Capítulo 4 Entre Linhas e Olhares

A primavera começava a espalhar seus sinais pelo pátio da escola. As árvores ganhavam folhas novas, o gramado se enchia de margaridas pequenas e o sol se deitava mais tarde sobre os telhados. Ana Clara sentia como se tudo lá fora estivesse em sintonia com o que sentia por dentro. Um florescer silencioso, lento, bonito.

Ela agora passava a maior parte dos recreios ao lado de Miguel. Às vezes sob a árvore deles, outras vezes no banco de concreto perto da quadra. Não falavam muito - e era isso que ela mais gostava. Havia uma paz em estar com ele, como se o mundo desacelerasse só por estarem próximos.

Miguel havia desenvolvido um hábito: escrever pequenas frases nos cantos do caderno e arrancar as páginas para entregar a ela. Coisas simples, como:

"Você piscou e bagunçou meu universo."

"Seus silêncios são meu lugar favorito."

"Nunca pensei que alguém pudesse ser minha calma em meio ao barulho."

Ana Clara, por sua vez, passou a guardar cada papel como se fossem fragmentos de um mapa emocional. E também começou a responder com desenhos. Desenhava o banco em que sentavam, as folhas da árvore, os tênis deles lado a lado... e uma vez, desenhou duas mãos quase se tocando - com um pequeno coração desenhado bem entre os dedos.

Ela deixou esse desenho preso na parte de trás do caderno dele, enquanto ele estava distraído. E só percebeu que ele tinha encontrado quando, no dia seguinte, ele chegou com um chaveirinho de coração de feltro, costurado à mão, com as iniciais dos dois bordadas em azul.

- Você que fez isso? - ela perguntou, surpresa, olhando o chaveiro pendurado no estojo dele.

- Minha avó me ensinou. Achei que a gente devia ter alguma coisa que fosse só nossa.

Ana Clara sentiu as bochechas esquentarem, mas não desviou o olhar. Pela primeira vez, ela percebeu que conseguia olhar nos olhos dele sem desviar. Era como se aquela timidez inicial estivesse dando lugar a algo mais sólido. Algo que dava vontade de ficar.

Na aula de literatura daquela semana, a professora pediu uma atividade em dupla: escrever uma pequena crônica sobre um sentimento. Ana Clara e Miguel, sem precisar trocar uma palavra, formaram a dupla no instante em que a instrução foi dada.

Sentaram-se juntos no fundo da sala, cadernos abertos, canetas nas mãos. E passaram longos minutos apenas pensando.

- Sobre o que a gente escreve? - ela perguntou, olhando para ele.

- Sobre aquilo que a gente não consegue dizer em voz alta. Mas que sente.

Ana Clara sorriu. Era assim que ele funcionava. Direto, calmo, doce.

Decidiram escrever sobre o amor - ou melhor, sobre o que acontece quando duas pessoas descobrem que gostam uma da outra, mas ainda não sabem o que fazer com aquilo. E escreveram juntos, trocando frases, completando pensamentos, misturando letras como quem mistura destinos.

A professora elogiou o texto. Disse que havia algo sincero ali, uma maturidade emocional rara para a idade deles. E mesmo sem contar a ninguém, os dois sabiam: era sobre eles.

Naquela tarde, ao saírem da escola, Miguel caminhou ao lado dela até a esquina de casa. O sol desenhava sombras longas sobre o asfalto, e os dois andavam devagar, como se quisessem prolongar o tempo.

- Você já contou pra alguém? - ele perguntou de repente.

- Contar o quê?

- Sobre a gente.

Ela hesitou.

- Ainda não. Não sei... tenho medo que, quando a gente conta, as pessoas estraguem.

Miguel assentiu, compreensivo.

- Eu também tenho esse medo. Mas queria que o mundo soubesse. Só pra poder segurar sua mão na frente de todo mundo.

Ela sorriu, sem responder. Mas, discretamente, deixou os dedos encostarem nos dele por alguns segundos, como se dissesse "eu também".

Nos dias seguintes, começaram a escrever um "diário compartilhado". Um caderno de capa preta, que Ana Clara costumava usar para desenhar, agora ganhava textos e rabiscos de ambos. Passavam o caderno entre si durante as aulas, sempre discretamente.

Na primeira página, Miguel havia escrito:

"Se você pudesse ouvir meu pensamento, saberia que eu penso em você até quando não estou pensando em nada."

Ana Clara respondeu logo abaixo:

"E se você lesse meu coração, veria que todas as palavras que eu tento dizer acabam com seu nome."

O diário se tornou uma espécie de lar secreto. Um espaço onde não havia regras, nem julgamentos. Só eles dois, entre linhas e olhares.

Na sexta-feira daquela mesma semana, Ana Clara chegou à escola com um envelope branco nas mãos. Entregou a Miguel no recreio, meio nervosa.

- O que é? - ele perguntou.

- Abre só quando chegar em casa, tá?

Ele assentiu, guardando no bolso do casaco.

Naquela noite, Miguel se trancou no quarto, sentou na cama e abriu o envelope. Dentro havia uma folha dobrada com um texto manuscrito. Era o primeiro texto que Ana Clara escrevia para ele, sozinha.

"Não sei quando você se tornou parte do meu dia. Talvez tenha sido no primeiro olhar, ou no primeiro bilhete. Só sei que agora você está aqui. E estar aqui é mais do que andar ao meu lado - é morar no que eu sinto.

Se isso for amor, então que seja simples. Que seja bobo. Que seja cheio de desencontros que nos levem sempre de volta ao mesmo lugar: esse. O lugar onde meu olhar encontra o seu, e tudo faz sentido."

Miguel leu aquilo com o coração apertado de alegria. E, no dia seguinte, escreveu uma resposta no diário:

"Agora eu sei: você é minha parte favorita dos meus dias. E também a que eu mais espero."

Com o tempo, os professores começaram a perceber algo entre eles. Um cuidado no jeito como se olhavam, uma sintonia que transbordava sem que precisassem tocar um no outro. Mas ninguém dizia nada - porque era bonito demais para interromper.

Os colegas também começaram a notar. Alguns cochichavam. Outros olhavam com sorrisos curiosos. Mas Miguel e Ana Clara pareciam viver num universo à parte, onde só o que eles sentiam importava.

E mesmo sem se rotularem como "namorados", mesmo sem postagens em redes sociais ou declarações públicas, eles sabiam: o que tinham era real.

Um amor em silêncio. Um amor entre linhas. Um amor que cabia inteiro em um caderno, e ainda assim sobrava em cada olhar.

            
            

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