado.
Ele ri, mas não é um riso leve. É carregado de amargura, de decepções acumuladas.
- Você sempre diz isso, Samyla. Sempre me lembra que posso ir embora. Talvez hoje eu faça isso.
A ameaça, tantas vezes feita e nunca cumprida, agora soa diferente. Há uma finalidade que não estava presente antes. Minha expressão não muda, mas meu peito aperta. Anos de prática em esconder emoções me servem bem neste momento.
- Viktor, o que está acontecendo?
Ele me encara por alguns segundos antes de responder, e vejo um cansaço em seus olhos que vai além do físico.
- Isso nunca foi real para você, foi? Nosso relacionamento sempre foi sobre negócios. Sobre a sua imagem.
Poderia questionar, falar várias coisas para contradizer o que ele disse, dizer que ele está errado. Mas isso seria apenas prolongar o inevitável.
- E você entrou nisso porque queria crescer ao meu lado. Não venha bancar o moralista. Você me aceitou sabendo de tudo! Sempre fui sincera com você. Nestes oito anos juntos, eu nunca escondi nada.
Ele balança a cabeça e suspira, como se estivesse desistindo de algo maior do que nós dois.
- Talvez eu tenha feito isso no começo, mas ao menos tentei fazer funcionar. E você? Nem sequer tentou.
As palavras me atingem com precisão. É meia verdade. Mantive a distância segura, as paredes erguidas, mesmo quando ele tentava ultrapassá-las. Era mais fácil assim. Menos complicado e vulnerável. Ninguém iria me ver como alguém que estava cometendo erros em seu relacionamento.
Fico em silêncio por um momento, mas não deixo que ele perceba a confusão dentro de mim. Anos de abordagens e negociações me ensinaram a esconder qualquer sinal de fraqueza.
- Isso não importa, Viktor. O que importa é que temos um casamento marcado e com ele vem um contrato bilionário para a Porter Engineering.
- Esse é o problema. Para você, tudo sempre se resume ao que importa para os outros. Nunca para você mesma! Você só pensa no que os outros esperam e não em nós, no que sinto - ele leva a mão ao peito e depois à cabeça - muito menos no que penso sobre nós dois.
Ele começa a andar em direção à porta, mas para por um momento e me olha uma última vez. Há uma tristeza ali que nunca vi antes, uma aceitação final. Subitamente, tudo parece real demais.
- Eu não vou me casar. Estou fora.
Por um instante, sinto o chão sumir. A realidade da situação me atinge com força total. Não é mais uma discussão, não é mais um jogo de poder entre nós. É o fim. Mas não posso deixar que ele veja isso.
- Se você sair agora, não terá volta.
Ele não responde. Apenas a abre e sai da sala, deixando-a aberta.
Quando a porta bate contra a parede, permaneço imóvel por alguns segundos. O som dos passos dele vai diminuindo pelo corredor, cada vez mais distante, até desaparecer completamente. Meus dedos se fecham com tanta força que as unhas marcam minhas palmas. A sala que antes parecia pequena agora é vasta, silenciosa, vazia.
O que me incomoda mais, não é a saída dele, não é o cancelamento do casamento ou o que isso significará para os negócios. É como algo dentro de mim parece ter partido junto com ele, algo que eu nem sabia que ainda existia. Um eco de sentimento que permaneceu adormecido por baixo de todas as camadas de controle e perfeição.
Respiro fundo, ajusto meu blazer e olho para os papéis do contrato do Blue Crescent Resort sobre a mesa. É nisso que preciso me concentrar agora. É isso que importa. Pego meu celular para ligar para Lara e prepará-la para o que está por vir. Tenho alguns dias para controlar os danos, reformular a narrativa, garantir que o cancelamento do casamento não afete o contrato de alguma forma.
Afinal, não importa quem sai da minha vida... Samyla Porter nunca perde.