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O silêncio me atinge como um golpe assim que abro a porta do apartamento. Paro no hall de entrada, esperando ouvir algo - qualquer coisa. O som da televisão ligada, o barulho do teclado do computador ou até mesmo os passos de Viktor ecoando pelo piso de madeira.
Mas não há nada.
A escuridão domina o ambiente e o vazio parece mais pesado do que deveria. Coloco minha bolsa e meu casaco na mesa próxima à porta e me obrigo a seguir em frente.
- Viktor? - Minha voz ecoa, firme.
Caminho até o interruptor e acendo as luzes. Nenhuma resposta.
Entro na sala e tudo parece... intocado. O sofá de couro preto está impecável, as almofadas perfeitamente arrumadas e a manta cinza dobrada exatamente como sempre. O controle remoto está na mesa de centro, ligeiramente fora do lugar, mas nada que indique que ele esteve aqui.
Minha mandíbula se aperta enquanto me esforço para não entrar em pânico. Claro que ele está aqui. Onde mais ele estaria? Tenho certeza de que falou tudo da boca para fora, como das outras vezes. Sempre discutimos.
- Viktor! - chamo novamente, caminho até as escadas que dão para o andar de cima.
Minhas pernas parecem mais pesadas a cada passo, e um desconforto que eu não quero nomear começa a se formar no peito.
Vou até a cozinha, mas ele não está lá. Acendo as luzes e tudo permanece exatamente como deixei de manhã. Vou ao escritório e a mesma coisa.
Subo as escadas rapidamente, meu coração disparado. No corredor, meus passos ecoam, e ao chegar ao quarto, abro a porta com força.
Tudo está arrumado. Perfeitamente arrumado.
Minha respiração acelera e meu olhar se fixa na cama impecavelmente feita. Viktor nunca faz a cama. Ele não é organizado. Ele é o oposto disso.
Ignorando a sensação crescente de desconforto, vou direto ao closet e abro a porta. O lado esquerdo está vazio.
Meu coração para.
Os ternos alinhados, as gravatas desnecessariamente organizadas, até os sapatos pretos polidos - tudo se foi. Os cabides, pendurados de forma ordenada, são o único sinal de que Viktor esteve aqui algum dia.
- Ele foi embora... - minha voz sai baixa, quase inaudível.
Fecho os olhos por um momento, tentando manter o controle. Mas é como segurar água com as mãos. Deixo-me sentar no chão do closet. O tapete macio sob os joelhos oferece pouco conforto para o que sinto.
- Ele realmente foi embora...
Respiro fundo, meus pensamentos girando em torno de tudo o que aconteceu hoje. Ele me desafiou, tentou me culpar, e agora fez exatamente o que disse que faria. Saiu da minha vida.
Uma parte de mim quer se levantar e continuar. Lembrar-me de que isso é apenas um contratempo, que Viktor era apenas uma peça no tabuleiro. Mas outra parte... outra parte sente o peso esmagador do que isso significa.
Eu e ele tivemos um relacionamento conturbado, cheio de brigas. Muitas vezes ele não me entendia.
Porém, eu gostava dele. Claro que o amei, mas o sentimento foi diminuindo até restar apenas algo que me fazia dizer que gostava muito dele - mas não o suficiente para responder um "eu também te amo".
Enquanto tento processar tudo, minha mente me leva de volta a uma memória. Não uma lembrança de brigas ou discussões - mas uma rara vez em que as coisas entre nós pareciam funcionar.
🩷🩷💍🩷🩷
Flashback on.
É uma noite fria. Resolvo me levantar para esticar as pernas. Estou no meu escritório em casa, analisando os relatórios, quando ouço a porta se abrir. Viktor aparece com duas taças de vinho nas mãos.
- Trabalhando até tarde de novo? - ele pergunta, colocando uma das taças na mesa à minha frente.
- Como sempre - respondo, sem tirar os olhos do relatório.
Ele solta um suspiro exagerado, que eu ignoro.
- Você precisa de uma pausa, Samyla.
- E você precisa entender que eu não tenho o luxo de fazer pausas.
- Luxo? - Ele ri, inclinando-se contra a mesa. - Isso não é luxo, é básico.
- Talvez para você.
- Você sabe o que me irrita em você? - ele pergunta, um sorriso brincalhão no rosto.
- Por favor, me ilumine - digo, tirando os olhos dos papéis que estão em minhas mãos.
- Você age como se tudo dependesse de você. Como se o mundo fosse desmoronar se você parasse por um segundo.
- Talvez porque seja verdade - rebato, colocando os papéis na mesa e cruzando os braços.
Ele balança a cabeça e me puxa para longe da mesa, colocando uma taça de vinho em minhas mãos.
- Só por uma noite, finja que não é verdade. - Sorrio, um som raro, mas genuíno. - Finja que ainda somos jovens, alegres por termos entrado na faculdade, prontos para fazer qualquer besteira que vier à cabeça.
Contra minha vontade, deixo que ele me puxe para o sofá.
- Não temos mais vinte e poucos anos, nem você, nem eu - comento enquanto levo a taça à boca.
- Isso é verdade, mas podemos esquecer esse pequeno detalhe por enquanto - diz, tirando a taça da minha mão e a colocando sobre a mesa de centro. - Vamos aproveitar tudo de bom que a vida nos oferece aos trinta anos.
Sua mão vai para a minha nuca e ele me puxa para um beijo. Sorrio e cedo de bom grado.
Flashback off.
🩷🩷💍🩷🩷
Passamos o resto da noite bebendo vinho. Fizemos amor e conversamos sobre qual era o melhor filme para assistir enquanto ele me puxava para a sala de cinema.
A lembrança evapora tão rápido quanto veio, e abro os olhos novamente no presente. O vazio do closet parece zombar de mim. Não é que eu sinta falta de Viktor em si, mas da... funcionalidade que ele representava. Ele fazia sentido dentro da minha vida.
Agora, sem ele, o equilíbrio se foi.
Levanto-me do chão, limpando uma lágrima solitária que teima em escorrer. Não. Eu não choro. Não agora.
Fecho a porta do closet com força, como se isso fosse suficiente para enterrar o turbilhão dentro de mim. Entro no quarto, pego meu telefone e verifico as mensagens, como se houvesse alguma chance de ele ter deixado algo. Uma explicação ou uma desculpa.
Mas não há nada.
Encosto-me contra a parede, encarando o céu noturno pelas janelas. As luzes de Manhattan brilham, indiferentes ao que estou sentindo.
- Controle, Samyla - digo a mim mesma. É só mais uma variável. Uma que vou consertar.
Dou um pulo quando ouço o interfone tocar.
- Deve ser ele! Viktor voltou! - Sorrio e saio do quarto, descendo as escadas correndo. Passo pela sala e chego ao hall, abrindo a porta.
Mas meu sorriso desaparece ao ver que não é ele.
- Mulher, tu está com uma cara péssima! Tudo isso é felicidade, ao me ver? - Malin diz, entrando sem esperar o convite. - Trouxe algo para te alegrar. Te liguei e você não atendeu. Imaginei que estava na fossa, então vim correndo socorrer minha amiga - ela diz, tirando uma garrafa de vinho da bolsa.
Bato a porta e corro até ela, jogando-me em seus braços.
- A... miga, ele foi... embora - confesso aos prantos, sentindo seus braços ao meu redor.
- Oh, amiga, fica assim não! - Faz um carinho em minhas costas, seguida por leves batidinhas enquanto sussurra - Graças a Deus, foi tarde.
- Eu não achei que ele iria embora - digo enquanto ela me arrasta até o sofá e nos sentamos.
- Eu tinha minhas dúvidas, porque sabemos que ele estava com você apenas para te sugar.
- Não tem nada a ver com isso - digo, limpando minhas lágrimas e pegando a caixinha de lenços na mesa de centro.
- Samyla Porter, você é uma mulher segura de si, uma mulher poderosa, cheia dos milhões. Então, não venha ser ingênua ou se fazer de burra para mim! Sabemos que o Viktor aceitou essa relação porque estava cômodo para ele.
Suspiro, sabendo que tudo o que ela diz é verdade. Olho para a garrafa que ela colocou sobre a mesinha e a pego.
- Vem, vamos beber - digo, levantando-me e indo para a cozinha com a garrafa.
- Isso, enquanto bebemos, falamos mal daquele sanguessuga, filho de uma boa mãe, até porque a senhora que colocou aquele estrume no mundo não tem nada a ver com o mau-caráter dele.
Malin diz, puxando a banqueta, se sentando e cruzando as pernas, olhando para as suas unhas, me fazendo sorrir em meio ao desespero que sinto dentro de mim.