Capítulo 3 O novato

A noite estava fria, todos riam e cochichavam, a aula não havia começado, eu continuei no canto da sala sentada na cadeira que eu sentava desde o início do ano, olhava a paisagem lá de fora da escola, a rua parecia mais interessante que a sala.

Todos aqueles alunos falando de si mesmos como se suas vidas fossem perfeitas me irritava, embora eu olhasse para os grupos já formados na sala de aula e tivesse a curiosidade de tentar conversar com alguém.

Dakota Trembley, a princesa da turma conversava sem parar, ela Bella e Chloe, uma das populares que tinha o estilo tomboy. A porta da sala foi aberta bruscamente, ajeitei-me na cadeira, talvez fosse o professor de matemática apressado ou irritado com as notas da última prova que passara para a turma. Mas, não era. Era James Jones. Ele sem dúvida era o maior fofoqueiro da turma, lembro-me que quando Lori Ross, a senhora idosa que me concedeu moradia me levou à aquela escola para me mostrar a sala em que eu estudaria, James estava ali. Ele me olhara de cima para baixo me julgando com o olhar.

James estava ali batendo sem parar na lousa da sala como uma criança birrenta querendo atenção. Era branco e seus olhos verdes eram bonitos, ele pediu atenção a todos e logo todos olharam para ele.

-O professor está chegando com aquele aluno!

Os cochichos começaram aos poucos, eu simplesmente não me importava com aquilo. James sentou-se, o professor entrou na sala com o suposto novato, por alguns segundos eu continuei olhando a paisagem lá fora. O que me tirou atenção foram os gritos e cochichos das garotas da turma. Quando olhei para a frente, vi aquela escultura.

-Meu nome é Ethan Leblanc, tenho dezoito anos. Será um prazer estudar com todos vocês.

Ele foi direto, ele era extremamente bonito, não pelo jeito que eu o olhei e nem pelo inglês australiano que falava. Ethan tinha a pele oliva, seus olhos eram graúdos e castanhos, seus cabelos eram lisos e onduladoso num low mullet, ele era alto e tinha certo ar de galã. Suspirei, era apenas mais um garoto bonito na escola, nada demais.

Os cochichos foram intensos durante os três primeiros tempos de aula, e boa parte dela eu não consegui concentrar-me nos cálculos de matemática. Ethan se dera bem com todos da sala, ou seria apenas o vazio de todos pedindo para ser preenchido pela beleza do novato. De qualquer forma eu tinha que admitir, ele era realmente muito bonito, conversara com o grupo de James sobre esportes e aqueles garotos ficaram boquiabertos com a esperteza dele. Dakota esbanjara seus grandes melões para ele quase sentando-se em sua mesa, ele apenas sorria para as garotas, talvez já fosse acostumado com as muitas mulheres o paquerando.

E alguma coisa naquele estranho me chamou atenção, ele sorria muito. Ele logo no primeiro tempo havia falado com todos, diferente de mim que não conseguia falar com ninguém, ele sorria com eles em um dia apenas, coisa que eu nunca conseguira. Quando chegou o intervalo, continuei ali sentada, eu nunca tive o costume de ir comer na hora do intervalo.

Fiquei ali calma olhando o novato, ele agora conversava com Dakota, Bella e Chloe, parecia bastante entretido com o assunto sobre moda, eu queria rir, era a primeira vez que via um garoto prestar atenção na conversa daquelas três.

Ele se movia delicado, como uma palmeira que se nega a partir diante do vento forte, eu o admirei. Mas, era claro que eu não seria amigo de uma pessoa como ele. Não sendo quem eu era, mas de qualquer forma apenas olhar para aquele estranho que sorria muito era interessante. Sempre que alguém o chamava ele olhava e respondia sem hesitar, parecia atento a todos. Suspirei.

Aquele novato me olhou de relance enquanto observava todos os rostos da sala, senti um nó na garganta, virei o rosto olhando para a janela fingindo não estar olhando para ele, mas, acho que não foi o suficiente, pois pelo canto dos olhos percebi que ele continuava me olhando.

-Quem é ela?

Era a voz dele, dirigida à Dakota. Eu até senti vontade de tapar os ouvidos, já sabia qual seria a resposta dela, mas a curiosidade foi maior, continuei ali fingindo que estava interessada na paisagem do outro lado da janela.

-Ah, é a Harisha. Ela é assim, toda estranha, ela não fala com ninguém, mas tem boas notas.

Ouvi apenas o fraco sussurro dele como se estivesse afirmando o que Dakota falava, não me importei. O tempo do intervalo se estendeu um pouco mais, Ethan saiu com o trio das populares para se divertirem, e eu fiquei ali. Por mais que fôsse solitário ficar sozinha numa sala de aula enquanto chovia lá fora, era legal. Com certeza o novato estaria rodeado de inúmeras garotas de seios enormes no refeitório da escola e se divertindo, eu queria ser como ele. Ter amigos.

Na saída, como de costume, arrumei os meus pertences, saí da sala depois de Ethan e seu bonde de admiradores, até sentia vontade de rir, ele parecia agoniado e sufocado com todos os bajulando sem nem o conhecerem. A chuva criara muitas poças de lama no jardim do pátio e alguns alunos brincalhões pulavam nelas ou chutavam água suja uns nos outros, aquilo parecia divertido.

O céu estava muito escuro, a chuva não cessaria tão fácil. Uma limusine dourada parou em frente ao portão da escola, aquilo tirou a atenção de todos, aquilo era exótico. Logo os muitos suspiros de admiração se ouviram, um carro daquele custava muito caro e somente famílias muito ricas e estrangeiras possuíam. Um homem de terno preto saiu daquele carro com um guarda-chuva, Ethan saiu do meio de seus admiradores e ficou o esperando.

Ouvi dizerem que a família de Ethan havia se mudado há mais de um ano, talvez aquilo explicasse o sotaque diferente de Ethan. Então o óbvio, o novato era rico e estrangeiro. Aquilo explicava a razão daquele monte de gente o rodeando por interesse. Mas, por que eu não sabia daquilo? Eu nunca fui tão achegada a assistir televisão e acessar a internet, então pouco sabia do mundo da fama. Como seria a família Leblanc?

Sai debaixo da cobertura da escola deixando as gotas frias da forte chuva molharem o meu corpo, as ruas estavam pouco movimentados, alguns carros passavam e espirravam água de poças em mim. Um banho quando eu chegasse em meu apartamento seria o suficiente para mim. Ultimamente nem estava mais se importando comigo mesma, tudo parecia tão vazio e sem sentido, a senhora Lori Ross havia falecido no meio do ano, seu filho que ficara cuidando dos bens dela por ela havia desaparecido misteriosamente e falecido também e um neto dela estava cuidando agora, mas eu nunca havia visto ele. Não que eu precisasse pagar pelo aluguel, ela me dera de bom grado e a razão? Não faço ideia. É normal chamar uma desconhecida moribunda e dar à ela um apartamento?

Me pergunto o que aquela senhora viu em mim para querer cuidar de mim. Talvez porque ainda existiam boas pessoas. As casas no caminho estavam fechadas, mas alguns mercados continuavam abertos e muitos se abrigavam com guarda-chuvas debaixo de seus tetos. Sai de meus muitos pensamentos ao ouvir a buzina de um carro e um forte brilho parar ao meu lado. Era a limusine dourada, me espantei. Ethan estava me olhando pela janela do banco do passageiro.

-Quer uma carona, senhorita Harisha? Entra aí.

Ele perguntou com um simples sorriso. Arregalei os olhos, era a primeira vez que ouvia a voz dela referida à mim. Olhei para aquele imenso carro, era tão brilhante e bonito, por que eu entraria? Eu estava molhada e suja, além disso, eu não queria dar ao novato o luxo de um dia ele dizer que eu entrei em seu carro porque estava interessada no dinheiro de sua família.

Suspirei e continuei caminhando e neguei apenas levantando uma mão e fazendo sinal com um dedo.

-Tem certeza? Vai ficar doente.

Não respondi, e assim vi a limusine passar por mim e sumir numa esquina. Cheguei em meu apartamento como um cachorro que pegou bastante chuva, fedendo e úmida. Liguei a televisão para de início espantar todo aquele silencio. Tirei as botas, a vida se tornara uma rotina insuportável, dormir, acordar, comer, estudar e dormir. Nada acontecia, era sempre a mesma penumbra cinzenta. Eu compraria um chocolate quente para tomar e ver algum filme.

Uma voz familiar chamou a minha atenção, não era do apartamento, nem da porta e sim da televisão. Estava numa entrevista comercial sobre uma distribuidora internacional e exportadora de bebidas, parecia interessante. Mostrava cálculos sobre juros e acréscimos, ajeitei-me ainda úmida sobre um sofá. Era um homem, branco, cabelos pretos e olhos azuis. Por alguns instantes fiquei em silêncio tentando tirar algum pensamento incrédulo da cabeça e depois minha boca abriu-se por si própria. Aquele homem na televisão, era Thomas Johnson.

Por alguns segundos senti o inferno queimar em minha cabeça. Uma mistura de remorso, raiva e desprezo. Ele sorria sem parar falando sobre uma empresa de bebidas e por ela estar se expandido grandemente. Entendi que ele se tornara um homem de negócios, aquilo deveria ser bom para ele, já que havia deixado sua esposa e filha para trás. Engoli o seco da garganta e desliguei a televisão. Aquilo era ruim, o passado estava lá atrás, e mesmo assim eu ainda parecia tão presa nele. Sempre que lembrava, meu peito doía e uma forte culpa de ter nascido surgia em minha cabeça. Thomas agora deveria estar casado com outra mulher, deveria ter filhos e uma nova vida, eu fazia parte de um inferno que acontecera no passado dele, assim como ele fazia parte de uma ilusão do meu passado.

Tirei minha roupa a deixando na cesta de roupa suja já no banheiro e entrei debaixo do chuveiro, a água também estava fria. Me peguei pensando no sorriso do novato, balancei a cabeça tentando espantar aquilo. Era estranho para mim. Enxuguei-me e coloquei um simples vestido preto sem detalhes, escovei os cabelos e suspirei olhando o meu próprio reflexo no espelho da mesa de cabeceira, eu havia conseguido ganhar uns quilos por comer muito fast food, mas ainda estava abaixo do peso. Meu celular tocou, era uma ligação de Bella e já tinha três perdidas, se ela continuava ligando depois de três perdidas, deveria ser algo sério.

-Alô.

-Harisha!?

A voz dela já estava alterada, deveria estar com muita raiva, sentei-me no canto da cama.

-O que é?

-Você estava com merda na cabeça? Saindo debaixo daquela chuva forte sem mais nem menos?!

Levantei-me e caminhei até a sala. Queria encontrar a minha carteira e pegar dinheiro.

-O que há de errado em se molhar só um pouco?

Perguntei à ela. Ela bufou do outro lado da ligação.

-É assim? Eu fiquei preocupada e é assim que você age?!

-Bella, era só uma chuva.

Ela deu um grito de raiva do outro lado, eu nem entendi. Nem sabia mais a sensação de ter alguém se preocupando comigo. Pra mim tudo era encenação, nunca mais eu encontraria alguém para confiar e falar sobre o que eu realmente sentia.

-Você é muito presa no seu próprio mundo, Harisha... Nem todas as pessoas irão deixar de se preocupar com você, sabia? Você mora sozinha, se ficar resfriada não terá alguém aí do seu lado.

-Eu sei... Não é culpa sua... Não é culpa sua.

Ela suspirou do outro lado e depois suspirou mais uma vez, eu quis rir. No que ela estava pensando?

-Você já comeu?

Agora foi eu quem suspirei.

-Ainda não.

-Come, assim não ficará doente.

E assim ela desligou depois disso, parecia uma namorada distante. Achei a minha carteira dentro de uma gaveta debaixo de muitas tralhas. Peguei algumas notas e sai do apartamento. Caminhei pelas ruas, a chuva havia cessado, mas ainda tinha muitas poças de lama pelas ruas. Estava faminta, me perguntei o que comeria naquela noite. Havia uma lanchonete numa próxima esquina, iria ali. Não tinha muitas pessoas ao redor das mesas, aquilo era bom, eu me sentia muito sufocada quando tinha que lidar com a presença insana de muitas pessoas. Pedi um sanduiche com uma coca cola.

Sentei-me perto de uma mesa com lugar para dois e comecei a comer. Numa mesa um pouco afastada um casal comia com sua filha pequena, mordi um pedaço do lanche e os fitei. Pareciam tão felizes por estarem juntos, a criança sorria com eles e comia sujando o canto da boca, a mãe sorria limpando e o pai dava uma risada abafando com a mão. Aquilo parecia muito bom. Nem lembrava mais a sensação daquilo, Thomas Johnson e Elizabeth Johnson faziam aquilo comigo quando eu era pequena, mas se passara muito tempo, então a sensação dos dedos de meus pais tocando meu rosto já havia se apagado.

Uma garota passou apressada entre as mesas, parecia aflita e a procura de alguém ou algo, era bonita. Pele branca e longos cabelos loiros. Atrás dela outras duas vinham a seguindo e também procurando por alguém, aquilo tirou a minha atenção. O que seria de tão urgente para elas? E assim elas sumiram no final da esquina ainda procurando alguém ou algo, continuei a comer. Mas outra presença surgiu, e aquela presença eu pouco conhecia: Ethan Leblanc.

Ele chegou apressado usando moletom com capuz, olhava sem parar para os lados e escondia o rosto com o capuz, como se fugisse de algo. Ele me viu sentada sozinha e sentou-se na outra cadeira vazia que tinha ao redor da mesa que eu estava. Abaixou o capuz, estava mais pálido, parecia doente, tinha finas camadas de olheira debaixo dos olhos.

-Boa noite, Harisha.

Espantei-me, ele se lembrava do meu nome, ele disse sorrindo e depois deu uma mordida no sanduiche que havia comprado. Era a primeira vez que alguém havia se sentado comigo e comia. Ele parecia acostumado, pois continuou comendo como se a minha presença fosse algo natural para ele.

-B-boa.

Gaguejei, quantos anos haviam se passado desde a última vez que alguém havia falado pessoalmente comigo? Bella tinha meu número porque o pegara da ficha escolar, eu nunca havia conversado frente a frente com ela, devido as nossas diferenças, era melhor que aquela amizade por ligação não passasse daquilo.

-Vem sempre aqui?

Ele perguntou gentilmente, e de perto o sorriso dele era ainda mais bonito. Eu nem sabia como agir com ele, mas de qualquer forma, estava feliz por estar ali com ele. Mas, por que ele estaria ali? Respondi a sua pergunta afirmando com a cabeça.

-Você não é de falar muito, não é?

Ele perguntou parando de comer e me fitando, desviei o olhar. Um tumulto de vozes femininas se ouviu, eram a três garotas que haviam passado por ali há poucos minutos. Ethan pareceu agoniado com a presença delas, pois elas vinham se aproximando da mesa abrindo largos sorrisos, deveriam ser paqueras dele. Mas, ele por outro lado, parecia querer distância delas.

-Ethan, por que você fugiu da gente?

-É, só queríamos nos divertir um pouco. Você sumiu todos esses últimos meses.

Fiquei na minha, não queria fazer parte da vida dele, embora o culpado fôsse ele em sentar-se comigo sem eu tê-lo convidado.

-Ei, ele tem companhia!

A terceira garota disse me olhando de cima abaixo, seu olhar parecia de nojo, o mesmo olhar que todos me lançavam.

-Quem é essa garota, Ethan?

A primeira perguntou. Apenas mordi o lanche, nem queria olhar o rosto dela, por alguma razão aquilo me trazia más lembranças de um passado que eu havia prendido em mim e que não queria largar. Tiffany, aquela garota me lembrava muito ela, o jeito que se movimentava e o jeito como falava. Tomei um gole de coca cola, fitei Ethan, ele soltara o lanche que comia e as olhava com uma das sobrancelhas arqueadas.

-Não estão vendo que estou acompanhado? Poderiam dar licença? Estou aqui com a minha namorada e vocês estão assustando-a.

Senti meu coração pulsar mais forte. Vi as três garotas darem um passo para trás e depois revirarem os olhos para mim, ainda incrédulas de que eu fosse a namorada de um rapaz como ele, e que de fato eu realmente não era. Ethan me fitou, seu olhar parecia vazio agora, senti pena dele, mas qual a razão de ele mentir e me colocar em sua mentira? Apenas para afastar aquelas garotas?

-Ah, sei... Como se eu fosse acreditar.

A primeira respondeu e logo as três riram muito. Vi claramente quando o corpo de Ethan veio um pouco mais para a frente, senti uma de suas mãos tocar o meu rosto e depois seus dedos deslizarem pela minha bochecha. Ele segurou meu queixo. Senti seu hálito quente no meu rosto, vi quando seus olhos fecharam-se bem próximos de mim. Seus lábios tocaram os meus.

Olhei para as três garotas, elas tinham agora um olhar triste e foram embora puxando umas às outras. Olhei para Ethan, os lábios dele ainda se moviam nos meus. Eu estava paralisada, sentia que meu coração logo sairia do corpo, aqueles lábios quentes eram macios e tinham sabor de sanduiche de queijo e presunto. Continuei olhando para Ethan de olhos fechados enquanto me beijava, então aquela era a sensação de ser beijada?

Quando ele se afastou de mim, me olhou, eu estava vermelha, meu coração estava batendo tão depressa que eu sentia minha respiração falhar aos poucos. A saliva de Ethan ainda escorria dentro da minha boca, era quente.

Aquele foi o meu primeiro beijo.

            
            

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